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Com 'selfies' da própria mão, artista questiona racismo e intolerância

Camilla Costa

Da BBC Brasil, em São Paulo

07/08/2015 10h13Atualizada em 07/08/2015 17h43

"Aceita?" é a pergunta com a qual o artista plástico paulistano Moisés Patricio, de 26 anos, oferece a mão –quase literalmente– a seus seguidores no Instagram.

Há quase dois anos, ele se impôs o desafio de publicar uma foto por dia na rede social, como parte de um projeto que questiona o racismo e a intolerância religiosa de cada dia, motivado pela própria experiência.

"No meu cotidiano, as pessoas de modo geral têm muita dificuldade de absorver a informação de que eu sou um artista visual, porque sou um jovem negro. Digo que sou artista plástico e elas me perguntam: 'tá, mas o que você faz?'. Acham que eu sou um auxiliar de pedreiro ou coisa assim", disse à BBC Brasil.

"Me propus a fazer uma foto da minha mão direita todos os dias, por dois anos, para tentar entender essa dificuldade das pessoas de aceitar a produção intelectual de um artista negro. Com o histórico escravagista que nós temos, há uma tentativa de reduzir a contribuição do negro à mão de obra."

Aos seus mais de 1.500 seguidores, Patricio mostra, todos os dias, objetos que encontra nas ruas por onde anda –do seu bairro, na zona leste de São Paulo, até sua galeria de arte, nos Jardins–, gestos e frases que representam situações que viveu ou testemunhou.

"Para mim, era importante que eu não buscasse os objetos, que eu os encontrasse. A obra é mais a minha caminhada do que a própria fotografia. Quando sofro algum tipo de preconceito, busco naquele lugar algo que possa representar essa angústia. Grande parte das imagens são respostas a essa violência. Sempre que foi para a galeria, nos Jardins, volto com mil histórias de violência, de seguranças seguindo homens negros na rua", diz.

Em fevereiro, motivado por estes exemplos, o artista plástico idealizou a performance "Presença negra", em que convidada artistas, ativistas e escritores negros para comparecerem, em massa, a aberturas de exposições em galerias de arte de São Paulo – espaços tradicionalmente ocupados por brancos.

"A história da arte no Brasil nasce com a mão negra e até hoje há uma rica contribuição. Mas aí quando você chega nas galerias de arte de São Paulo há artistas falando sobre o negro e sobre a escravidão, mas não está lá o negro refletindo junto – os profissionais negros, de modo geral, não participam dessa discussão", afirma.

Imagens com 'vida própria'

Fazer sua série de fotos ultrapassar os muros das galerias –onde já foi exposta– foi o principal motivo pelo qual Patricio escolheu o Instagram, que nunca tinha usado.

"Quando você entra no circuito de arte paulistano, vê que ele é fechado, as coisas são muito exclusivas, o grupo é muito pequeno. Eu pensei na arte como uma forma de me comunicar com o maior número de pessoas possível. O Instagram me possibilita o acesso a muitas pessoas. As imagens ganham vida própria, andam sozinhas pelo mundo", diz.

O acesso à arte é um tema valorizado pelo jovem morador da periferia paulistana, que foi apresentado aos museus aos 11 anos, a partir de um projeto pedagógico do artista plástico argentino Juan José Balzi. Aos 14, tornou-se assistente em seu ateliê.

"Quando a arte foi estendida pra mim, Balzi me explicou que era uma ferramenta para me comunicar com as pessoas, mas que eu não deveria esquecer que vivo num país desigual e que estar em contato com a arte não me tornava melhor que ninguém", relembra.

Nas fotos, a mão aberta de Patricio de vez em quando fecha-se em uma figa –antigo símbolo europeu de proteção, incorporado, no Brasil colonial, às religiões de matriz africana.

O preconceito com religiões afrobrasileiras foi determinante na história de Patricio que é, hoje, o único praticante do candomblé em sua família, que é evangélica.

"Meus bisavós, que eram do candomblé, sofreram com a intolerância religiosa nas décadas de 1930 e 1940 em Minas Gerais. Quando a família veio para São Paulo por causa dessa perseguição, meus pais resolveram não seguir a religião e ocultar essa herança cultural. Mas eles me respeitam muito", conta.

"Muitas pessoas optam por esconder ou dissimular (sua religião) para não se prejudicar. Eu, por outro lado, tenho evidenciado cada vez mais isso. Vou pintando o mundo sem abrir mão da minha religiosidade, de mim mesmo."