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Competindo por atenção em um mar de selfies

Pessoa usa ""pau de selfie"" durante o Revéillon na Times Square, em Nova York (EUA) - Hiroko Masuike/The New York Times
Pessoa usa ''pau de selfie'' durante o Revéillon na Times Square, em Nova York (EUA) Imagem: Hiroko Masuike/The New York Times

David Carr

11/01/2015 06h01

Às vezes você não precisa de um relatório de um analista para vislumbrar o futuro da mídia e os desafios que ele trará.

Na noite de Ano-Novo, eu era uma das pobres almas que estavam trabalhando em Times Square. Por volta da uma da tarde, era hora de ir embora, e quando coloquei os pés para fora, no frio que assaltaria as pessoas encolhidas em festa naquela noite, um casal estava se preparando para posar para uma foto com o logotipo do prédio do New York Times ao fundo. Eu amo o fato de trabalhar em um lugar que as pessoas considerem digno de registrar para a memória, e muitas vezes me ofereço para ajudar.

Minha ajuda não era necessária. Enquanto eu olhava, o jovem casal colocou o telefone em um tripé dobrável, estendendo-o, e então a câmera estava pronta para capturar o momento em toda sua glória panorâmica.

Eu já tinha visto o mesmo fenômeno quando estive passeando pelo Coliseu em Roma no mês passado. Eram tantas as pessoas que lutavam por um espaço para fazer selfies com suas longas varas portáteis – que alguns batizaram de "Narcissistick" [literalmente, "vara narcisista"] – que mais parecia uma reprise das batalhas de gladiadores que o lugar um dia abrigou.

O desejo de olhar para si mesmo é anterior aos espelhos – pode-se imaginar um homem de Neanderthal irritado arrumando o cabelo, com sua imagem refletida em uma poça d'água – mas tem algumas dimensões bastante modernas. Na floresta de outdoors de Times Square, aquele que tem uma câmera que capta as pessoas olhando para o outdoor sempre atrai uma grande multidão.

As selfies não são novidade, mas a melhoria substancial que a tecnologia teve ao colocar o telefone na ponta de uma vara – uma solução curiosamente analógica que a revista Time listou como uma das melhores invenções de 2014, ao lado de uma coisa chamada "reator de fusão high-beta" – sugere que o encontro com o eu só vai aumentar. (Varas para selfie são muitas vezes usadas para fotografar de cima para baixo, o que qualquer autor de selfie que se preze dirá que é o ângulo mais favorável.)

Agora existem redes vastas e automatizadas para pescar todo esse narcisismo, junto com grandes quantidades de dados pessoais, criando extensas coleções de conteúdo gerado pelos usuários. A tendência de ouvir a música sagrada do eu se reflete na abundância de serviços de mensagens e de publicação – Vine, WhatsApp, Snapchat, Instagram, o novo sistema de mensagem de voz da Apple e todo o resto – que representam um imenso desafio para as empresas de mídia.

A maioria das empresas de comunicação está no setor do "um-para-muitos", criando textos, imagens e áudios únicos para serem compartilhados pelas massas.

Mas a maioria dos compartilhamentos não envolve empresas de mídia tradicionais. Os consumidores estão cada vez mais colados ao feed do seu Facebook como uma fonte de informação não só sobre seus amigos mas também sobre o mundo mais amplo.

E com o crescimento explosivo do Snapchat, o aplicativo social que mais cresceu no ano passado, a maior parte dos compartilhamentos envolvem imagens de um-para-um que vêm e vão em dez segundos ou menos. Fazer com que uma mensagem da mídia – um programa de televisão, uma revista, um site, sem mencionar os anúncios que pagam a maior parte desses conteúdos – entre no espaço íntimo entre os consumidores, e na torrente de informações sobre eles próprios, vai ser cada vez mais difícil.

Estou no mercado desde antes de existir uma internet de consumo, mas o meu quadro de referência não é nem o de alguém contrário à tecnologia, nem o de um rabugento. Eu não estou com mais de meio milhão de seguidores nas mídias sociais – combinando Twitter e Facebook – por postar apenas sobre as regulações de banda larga e promoções de cabo. (Nem todos os autorretratos lisonjeiros são feitos em fotos. Você viu o que eu fiz aí em cima, certo?) O aumento da capacidade de se comunicar e compartilhar na era atual tem muitos benefícios tangíveis.

