Juazeiro do Norte: é possível uma cidade inteligente com baixo orçamento

Renato de Castro

Renato de Castro

  • Wikimedia Commons

    Juazeiro do Norte, do Padre Cícero (foto), ganha destaque pelas práticas inteligentes

    Juazeiro do Norte, do Padre Cícero (foto), ganha destaque pelas práticas inteligentes

No nosso texto anterior, discutimos a importância de incorporar o DNA de sua cidade na apresentação a investidores. Gostaria de iniciar o nosso exercício de hoje com uma boa notícia: você acaba de ser nomeado secretário de desenvolvimento de nossa cidade candidata a inteligente. Sua tarefa é encontrar novas tecnologias para resolver os problemas dela. Um grande desafio, já que tem pouco mais de 250 mil habitantes, está a 500 km da capital do estado e a quase 2.000 km da capital federal. Ela está localizada em uma região semiárida, tem muitas dificuldades econômicas e, também, uma grande desigualdade social. Mas você gosta de uma boa briga, certo?

Seu primeiro ato como secretário foi buscar ajuda 'externa', para organizar suas ideias e formatar seus projetos. E, com tudo pronto para sua grande reunião com o prefeito e demais colegas, começam os problemas. Ou melhor, novos problemas. Uma grande chuva – considerada uma riqueza na região e que, portanto, deveria ser recebida com festa – acaba causando grandes estragos. Ruas alagadas, casas debaixo d'água e, claro, grande parte da população descontente. Com o prefeito nas ruas tentando minimizar o problema, você inicia a reunião:

— O que podemos fazer, a curto prazo, para nos anteciparmos a problemas como esse e conseguirmos reduzir os seus efeitos? — Você pergunta ao consultor.

— Fácil — responde ele. — Sensores e inteligência artificial podem nos ajudar. Eles podem não somente alertar sobre potenciais riscos de inundação, mas também predizer quando isso pode acontecer.

Antes de ouvir a explicação completa, imagens começam a saltar nos seus pensamentos: sensores digitais, rede wi-fi tipo mesh, tecnologia Sigfox para comunicação, um centro de operações e controle de última geração e... inevitavelmente, os números apertados do orçamento municipal começam a apagar todo o brilho, alertando que não há, e nem provavelmente haverá, verba e vontade política para fazer isso! E, sem querer jogar um balde d'água na empolgação do consultor e acabar com a reunião que mal havia iniciado, você tenta gentilmente explicar a situação. Sereno, o consultor o questiona:

— Mas quem falou até agora em digitalização ou infraestrutura?

E continua a falar:

— Após décadas sofrendo com o mesmo problema, todos já sabem onde vai inundar e, provavelmente, quando vai chover. O que você precisa é criar uma rede eficiente de comunicação e alertas. A infraestrutura de comunicação já existe, está testada e não custa nada, uma vez que todos os cidadãos, quase sem exceção, possuem um celular e estão conectados à internet. O que estou propondo aqui não é digitalizar sua cidade, colocando sensores; mas, sim, humanizar a tecnologia. Aqui podemos usar os próprios cidadãos como sensores, sensores humanos, e essa grande experiência coletiva no lugar de inteligência artificial — conclui ele.

Aquilo deixou o secretário com seus pensamentos suspensos no ar por dias.

A oportunidade aqui consiste no fato de que aquele cidadão que sempre tem a casa inundada com as chuvas é o primeiro a perceber o problema e o maior prejudicado. Seguramente, ele funcionará melhor do que um sensor para alertar o sistema, pois seu interesse é pessoal. Além disso, a informação gerada por ele pode ser muito mais completa e relevante que o simples acionamento automático de um sensor.

As possibilidades de aplicação do conceito de cidadãos-sensores são infinitas. Luzes queimadas nas ruas, latas de lixo cheias, buracos, má manutenção dos ativos públicos.... A lista é do tamanho da sua imaginação e dos seus problemas. Perceba que o principal benefício nem é a melhoria funcional do lugar onde vivem, o que já é muito bom, mas o engajamento da sociedade para a cocriação de uma cidade melhor e uma gradual mudança de mentalidade. Nesse processo de comprometimento coletivo, acabamos nos dando conta de que nós, cidadãos, mais que vítimas dos problemas urbanos, muitas vezes somos parte da causa deles.

Muitos de vocês já devem estar familiarizados com o termo "internet das coisas" (ou IoT, na sigla em Inglês). IoT consiste em uma complexa rede global interligada que atingirá o impressionante número de 50 bilhões de conexões agora em 2020. Essa evolução, ou revolução, não para por aí. Está nascendo um conceito ainda mais abrangente, que estamos chamando de Internet of Everything (IoE) ou internet de tudo. Pessoas se comunicando com pessoas, pessoas conectadas com máquinas, máquinas com pessoas e, por fim, máquinas com máquinas, tudo em um ciclo contínuo e interdependente de comunicação para solução de problemas e realização de tarefas.

O mundo está ficando, sim, mais complexo. Entretanto, isso não significa que as nossas soluções não devam ser simples. A clareza em analisar os problemas e a objetividade em desenvolver as soluções são as chaves do sucesso nesse segundo princípio do conceito City SmartUp: Keep It Simple!

Como as histórias de Kamikatzu, no Japão, e Songdo, na Coreia do Sul, dos meus textos anteriores, essa também é uma história verdadeira. Aconteceu no início de janeiro deste ano, durante uma cooperação com a bela cidade de Juazeiro do Norte, uma joia encravada no coração do Cariri cearense. Com pouco mais de 3 meses, as soluções resultantes desse processo de cocriação já estão começando a ser implementadas. Juazeiro do Norte acabou virando um case no Smart City Business America Congress & Expo 2018, considerado o maior evento da América Latina, que aconteceu em São Paulo, entre os dias 16 e 18 de abril. Tudo simples e rápido, em um processo dinâmico, focado em menos planejamento e mais execução, como dita a cartilha das startups.

Esse protagonismo de Juazeiro do Norte certamente facilitará muito sua prospecção de parceiros e potenciais investidores. Mas, calma, esse é exatamente o terceiro princípio do City SmartUP que iremos discutir em meu próximo texto. Já estamos na metade do caminho para tornar sua cidade mais inteligente, mas não esqueça: cidade inteligente não é um destino, mas, sim, uma jornada. Até a próxima semana. Let's SmartUp!

Renato de Castro

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho consultivo global da Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

UOL Cursos Online

Todos os cursos