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Repórter do "NYT" dá uma volta em um carro autônomo da Uber e conta como foi

Mike Isaac*

Em Pittsburgh

15/09/2016 06h02

Estou estacionado do lado de fora da antiga fábrica de envasamento do ketchup Heinz, em uma manhã de segunda-feira, e estou frustrado. Meu carro autônomo da Uber não quer dirigir sozinho.

O engenheiro sentado no banco do passageiro ao meu lado, um funcionário da Uber que perguntou se eu queria pegar no volante, diz que eu deveria desligar e ligar o carro de novo, como se estivesse reiniciando um computador.

Neste caso, meu “computador” é um sedã Ford Fusion híbrido modificado apelidado de Boro 6, um elemento atômico muitas vezes encontrado em ímãs, sabão para lavar roupa e reatores nucleares.

A Uber o equipou com mais de 20 câmeras, sete lasers, um sistema de detecção a laser de 360 graus e 1.400 outras peças que transformam milhões de bits de informações sobre o entorno em tempo real enquanto eu dirijo. Se o carro funcionar como o divulgado, algum dia nem eu, nem ninguém voltará a se sentar no banco do motorista novamente.

Por ora, alguns quilômetros quadrados no centro de Pittsburgh representam os sonhos da Uber de um futuro móvel, no qual as pessoas se abstêm de ter um carro e preferem chamar uma corrida mais segura e sem motorista a partir de seus celulares.

Na quarta-feira, a Uber apresentou um programa-piloto de seus carros autônomos a seus clientes mais fiéis em Pittsburgh, dando-lhes a chance de chamar uma Uber autônomo pela primeira vez.

“Esta é uma das coisas mais importantes que os computadores vão fazer nos próximos 10 anos”, diz Anthony Levandowski, que dirige o projeto de carros autônomos da empresa e é cofundador da Otto, uma startup de caminhões autônomos que o Uber adquiriu no mês passado.

“Os carros autônomos são centrais na missão da Uber por um transporte confiável para todas as partes, para todas as pessoas.”

Para a Uber, há bastante em jogo com o experimento com carros autônomos. Muitos têm questionado por que o Uber está sondando a área de veículos autônomos, quanto dinheiro isso está custando e quais seriam os potenciais benefícios. Sem mencionar que a empresa enfrenta uma concorrência dura na área de carros autônomos.

O Google saiu sete anos à frente na pesquisa de carros autônomos. Fabricantes como a Tesla, a Mercedes-Benz, a BMW e a Infiniti já oferecem funções de direção semiautônoma em alguns veículos. A Apple tem testado veículos autônomos em uma iniciativa chamada Projeto Titan, com altos e baixos.

12.set.2016 - Detalhe do monitor do carro da Uber mostrando mapa em 3D durante test drive em Pittsburgh (EUA) - Jeff Swensen/The New York Times - Jeff Swensen/The New York Times
Detalhe do monitor do carro da Uber mostrando mapa em 3D durante test drive em Pittsburgh
Imagem: Jeff Swensen/The New York Times

Para recuperar o tempo perdido, a Uber gastou US$ 680 milhões —aproximadamente 1% do valor da empresa— para comprar a Otto e sua equipe de veteranos em robótica. Sediado em San Francisco, a Uber também despejou milhões de dólares na contratação de centenas de funcionários e gastou mais de 18 meses para inaugurar o Centro de Tecnologias Avançadas aqui em Pittsburgh, lar de sua iniciativa direção autônoma.

Uma dúvida que persiste sobre essa iniciativa é como os carros autônomos vão afetar o modelo de negócio do Uber. Boa parte do sucesso da empresa se baseia na premissa de que as pessoas podem compartilhar seus carros ociosos com o público ao dirigirem nas horas livres.

Um carro autônomo torna desnecessários os motoristas humanos, uma clara fonte de tensão entre motoristas do Uber hoje em dia. Executivos da empresa dizem que os carros autônomos seriam somente uma parte dos negócios do Uber no futuro, com uma mistura de motoristas e veículos autônomos.

A Uber também enfrenta um ambiente regulatório incerto para veículos sem motorista, e isso poderia impedir a apresentação desses novos carros pelo país.

“As barreiras regulatórias têm a ver com o possível tamanho do risco e quem vai assumi-lo”, diz Ryan Calo, professor da Universidade da Escola de Direito de Washington especializado em robótica.

Agências do governo como a Administração Nacional da Segurança em Tráfego terão de decidir sobre limiares mínimos de segurança muito antes que veículos autônomos possam ser usados em rodovias nacionais, segundo ele.

A Uber vai começar a coletar dados para responder a algumas dessas questões a partir de testes com carros autônomos em Pittsburgh, conhecida por sua topografia singular e planejamento urbano. A cidade, em sua essência uma península cercada por montanhas, se espalha por um triângulo gigante, repleto de curvas fechadas, ladeiras íngremes, mudanças súbitas de limites de velocidade e dezenas de túneis. Há 446 pontes, mais do que em Veneza, na Itália. Os moradores são conhecidos pela “esquerda de Pittsburgh”, um perigoso cruzamento.

