Amada por governos, odiada por ativistas

A história da empresa que criou o vírus-espião que invade celulares 'pelo ar'

Por Helton Simões Gomes

A falha que mostrou demais

Quem imaginava que o WhatsApp seria a porta para um vírus-espião? A brecha, considerada gravíssima, fez a galera correr para atualizar o app.

O vírus é usado para invadir celulares, acionar câmera e microfone e coletar arquivos, sem que a vítima precise clicar em nada.

Mas ele não foi criado para atingir pessoas comuns. O WhatsApp suspeita que ele foi feito por uma empresa que é alvo de denúncias de ativistas.
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O que é a NSO Group

  • Empresa de cibersegurança de Israel especialista em extrair dados de celulares
  • Só trabalha para agências de inteligência governamentais
  • Promete vigiar terroristas, mas vigiou jornalistas, advogados e ativistas
  • Por isso, ganhou o apelido de "traficante de armas cibernéticas"
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Shalev Hulio

Um dos fundadores é Shalev Hulio, ex-militar das forças de paz do Haiti e descendente de sobreviventes do Holocausto que fugiram da Romênia. Começou, ao lado do amigo de infância Omri Lavie, com uma startup que permitia às pessoas comprarem o que viam nos seriados. O negócio acabou após a crise de 2008.
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Surge um novo negócio

Com a chegada dos smartphones (o iPhone é de 2007), a dupla viu uma nova oportunidade: fornecer tecnologia para que operadoras de telefonia fizessem manutenção à distância nos aparelhos. Nascia aí o protótipo do vírus que os deixaria famosos.
Silvia Izquierdo/AP

Salto para vigilância

Como já tinham criado um jeito de entrar remotamente no celular, migrar para a área de segurança foi um pulo.

A ideia, aliás, foi sugerida por uma agência de espionagem europeia que soube o que a dupla fazia em telefonia e achou que aquilo era uma óbvia forma de obter informação de alvos menos dóceis do que pessoas confusas com seus smartphones. Leia-se: terroristas e membros de quadrilhas.
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Pegasus, o vírus voador

Veio da mitologia grega a inspiração para o principal produto na prateleira da NSO: cavalo alado dos deuses, Pegasus é o nome dado ao vírus espião que fez a empresa famosa.
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O que nós construímos era, na verdade, um [vírus] Cavalo de Troia que é mandado pelo ar até os aparelhos

Shalev Hulio,
cofundador da NSO ao site Ynetnews
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Como funciona?

Okay, a contaminação de um aparelho não é feita pelo ar. É só uma metáfora para sua forma invisível de infectar celulares. Capaz de infiltrar sem a vítima clicar em links ou baixar quaisquer arquivos, o Pegasus coleta vários tipos de dados antes de serem criptografados.
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O que o vírus espião faz no celular?

  • Ouve ligações telefônicas
  • Lê mensagens escritas
  • Aciona o microfone para ouvir conversas
  • Tira fotos com a câmera
  • Rouba credenciais de acesso de contas bancárias, serviços de email
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Rica e poderosa

A NSO faturou US$ 250 milhões no ano passado. A companhia não diz quem são seus clientes, mas revela que seu primeiro contrato foi assinado em 2010 com um país da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que sofria com uma onda de violência --o que, obviamente, nos leva a crer que era o México.

Certas empresas colecionam troféus, prêmios ou pilhas de dinheiro como indicativo de os negócios vão bem. A NSO coleciona prisões.
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El Chapo

As mais importantes foram as do Joaquín Archivaldo Guzmán Loera, o maior traficante de drogas do mundo, em 2014 e 2016. Você deve conhecê-lo como "El Chapo".

Para isso, o vírus da NSO infectou o celular antihacker do chefão do cartel mexicano e até o de uma atriz que planejava a produção de uma série sobre a vida do bandido, tipo "Narcos".
Tomas Bravo/Reuters

Ação rápida

El Chapo teve sua localização descoberta quando negociava trazer o ator Sean Pean para sua série. O vírus espião da NSO ajudou ainda a prender desde pedófilos a caminho de encontros com crianças até terroristas usando coletes-bomba prestes a explodir.
Cortesia de Sean Penn

Contrato com governos suspeitos

Não é só de atos heroicos que vive a NSO. Apenas em 2018, 45 países mostravam indícios de usar o Pegasus --nem todos tinham boas intenções e muitos deles eram regimes autoritários que usam o vírus contra a sociedade civil.

Há casos no Barein, Cazaquistão, México, Marrocos, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
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Novo alvo

O governo mexicano, por exemplo, colocou o Pegasus para monitorar jornalistas que investigavam casos de corrupção pública. Membros da Anistia Internacional também descobriram ter sido monitorados pelo vírus, mas não descobriram quem era o mandante. A NSO nega que seu software fosse usado para isso.
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Qualquer uso que desvie do de salvar vidas colocadas em risco pelo crime e pelo terrorismo leva a sanções imediatas aplicadas pela companhia

Shalev Hulio,
cofundador da NSO ao site Ynetnews
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Jornalista árabe morto

Mas, a NSO enfrenta um processo na Justiça. Ela é acusada de interceptar o celular do jornalista Jamal Khashoggi, crítico ferrenho do governo saudita que foi morto dentro do consulado da Arábia Saudita em Istambul, capital da Turquia --outro país suspeito de usar o Pegasus para vigiar ativistas. A NSO nega que esteja envolvida.
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Khashoggi não foi alvo de qualquer produto ou tecnologia da NSO, incluindo [serviços de] escuta, monitoramento, rastreamento de localização

Shalev Hulio,
cofundador da NSO ao site Ynetnews
Murad Sezer/Reuters

Briga na Justiça

Por criar um software-espião usado por governos que agem contra liberdades individuais, a NSO entrou na mira de organizações defensoras dos direitos civis. A Anistia Internacional e outras 50 entidades pediram que Israel impeça a empresa de exportar suas ferramentas.

O Departamento de Defesa israelense não atendeu a solicitação, mas as ONGs não desistiram: levaram a questão à Justiça.

A briga nos tribunais promete desenterras diversos casos de espionagem.
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Publicado em 15 de Maio de 2019.
Texto: Helton Simões Gomes; Edição: Fabiana Uchinaka