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Nova rede social 'tolerante' abre espaço seguro para extrema-direita dos EUA

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Amanda Hess

02/12/2016 06h00

Quando o líder nacionalista branco Richard Spencer foi suspenso do Twitter recentemente, ele pulou para o YouTube para se comunicar com seus apoiadores.

"Falando do ponto de vista digital", disse ele, o Twitter tinha enviado "esquadrões da morte por toda a direita alternativa". Ele acusou o Twitter de "expurgar pessoas por causa de suas opiniões", chamando-o de "stalinismo corporativo". Então ele traçou um caminho a seguir. "Obviamente, temos o Gab, que é uma mídia interessante", disse ele. "Acho que esse será o lugar aonde iremos agora."

Gab é uma rede social construída como uma mistura do Twitter com o Reddit --as postagens são limitadas a 300 caracteres, e os usuários votam para reforçar ou rebaixar as postagens no feed. Mas a característica definidora do Gab são suas diretrizes ao usuário, ou melhor, a falta delas. O Gab proíbe atividades ilegais --pornografia infantil, ameaças de violência, terrorismo-- e quase nada mais. "Facebook, Twitter e Reddit estão seguindo o caminho da censura", disse Utsav Sanduja, diretor de comunicações do Gab, via e-mail. "O Gab não."

Pense no Gab como o "Torne a América grande de novo" das redes sociais: é um retrocesso às normas desimpedidas da antiga internet, antes que o Twitter começasse a reprimir o assédio e o Reddit limpasse seus cantos mais obscuros. E desde sua estreia, em agosto, ele surgiu como um espaço digital seguro para a extrema-direita, onde os nacionalistas brancos, teóricos da conspiração do YouTube e mães de minivans da maioria podem se reunir sem interferência liberal.

A nova rede social deve reunir apoiadores do presidente Trump - Andrew Kelly/ Reuters - Andrew Kelly/ Reuters
A nova rede social deve reunir apoiadores do presidente Trump
Imagem: Andrew Kelly/ Reuters

Esta eleição expôs a divisão ideológica sobre as redes sociais, e desde a eleição a brecha se aprofundou. Assim como os apoiadores decepcionados de Hillary Clinton se reuniram na Pantsuit Nation --um grupo "secreto" no Facebook com quase 4 milhões de membros--, alguns na direita encontraram seu oásis pós-eleição no Gab, com acesso só por meio de convites.

O fundador do Gab, Andrew Torba, de apenas 25 anos, idealizou o site depois de ler reportagens de que os funcionários do Facebook retiram artigos conservadores do site. Torba --que anteriormente criou o Kuhcoon, um sistema para conduzir campanhas publicitárias automatizadas no Facebook (hoje chamado de Anúncios Automáticos)-- é um raro CEO de tecnologia cristão conservador. O Gab é uma correção do que ele chama de "Grande Social" e se baseia no que a empresa chama de "etos pluralista de respeito mútuo e tolerância a opiniões discordantes".

Quando outras redes sociais expulsam os usuários que perturbam, o Gab abre os braços para eles. Recentemente, o Twitter reforçou as regras de abuso para policiar não apenas ameaças, mas também discursos de ódio "contra uma raça, religião, gênero ou orientação". (A medida foi um presságio do expurgo que eliminou Spencer.) E o Reddit apagou uma comunidade chamada #Pizzagate, em que teóricos da conspiração se reuniam para divulgar mentiras sobre pedófilos democratas que operariam em uma pizzaria em Washington. No Gab, o tema está sempre nas principais tendências.

Lugar dos que foram expulsos

Todos os expulsos importantes do Twitter ressurgiram aqui: além de Spencer, há Milo Yiannopoulos, o editor do Breitbart que foi barrado no Twitter por instigar caçoadas sobre a atriz Leslie Jones, de "Os Caça-Fantasmas"; Pax Dickinson, o ex-diretor de tecnologia da Business Insider que se redefiniu como vítima da cultura do politicamente correto quando foi removido por postar tuítes sexistas; e Tila Tequila, a estrela de programas de TV-realidade que foi expulsa do Twitter depois de postar insultos raciais e ideias pró-nazistas. O Gab também atraiu a comentarista conservadora Ann Coulter; o guerrilheiro da mídia de direita Mike Cernovich; e o rei da desinformação Alex Jones, fundador de Infowars. O Gab hoje abriga 98 mil contas, com outras dezenas de milhares de candidatos na lista de espera.

A retórica de direita permeia o site, mesmo as categorias de estilo de vida e esportes. Com mais de 28 mil seguidores, Yiannopoulos é uma das maiores estrelas do site, mas raramente posta alguma coisa. Na noite da eleição, Torba transmitiu animadamente a vitória de Donald Trump, depois escreveu: "Gab será absolutamente maciço no apoio ao presidente Trump".