“É o ambiente ideal para os testes”, diz Raffi Krikorian, diretor de engenharia do Centro de Tecnologias Avançadas da Uber. “Sob vários aspectos, Pittsburgh é o ‘diamante negro duplo’ da direção”, fazendo uma analogia com o termo usado no esqui para enfatizar a dificuldade.

Eu senti isso em primeira mão durante a quase uma hora que passei andando no Boro 6 em um trânsito leve no centro de Pittsburgh. Quando começar o período experimental na quarta-feira, alguns veículos de teste, primeiramente os Ford Fusions, percorrerão as ruas, e em cada carro haverá um engenheiro de segurança humano que tenha passado por treinamento para assegurar os passageiros de que o processo é seguro.

Em alguns pontos durante a minha corrida, cuja maior parte passei como passageiro no banco traseiro do Boro 6, meu engenheiro de segurança teve de assumir o volante em cruzamentos onde locais costumam acelerar. Quando o motorista de um caminhão ilegalmente entrou na estrada de ré, meu engenheiro de segurança pôs o pé no freio, imediatamente assumindo controle do carro.

Se o engenheiro de segurança se sentisse inseguro, ele poderia a qualquer momento apertar um grande botão vermelho no console central —intrigantemente parecido com o botão de assento ejetor de um filme do James Bond— para desativar o modo de direção autônoma. Para voltar a ativar a função de direção autônoma, ele só precisaria apertar um brilhante botão metálico ao lado de uma plaquinha em relevo pregada no console.

Se eu me sentisse inseguro como passageiro, eu também poderia pedir que o motorista assumisse o veículo, ou apertar o botão na tela em frente ao banco traseiro que encerraria a corrida. Eu também monitorei o ambiente infravermelho que o carro reproduziu a partir da tela, um mundo 3D atualizado em tempo real, e tirei um selfie de uma câmera embutida no console. Depois da corrida, a Uber manda por mensagem de texto aos passageiros um GIF animado do trajeto modelado em 3D, juntamente com o selfie.

Mas na maior parte da corrida eu raramente me senti inseguro. No modo de direção autônoma, quase não se percebe quando o carro vira ou para, e muitas vezes tive de conferir para ver se era meu motorista ou o computador que estava guiando o carro. Só fiquei um pouco nervoso algumas vezes ao observar o quão perto o computador nos levava para junto de carros estacionados no lado direito de uma rua. Porém, admito que isso poderia ser coisa da minha cabeça, pois eu estaria mais atento do que o normal ao que acontece ao meu redor.

Do ponto de vista da Uber, o veículo autônomo opera de forma mais segura do que qualquer motorista humano. Meu Uber autônomo parou bem longe atrás de carros à nossa frente nos cruzamentos. Ele permanecia exatamente no limite de velocidade —40km/h onde dirigimos— mesmo quando não tinha trânsito em volta. Nos semáforos, o carro esperava o sinal verde abrir antes de virar à direita, para grande irritação dos motoristas humanos atrás de nós.

A Uber diz que os carros autônomos podem reduzir mortes relacionadas a acidentes de carro, incluindo as quase 40 mil que ocorreram nos Estados Unidos ano passado, que foi o mais letal para mortes relacionadas a automóveis desde 2008 e a maior porcentagem de aumento ano a ano em 50 anos, de acordo com o Conselho de Segurança Nacional. Houve registro da morte de um motorista em um veículo autônomo, do proprietário de um Tesla envolvido em um acidente com direção autônoma em maio.

Alguns dos planos de direção autônoma da Uber podem ter sido ambiciosos demais. Quando a empresa anunciou seu carro autônomo piloto no mês passado, esperava-se que os testes seriam com o Volvo XC90s, um SVU que seria modificado em parceria com a fabricante. Agora a Uber diz que os XC90s devem chegar às ruas até o final do ano, mas não forneceu nenhuma explicação para o atraso. A Volvo não respondeu ao pedido de comentários.

À medida que minha corrida no Boro 6 foi chegando ao fim —no total, viajei aproximadamente 32 km no veículo— era difícil eu não me sentir como uma celebridade, ou talvez mais como um marciano. Outros motoristas olhavam pasmos, e um menino de patinete olhou boquiaberto para mim da esquina, chamando sua mãe para vir olhar.

Faz muito tempo que o futuro está chegando. Anúncios de carros autônomos já vêm pelo menos dos anos 1950, com imagens de famílias reunidas em torno de jogos de tabuleiro no banco traseiro, jogando dominó. Algumas das pessoas envolvidas no projeto do Uber passaram carreiras inteiras trabalhando por um dia como essa quarta-feira.

Haverá bugs, como o que encontrei na minha primeira vez atrás do volante quando o carro autônomo não quis se autodirigir. Essa é toda a ideia do teste-piloto. Todos os sensores e equipamentos de gravação verão o que acontece, com imperfeições e tudo, “de forma que possamos aprender mais sobre o que deixa motoristas e passageiros confortáveis e seguros”, diz Emily Duff Bartel, gerente de produtos no Centro de Tecnologias Avançadas.

Para mim, levou cerca de 10 minutos para que as falhas técnicas fossem resolvidas, mas por fim o Boro 6 ligou e começou a se autodirigir. Isto é, depois de um pouquinho de intervenção humana.

*Com contribuição de Cecilia Kang em Washington