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Universitário pode ser responsável por impedir UE de enviar dados aos EUA

Em Viena

05/10/2015 14h28

A longa batalha legal de um estudante austríaco de Direito contra o Facebook pode acabar com o acordo de "porto seguro", que facilita a transferência de dados privados da União Europeia para empresas e instituições dos Estados Unidos.

O Tribunal de Justiça da UE, sediado em Luxemburgo, dará amanhã seu veredicto em um caso que poderia afetar empresas tecnológicas dos Estados Unidos com presença na Europa, como Facebook, Apple, Google e Microsoft.

Max Schrems, um universitário de 27 anos, denunciou em 2011 que o Facebook viola as regras europeias de proteção de dados, espera a sentença com "otimismo".

Este estudante de Direito na Universidade de Viena é a favor da troca de dados entre países, mas com garantias.

"A questão não é se há troca de dados - que deve existir - mas se é feita com algum tipo de controle ou não", disse Schrems à Agência Efe.

Semana passada o advogado geral da UE Yves Bot recomendou anular uma decisão da Comissão Europeia (CE) que considera os EUA um "porto seguro" para os dados privados.

"O direito e a prática dos EUA permitem compilar, em grande escala, os dados pessoais de cidadãos da UE, que são transferidos de acordo com o regime de porto seguro, sem que estes gozem de uma tutela judicial efetiva", argumentou Bot.

A decisão da CE não impede que as autoridades europeias averiguem se um terceiro país garante ou não a "adequada proteção de dados privados" e, se for o caso, suspender a entrega dessa informação.

O Tribunal de Luxemburgo costuma acompanhar na imensa maioria dos casos as recomendações do advogado geral.

"Os juízes (do Tribunal de Luxemburgo) foram muito críticos em sessões anteriores, mais do que o advogado geral", disse Schrems, surpreso pela rapidez do veredicto.

"Foi rápido, mas houve rumores que a decisão seria breve. É pouco usual, porque costumam demoram meses para emitir um veredicto", contou.

Este estudante iniciou sua cruzada particular contra o Facebook em 2011, quando descobriu que a rede social guardava e analisava dados de sua conta apesar de tê-los apagado.

Em 2013, Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, revelou que os serviços de inteligência dos EUA tinham acesso a dados privados armazenados em servidores americanos da companhia, entre eles os enviados por suas filiais europeias.

O austríaco apelou à agência de proteção de dados da Irlanda para investigar essas afirmações, já que é ali que o Facebook tem sede para seus clientes de fora dos EUA.

As autoridades irlandesas negaram o pedido com o argumento do acordo de "porto seguro" com os Estados Unidos, mas fizeram uma consulta sobre o caso ao Tribunal de Luxemburgo.

Prestes a encerrar este capítulo, Schrems lamentou que os advogados do Facebook tenham recorrido a acusações pessoais para desacreditá-lo como estratégia de defesa.

"É ridículo uma empresa tão grande tentar prejudicar a reputação de um simples estudante dizendo que só quer dinheiro, trabalho ou sair na imprensa", alfinetou.

Embora este caso seja sobre o Facebook, uma decisão que questionasse o acordo de "porto seguro" com os EUA afetaria as mais de quatro mil empresas que o aplicam.

Algumas delas, como a Microsoft, lembrou Schrems, já oferecem aos seus clientes a possibilidade de guardar seus dados "na nuvem" em servidores europeus e não americanos. Solução que pode ser adotada por outras companhias.

Schrems elogiou Snowden, cujas revelações foram utilizadas no Tribunal de Luxemburgo para embasar sua decisão, e criticou os políticos europeus por darem a costas ao ex-analista da CIA, asilado político na Rússia.

"O que sempre me surpreendeu foi a reação dos políticos europeus: consideraram bom o que tinha revelado e, ao mesmo tempo, não quiseram saber nada dele para não irritar os EUA", avaliou.

A embaixada dos EUA na UE criticou a recomendação do advogado geral, por considerar que se apoia em "várias afirmações inexatas sobre as práticas de inteligência dos EUA", e por não ter produzido nenhuma investigação sobre os fatos.

Schrems considerou"estranho" os EUA se imiscuirem dessa maneira, e ficou surpreso com a alegação de falta de investigação, já que o programa de coleta de dados denunciado por Snowden é secreto.

"Imaginem o que teria acontecido se a UE dissesse que a Suprema Corte dos Estados Unidos não está certa sobre algo, e que deveria tomar outra decisão", refletiu Schrems.