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Como evitar que gadgets destruam nosso sono e nos deixem feito 'zumbis' no trabalho

Celular tem deixado muita gente com problemas para dormir - Getty Images
Celular tem deixado muita gente com problemas para dormir Imagem: Getty Images

19/01/2018 14h07

Qual foi a última coisa que você fez antes de dormir na noite passada? É bem provável que tenha sido uma dar checada no smartphone para checar emails, surfar na internet ou atualizar mídias sociais.

Você não está só. Um estudo feito nos EUA pela Fundação Nacional do Sono estima que 48% dos americanos adultos usam os chamados gadgets - celulares, tablets, laptops - na cama. Em outros países, pesquisas indicam que a prevalência é ainda maior entre os adultos mais jovens.

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Isso apesar de cientistas alertarem que se aconchegar com dispositivos eletrônicos está arruinando nosso sono - nos mantém acordados por mais tempo e nos desperta mais frequentemente durante a noite.

Trabalhos acadêmicos mostram ainda que o uso noturno de gadgets afeta negativamente nossa capacidade de lidar com estresse, autoestima e saúde mental em geral.

Sem sono suficiente, nossa produtividade no trabalho e nossa saúde podem sofrer. Mas poucas pessoas parecem resistir ao brilho das telas menores. Por quê?

A tarefa de relaxar

Ao contrário de livros e da TV, gadgets são interativos em vez de passivos. Sua conectividade com o mundo se intromete em nossos quartos, um local que historicamente era privado e adequado para relaxarmos após um dia intenso.

"Esses aparelhos estão causando uma espécie de protelação do sono", diz Matthew Walker, neurocientista da Universidade da Califórnia.

Especialistas afirmam que precisamos de 30 a 60 minutos de preparação pré-sono para darmos ao cérebro uma chance de descontrair. Atividades como ler um livro, tomar uma bebida quente ou uma tarefa repetitiva, como contar carneirinhos, ajudam.

Mas, segundo Walker, no momento em que pegamos o smartphone, por exemplo, interrompemos essa preparação e prolongamos o dia - incluindo o estresse vindo dele.

"Podemos estar sentindo sono e tudo, mas se pegarmos os aparelhos, eles o espantam. É muito comum alguém se deitar e acabar passando 20 ou 30 minutos com o gadget por causa de uma notificação no Facebook ou um email."

"Enviar um SMS, postar algo nas redes sociais ou checar emails faz com que você fique à espera de uma reposta e acelere o sistema nervoso. E, se você deixar o telefone ligado na mesa de cabeceira, há todos os 'pings' e 'dings' e outros sons capazes de manter alguém acordado", completa.

Parece haver uma grande diferença entre ficar acordado até tarde em frente à TV ou lendo um livro e usar smartphones, tablets e laptops: a interatividade nos priva de bem mais tempo de sono. Um exemplo? A luz azulada emitida por muitas telas eletrônicas pode alterar a liberação do hormônio melatonina, que ajuda a regular o sono - essa alteração pode dessincronizar nosso relógio biológico.

Ben Carter, do Instituto de Psiquiatria do King's College de Londres, passou os últimos anos estudando o impacto da tecnologia no sono. E descobriu fortes correlações entre o uso de aparelhos eletrônicos portáteis no quarto e problemas no sono.

Ele afirma que estamos permitindo que nossa tecnologia controle o que acontece na cama. E que isso terá impacto em longo prazo na qualidade de nosso sono. O especialista traça uma comparação com o tabagismo. "Se isso (mexer nos aparelhos) é a última coisa que você faz à noite ou a primeira pela manhã, você provavelmente tem um vício."

Segundo Carter, trata-se de um mal que ataca até mesmo quem mais deveria reconhecê-lo. "Recentemente, conversei com um acadêmico especializado em estudos sobre vício que confessou acordar durante a noite para ler a primeira edição online dos jornais do EUA. E que sabe plenamente que não deveria estar fazendo isso."

Em quartos separados

Especialistas em ciência do sono acreditam que, assim como parar de fumar, precisamos aprender a tomar distância de nossos dispositivos de forma a ficarmos confortáveis com sua presença em cômodos separados.

Segundo a National Sleep Foundation, um quinto das pessoas entrevistadas em seu mais recente estudo relataram terem sido acordadas à noite por seus telefones. Dessas, metade os pegou para usá-los.

Carter conduziu um análise de 20 estudos sobre o impacto da tecnologia nos padrões de sono de crianças e descobriu que apenas a presença de gadgets no quarto já faz com que elas durmam menos profundamente que crianças sem a presença dos aparelhos.

"Apenas a presença dos aparelhos já afeta o sono. As crianças ficam cognitivamente ligadas aos gadgets."

"Ter um aparelho que cria uma sensação de ansiedade em nosso quarto vai alterar a qualidade de nosso sono", acrescenta Matthew Walker.

Todos nós já sabemos que nos preocuparmos com algo que vai acontecer no dia seguinte não só pode nos deixar sem dormir, mas também diminuir o tempo de sono profundo que teremos quando enfim fecharmos os olhos.

Nos EUA, o Centro para o Controle de Doenças (CDC, na igla em inglês) diz que 35% dos americanos não dormem o suficiente - 70 milhões de pessoas dormindo menos de seis horas por noite, um salto de quase 30% em comparação com dez anos atrás.

Segundo a agência governamental, isso criou uma epidemia em que pessoas sofrem para se concentrar ou se lembrar de coisas no trabalho. Dormir de menos também está ligado a um aumento nos riscos de batidas de carro e acidentes de trabalho.

Deficiência de sono, segundo cientistas, está ligada a uma variedade de problemas de saúde, como diabetes, depressão e doenças cardíacas.

"É um dos problemas mais ignorados de nossos tempos", diz Collin Espie, professor de medicina da Universidade de Oxford. "O sono é fundamental para uma série de funções ligadas à saúde e ao bem-estar".

A surpresa é que a tecnologia pode oferecer uma saída para regular nosso sono. Há uma série de aparelhos no mercado que supostamente monitoram a qualidade dele. E Walker espera usar o que os computadores aprenderem para criar formas de intervir se alguém não estiver dormindo apropriadamente.

"Isso pode tornar possível produzir uma receita de sono individual. Pode ser algo como analisar sua agenda para o dia seguinte e sugerir que é hora de se preparar para dormir", diz o americano.

Walker diz ainda que algoritmos podem gradualmente ajustar nossa hora de dormir ao longo de várias semanas para, por exemplo, nos preparar para viagens ao exterior e combater o jetlag.

"Não há dúvidas de que gadgets perturbam nosso sono de forma desesperadora. Mas a tecnologia pode nos salvar e reparar nossos padrões de sono", completa Walker.