Minha esposa viaja muito, às vezes para regiões perigosas, e o alcance global do WhatsApp nos oferece uma forma estável de permanecer em contato. Nas festas de fim de ano, nossa família compartilhou fotos intermináveis, emoticons e piadas internas em mensagens de grupo que foram uma parte essencial do Natal. Não faz muito tempo, poderíamos ter passado nosso tempo, reunidos, assistindo a "Um Duende em Nova York", mas este ano, o que nos reuniu foi o aqui e agora, o familiar, o íntimo e o pessoal. Nós não precisamos de uma empresa de mídia tradicional para nos ajudar a criar uma experiência compartilhada.

Muitos consumidores mais jovens se tornam miniempresas, distribuindo loucamente seu próprio conteúdo no Vine, Instagram, YouTube e Snapchat. É difícil conseguir a atenção deles na mídia criada para as massas, quando estão tão ocupados produzindo seu próprio conteúdo. E embora o vício narcisístico não se restrinja à geração do milênio – a geração baby boom não fica atrás de ninguém em termos de narcisismo – existem agora plataformas fáceis de usar que amplificam esse impulso de refletir a própria imagem.

Enquanto as empresas de mídia tradicionais ainda fazem produtos para serem estudados e saboreados em tempos diferentes – o filme "Boyhood: Da Infância à Juventude", a revista The Atlantic, o romance "O Pintassilgo" – a maior parte do conteúdo que os indivíduos produzem é efêmera.

Qualquer peça de conteúdo que estiver na frente de alguém – mensagens de texto, mensagens do Facebook, tweets – é rapidamente substituída por coisas novas e diferentes. Para o Snapchat, o fato de que as fotos e vídeos desaparecem quase que imediatamente não é uma falha, é uma característica. Os usuários podem enviar conteúdo para o mundo sem muito medo de criar uma trilha de migalhas de pão digitais que os anunciantes, os pais ou potenciais empregadores poderiam seguir. Os 15 minutos de fama de Warhol foram substituídos por menos de 15 segundos no Snapchat.

O Facebook, que é uma costura de notícias que englobam tanto o eu quanto o mundo, tornou-se, para muitos, uma sistema operacional de fato na web. E muitas das pessoas que não estão ocupados no Facebook estão sendo disputadas na web, mas presas em vários aplicativos de mensagens. O que costumava ser chamado de público está desaparecendo nos aplicativos, mensagens e conteúdo gerado pelo usuário. As empresas de mídia que buscam um tráfego significativo precisam encontrar um caminho para entrar nesse fluxo.

"A maior parte do tempo que as pessoas passam online é no Facebook", diz Anthony De Rosa, editor-chefe da Circa, uma startup de notícias para dispositivos móveis. "Você precisa encontrar uma maneira de romper essa barreira ou de usar todo esse narcisismo. Estamos muito interessados em nós mesmos."

O Facebook pode ser dominante, mas o Snapchat está crescendo muito mais rápido, acima de 55% nos últimos seis meses, e seu público de tendência mais jovem diz para onde as coisas podem estar caminhando. As selfies são o métier dominante do Snapchat, uma forma de arte tão viciante que o estado de Nova York aprovou uma lei, que entrará em vigor em fevereiro, proibindo autorretratos com tigres e leões, uma tendência que não parece ser, digamos, uma boa ideia.

Mais tarde, na noite do Ano Novo, junto com mais de 10 milhões de pessoas, eu me instalei com amigos para assistir à descida da esfera colorida enquanto Ryan Seacrest fazia a contagem regressiva na ABC. Fora Taylor Swift, a grande estrela da noite foi a Hearst Magazines, que distribuiu chapéus e bexigas cor-de-rosa com os logos da revista Cosmopolitan e cosméticos CoverGirl. Claramente, eventos de televisão transmitidos ao vivo ainda atraem uma multidão, e o nome da Cosmopolitan estava por toda parte, então, nesse sentido, a velha ordem tinha sido restabelecida.

Então, mais uma vez, o Snapchat criou o seu próprio evento de Ano Novo em sua sessão Stories, uma coleção de fotos e vídeos fornecidos pelos usuários mostrando celebrações em todo o mundo, inclusive em Times Square. Tudo isso capturado com consentimento dos usuários, e desapareceu 24 horas depois.

Independentemente de assistir ao evento na televisão ou na versão do chat, o que vi foram inúmeras imagens de pessoas felizes, ainda que congelando – a maioria das quais estavam ocupadas tirando selfies para celebrar o momento.