Topo

Dez anos do iPhone: conheça as inovações esquecidas que tornaram possível o telefone mais revolucionário da história

Steve Jobs apresenta o iPhone 2G ao mundo em janeiro de 2007 - Kimberly White/Reuters
Steve Jobs apresenta o iPhone 2G ao mundo em janeiro de 2007 Imagem: Kimberly White/Reuters

31/12/2016 07h42

No dia 9 de janeiro de 2007, um dos empresários mais influentes do planeta anunciou algo novo - um produto que se tornaria o mais rentável da história.

Era o iPhone. Há muitas maneiras pelas quais ele definiu a economia moderna.

Há a lucratividade da coisa, é claro: existem apenas duas ou três empresas no mundo que fazem tanto dinheiro como a Apple ganha apenas com o iPhone.

Existe o fato de que ele criou uma nova categoria de produto: o smartphone. O iPhone e seus imitadores representam um produto que não existia há 10 anos, mas agora é um objeto de desejo para a maioria da humanidade. Há a forma como o iPhone transformou outros mercados - software, música e publicidade.

Mas esses são apenas os fatos óbvios sobre esse produto. E quando você mergulha mais fundo no tema, as revelações são surpreendentes. Nós damos crédito a Steve Jobs e outras figuras importantes na Apple - seu primeiro parceiro Steve Wozniak, seu sucessor Tim Cook, o visionário designer Jony Ive - mas alguns dos atores mais importantes nesta história foram esquecidos.

Elementos essenciais

Pergunte-se: o que realmente faz de um iPhone um iPhone? É em parte o design, a interface do usuário, a atenção aos detalhes na forma como o software e o hardware funcionam. Mas debaixo da superfície atrativa do iPhone há alguns elementos críticos que fizeram o iPhone, e todos os outros smartphones, possível.

A economista Mariana Mazzucato fez uma lista de 12 tecnologias-chave que fazem os smartphones funcionarem: 1) minúsculos microprocessadores, 2) chips de memória, 3) discos rígidos de estado sólido, 4) monitores de cristais líquidos e 5) baterias à base de lítio. Esse é o hardware.

Depois, há as redes e o software. Aí entram: 6) Algoritmos de Transformada Rápida de Fourier - bits inteligentes que tornam possível transformar rapidamente sinais analógicos como som, luz visível e ondas de rádio em sinais digitais que um computador pode manipular.

No número 7: a internet. Um smartphone não é um smartphone sem a internet.

Em oitavo lugar estão HTTP e HTML, as linguagens e os protocolos que transformaram a Internet difícil de usar na World Wide Web (rede mundial de computadores) de fácil acesso. Em nono, as redes celulares. Caso contrário, seu smartphone não só não seria inteligente, como nem sequer seria um telefone. 10) GPS. 11) A tela sensível. 12) Siri, a ajudante de inteligência artificial ativada por voz.

Todas essas tecnologias são componentes importantes que fazem um iPhone, ou qualquer smartphone, funcionar. Algumas delas são indispensáveis. Mas quando Mazzucato montou esta lista de tecnologias e revisou sua história, ela encontrou algo impressionante.

O fator estatal

A figura fundamental no desenvolvimento do iPhone não foi Steve Jobs. Foi Tio Sam. Cada uma dessas 12 tecnologias-chave foi apoiada de forma significativa pelos governos - muitas vezes pelo governo americano.

Alguns destes casos são famosos. Muitas pessoas sabem, por exemplo, que a World Wide Web deve sua existência ao trabalho do britânico Tim Berners-Lee. Ele era engenheiro de software empregado no Cern, o centro de pesquisa de física de partículas em Genebra que é financiado por governos em toda a Europa.

E a própria internet começou como Arpanet - uma rede de computadores financiada pelo Departamento de Defesa dos EUA no início dos anos 1960. O GPS, é claro, era uma tecnologia militar pura, desenvolvida durante a Guerra Fria e aberta ao uso civil apenas nos anos 1980.

Outros exemplos são menos famosos, embora não menos importantes.

A Transformada Rápida de Fourier é uma família de algoritmos que possibilitaram o deslocamento de um mundo onde o telefone, a televisão e o gramofone trabalhavam em sinais analógicos, para um mundo onde tudo é digitalizado e, portanto, pode ser processado por computadores.

O algoritmo mais comum foi desenvolvido a partir de uma percepção do grande matemático americano John Tukey. Em que Tukey estava trabalhando na época? Sim, uma aplicação militar.

Especificamente, ele estava no conselho consultivo do presidente Kennedy, em 1963, tentando descobrir como detectar quando a União Soviética estava testando armas nucleares.

Tela sensível, assistente de voz

Os smartphones não seriam smartphones sem suas telas sensíveis -, mas o inventor do touchscreen foi um engenheiro chamado E.A. Johnson, cuja pesquisa inicial foi realizada enquanto ele era empregado pelo Royal Radar Establishment, uma agência do governo britânico.

O trabalho foi desenvolvido no Cern. Eventualmente a tecnologia 'touch' foi comercializada por pesquisadores da Universidade de Delaware nos Estados Unidos - Wayne Westerman e John Elias, que venderam sua empresa à Apple.

Depois está a garota com a voz do Vale do Silício: Siri.

No ano 2000, sete anos antes do primeiro iPhone, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa dos EUA (Darpa, na sigla em inglês) encomendou ao Instituto de Pesquisa de Stanford o desenvolvimento de uma espécie de proto-Siri, um assistente de escritório virtual que poderia ajudar o pessoal militar a fazer seu trabalho.

Vinte universidades foram trazidas para o projeto, trabalhando com todas as tecnologias necessárias para tornar um assistente virtual ativado por voz uma realidade.

Sete anos mais tarde, a pesquisa foi comercializada como uma start-up, a Siri Incorporated - e foi apenas em 2010 que a Apple comprou os resultados por uma quantia não revelada.

Lista infindável

Quanto aos discos rígidos, baterias de íon de lítio, monitores de cristal líquido e semicondutores há histórias semelhantes a serem contadas.

Em cada caso, houve brilho científico e abundância do empreendedorismo do setor privado. Mas havia também muito dinheiro endereçado por agências governamentais - geralmente agências dos EUA, especialmente algum braço do exército dos EUA.

O próprio Vale do Silício tem uma grande dívida com a Fairchild Semiconductor - a empresa que desenvolveu os primeiros circuitos integrados comercialmente viáveis. E a Fairchild Semiconductor, em seus primórdios, dependia de compras militares.

É claro que os militares dos EUA não fizeram o iPhone. A Cern não criou o Facebook ou o Google. Estas tecnologias, que tantas pessoas confiam hoje em dia, foram aprimoradas e comercializadas pelo setor privado. Mas foi o financiamento de governos e a tomada de risco de entes públicos que fez todas essas coisas possíveis.

Esse é um pensamento para manter ao ponderar os desafios tecnológicos que temos a frente em campos como a energia e biotecnologia.

Steve Jobs era um gênio, não há como negar. Um de seus notáveis projetos paralelos foi o estúdio de animação Pixar - que mudou o mundo do cinema quando lançou Toy Story.

Mesmo sem a tela sensível ao toque e a internet Steve Jobs poderia muito bem ter criado algo maravilhoso.

Mas não teria sido uma tecnologia de agitação mundial como o iPhone. O mais provável é que fosse, como Woody e Buzz, um brinquedo absolutamente encantador.

*Tim Harford é colunista do jornal "Financial Times". Seu podcast 50 Things That Made the Modern Economy (50 coisas que fizeram a economia moderna, em tradução livre) é transmitido pelo Serviço Mundial da BBC.