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Caça ao Pokémon é um pequeno passo na direção da realidade virtual

Reprodução/The Pokémon Company
Imagem: Reprodução/The Pokémon Company

David Streitfeld

Em San Francisco (EUA)

24/07/2016 06h00

Nesta temporada de assassinatos aleatórios e tumulto político, quem poderia resistir à tentação de adicionar a uma realidade tensa e assustadora um pouco de fantasia gentil?

Em poucos anos, nos assegura o Vale do Silício, nós teremos realidade virtual, uma fuga abrangente para a fantasia e ilusão. Enquanto isso, como uma espécie de pequeno primeiro passo, há o Pokémon Go, um game para crianças agora reconfigurado em um esporte de alta tecnologia para todos.

Ele é, basicamente, uma observação de aves digitalmente melhorada: encontrar criaturas fantásticas como Weedle e Golbat na natureza, coletar o máximo possível e obter satisfação pessoal e direito de se gabar ao fazê-lo.

Provavelmente você já viu artigos e fotos anunciando a chegada de uma obsessão espontânea, autêntica e disseminada. Um aglomerado de pessoas toma uma área, olhando fixamente para seus celulares. Um vídeo de um motorista jogando Pokémon batendo em uma viatura da polícia de Baltimore. Casos de pessoas caindo de penhascos, descobrindo cadáveres e perambulando de forma irrefletida pela rua. Isso talvez faça você se perguntar se esse é um jogo para você.

Para responder a essa pergunta, eu baixei o aplicativo Pokémon Go, que envolvia abrir mão dos meus direitos de um julgamento por júri, concordar que meu conteúdo poderia ser conteúdo do jogo, mas o conteúdo do jogo nunca seria meu conteúdo, e declarar que eu não estava na lista do governo americano de partidos proibidos ou restritos. Também havia muitas outras cláusulas que não me dei ao trabalho de ler.

Então carreguei meu telefone e segui para o Dolores Park, uma área verde no centro da cidade que foi cenário do primeiro grande evento do Pokémon Go em San Francisco, na quarta-feira (20).

Mais de 9.000 almas confessaram pelo Facebook que compareceriam. Caso existissem mistérios mais profundos a serem sondados a respeito dessa nova sensação, eles estariam ali.

A temperatura era de 20ºC, uma noite perfeita de verão. O aplicativo me disse que eu estava passando pelo local onde o poeta Robert Frost nasceu. Uma placa marcava o local, que era uma localização no jogo. Pokémon citou Frost:

"Em Golden Gate era essa a vida que tínhamos
Ouro cobria tudo o que se comia e bebia
E fui uma das crianças às quais se dizia,
que comer nosso bocado de ouro todos tínhamos"


Era um presságio promissor, Pokémon me dizendo coisas interessantes que não sabia sobre um local a passos do meu escritório. No parque, as pessoas se espalhavam languidamente, fumando maconha e brincando com seus cães, sem se importar com o mundo. Lentamente, um grupo se reuniu perto de uma estátua de Miguel Hidalgo, o pai da independência mexicana. Quase todos eram jovens e em sua maioria brancos. Em outras palavras, parecia com o Vale do Silício, apesar de que com uma maior presença feminina.

Todos olhavam para seus telefones, pegando as criaturas que o aplicativo sobrepunha à paisagem. Aaron Orcino estava bebendo uma lata de cerveja que tinha comprado no caminho. O apelo, ele disse, "era a aleatoriedade. Você não sabe o que acontecerá a seguir".

Pelo que pareceu um longo tempo, não ficou claro se algo de fato aconteceria no parque. Repórteres de televisão realizavam entrevistas. A Haagen-Dazs distribuía sorvete de graça. Menos de três semanas após seu lançamento, Pokémon Go estava cumprindo seu destino como oportunidade de mídia e marketing.

Finalmente partimos, talvez 200 de nós. Um público maior e um tanto mais diverso, talvez de cerca de 600 pessoas, partiu de um ponto oposto, o edifício Ferry, e marchou em nossa direção. Assim como tudo mais envolvendo nova tecnologia, o tamanho do público projetado tinha sido seriamente exagerado.

Nós caminhamos, coletando o Pokémon ao longo do caminho. Sergio Gonzalez levava uma garrafa de champanhe Veuve Cliquot, que compartilhava gentilmente. "Essa é minha infância virando realidade", disse Gonzalez, um sommelier que tinha 9 anos em 1996, quando estreou o Pokémon original. "Estou me reconectando com minha geração."

Ele se virou para a mulher com quem caminhava. "Se vamos andar juntos, vamos nos apresentar formalmente", ele disse. "Meu nome é Sergio."

Eu li um e-mail de Michael Saler, autor de "As If: Modern Enchantment and the Literary Prehistory of Virtual Reality" (Como se: o encanto moderno e a pré-história literária da realidade virtual, em tradução livre, não lançado no Brasil) e um especialista na vida expandida que as empresas de tecnologia estão criando para nós.

Ele estava cautelosamente otimista: "Pokémon Go está tornando tudo novo de novo", ele disse. "Não se trata apenas da sedução da caçada, mas se encontrar com outras pessoas fazendo o mesmo. Esses aplicativos estão passando de puros jogos de fantasia a algo que nos ajuda a apreciar a realidade um pouco mais. Ele mostra que natureza e fantasia não são opostas, mas que podem andar juntas."

Saler acrescentou: "Sempre pensamos nessas inovações como um novo paraíso na Terra ou o nono círculo do inferno. Mas nunca é um e nem o outro, há sempre desvantagens e vantagens".

Na verdade, lendo os volumosos comentários online sobre Pokémon Go, vi poucas críticas fora algumas preocupações de privacidade. Denúncias a respeito da infantilização da cultura americana? Não encontradas. O triunfo da cultura pop é tão completo que ninguém mais a nota.

Em vez disso, havia um amplo entusiasmo por levar as pessoas para locais ao ar livre de qualquer forma possível. As pessoas em nossa caminhada concordavam que aquilo era um pequeno milagre.

"Se você tivesse me dito há uma semana que eu sairia de casa, eu teria dito: 'O quê?'" disse Anton, um programador que se recusou a dizer seu sobrenome. Ele disse que costuma jogar Pokémon Go por horas, correndo em parques para coletar os animais.

Eu tentei voltar para casa tomando o trem para East Bay, mas algo estava obstruindo os trilhos. O sistema de trem Bart, perpetuamente lotado, disse que não haveria serviço, talvez por horas. Ele recomendava o uso das linhas de ônibus, mas, no espírito da contagem de pessoas do Vale do Silicio, estimei que havia pelo menos 9.000 pessoas no terminal.

Não restava nada a fazer exceto usar o Uber, que me informou que um aumento de preços estava em vigor e que as tarifas normais estariam entre o dobro e o triplo. Minha viagem para casa habitual de US$ 5 (cerca de R$ 16) custou US$ 76 (R$ 247). Outro bocado de ouro para o Vale do Silício.