Nazismo - Don Emmert/AFP - Don Emmert/AFP
Imagem: Don Emmert/AFP

O site tem uma coalizão conservadora mais ampla do que a turma na maioria jovem e masculina acampada nos fóruns de Trump no Reddit ou espiando no painel de mensagens anônimas 4chan. As facções do Facebook também encontraram um lar aqui. Recentemente, uma mulher chamada Lisa postou no Gab: "Oi, pessoal. Sou uma #mãegab de Ohio e este é meu primeiro post. Ainda tento descobrir o formato, mas obrigada pelo site, Andrew!" Sua nota recebeu mais de 200 votos positivos.

A mascote do Gab é uma rã, que Torba afirma se basear em fontes religiosas e naturais que associam rãs a êxodo e renascimento. Muitos usuários a veem como uma referência a Pepe a Rã, o desenho animado da internet que se tornou um ícone do 4chan e --depois de ser vestido online com símbolos nazistas-- foi declarado um símbolo de ódio pela Liga Antidifamação. Mas muitos usuários do Gab que não são fluentes em memes apenas o consideram uma mascote simpática, "Gabby".

Com a vitória de Trump, os usuários do Gab estão muito animados. Parte do motivo pelo qual as regras contra assédio do site funcionam tão bem, até agora, é que a maioria das pessoas concordam umas com as outras. E desses pontos de acordo é que o antissemitismo é tolerável, senão exatamente preferido. No Twitter, peças antissemitas e racistas são abundantes, o que incomoda os moderadores do site. Mas no Gab a retórica antijudeus vigora liberalmente. Um usuário, irritado porque seu conteúdo tinha sido derrubado por votação, escreveu: "Obrigado ao #Judeu que acaba de detê-lo".

Andrew Auernheimer, um supremacista branco conhecido como weev, causou um pequeno debate sobre censura quando o Gab apagou sua biografia, que defendia o estupro, a tortura e o assassinato de judeus. Quando um usuário aconselhou weev a ser mais cuidadoso para evitar problemas com a lei, outro o acusou de ser judeu.

Enquanto as redes sociais da corrente dominante prometem reprimir "notícias falsas", o Gab abre caminho para que postagens como "O pizzagate satânico está viralizando no mundo inteiro (as elites estão aterrorizadas)" ganhem velocidade. Ricky Vaughn, um nacionalista branco (que usa como pseudônimo o nome do personagem de Charlie Sheen em "Major League") também expulso do Twitter, postou no Gab que o Twitter está de fato morto e deveria ser usado agora só para "escaramuças" contra usuários do Twitter. O Gab seria uma base conveniente para recrutar mais soldados digitais para a causa.

Por trás da atitude animadora de livre expressão, as opiniões dissidentes no Gab são esmagadas conforme surgem. Relatos abertamente racistas foram criados por inimigos para fazer o Gab parecer ruim, disse Torba em um post. "Sem dúvida, temos perfis falsos que tentam interferir na narrativa da mídia", escreveu ele.

Mas alguns temeram que o isolamento do site possa atenuar suas mensagens. "Agora que o Twitter está expurgando todo mundo, acho que é importante que o Gab se ramifique e atraia esquerdistas para que não fiquemos apenas pregando para o coro", escreveu Paul Joseph Watson, editor-geral de Infowars.

Quando perguntei por que o site é de tendência conservadora, Sanduja negou que o Gab tenha um viés ideológico. "Nós contestamos essa premissa completamente --ao contrário, o Gab tem muitos usuários diversificados globalmente", escreveu. (Existe um democrata que discute polidamente sob o título @Democrat, por exemplo.) Mas ele acrescentou que usuários de direita seriam naturalmente atraídos ao Gab. "Quando um grupo de pessoas é sistematicamente desumanizado e rotulado pela sopa de letrinhas de fobias", escreveu ele, "elas vão procurar um lugar que lhes permita falar livremente sem censura e sem bullying de Justiça Social".

Mas esse é o truque, não é? Você não pode vender um destino social onde os conservadores sejam livres de incômodos liberais e esperem que a mensagem repercuta por todo o espectro. Mesmo a ideia de que as regras de assédio são opressivas --em vez de protegerem os vulneráveis-- é em si uma visão de mundo dirigida. Suspeito que qualquer preocupação sobre inclusão será atenuada pelo conforto de conversar com pessoas que pensam e falam igual. É o próximo passo lógico depois que o bloqueio e o silenciamento no Twitter e a filtragem e o não seguimento no Facebook dividiram os EUA em duas realidades de rede social. Onde antes havia uma bolha, hoje há um muro.