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Governo e empresas de internet dos EUA desafiam proposta de privacidade na Europa

Pelas leis europeias, Facebook teria de apagar fotos que o próprio usuário postou caso fosse solicitado. Além disso, rede teria de informar terceiros, que coletaram essa imagem, sobre a remoção do conteúdo  - Thomas Hodel/Reuters
Pelas leis europeias, Facebook teria de apagar fotos que o próprio usuário postou caso fosse solicitado. Além disso, rede teria de informar terceiros, que coletaram essa imagem, sobre a remoção do conteúdo Imagem: Thomas Hodel/Reuters

Do Spiegel Online

24/10/2012 15h48

O governo americano, juntamente com o Google e Facebook, lançou uma ofensiva de lobby contra uma lei de privacidade de dados proposta na UE, que fortaleceria o direito dos usuários de ter informações que eles mesmos postaram apagadas da internet. A questão divide o governo da Alemanha e os defensores de privacidade a consideram insuficiente.

A delegação do governo americano fez no início do mês uma visita ao Comitê de Liberdades Civis, Justiça e Polícias Domésticas do Parlamento Europeu, quando não perdeu tempo com gentilezas. Após invocar brevemente os valores transatlânticos comuns e declarar ser uma grande honra visitar Bruxelas, os representantes americanos entraram imediatamente em modo de ataque. Ao final do encontro, não houve progresso na tentativa de conseguir uma conciliação de seus pontos de vista conflitantes.

A polêmica em resumo

A União Europeia quer estabelecer leis de privacidade de dados mais eficazes e padronizadas.
Entre as propostas, os usuários poderiam apagar da internet os dados que eles mesmos postaram.
O governo dos EUA e grandes empresas de internet consideram essa proposta inaceitável.
Representantes dos EUA alegam que essas leis representariam uma ameaça à segurança.

A fonte do desprazer dos representantes está no plano da União Europeia de estabelecer leis de privacidade de dados mais eficazes e padronizadas por toda a Europa. As autoridades em Washington criticaram os planos apresentados pela Comissão Europeia, considerando-os inaceitáveis. Bruce Swartz, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, alegou que o plano da Comissão dificultaria o combate ao crime e representaria uma ameaça à segurança. Cameron Kerry, do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, alertou que as regulações prejudicariam a economia e custariam empregos.

Chovem críticas desde janeiro, quando Viviane Reding, a comissária de Justiça da UE, apresentou seus planos para novos padrões de privacidade de dados válidos para toda a UE. Enquanto isso, o governo americano tem apoiado de forma intensa os interesses das gigantes de internet americanas, como Facebook e Google.

Após recentes escândalos de privacidade de dados, Viviane está buscando implantar leis mais rígidas e penas mais duras para as violações. A política determinada de Luxemburgo promete, entre outras coisas, que os cidadãos europeus terão o “direito de serem esquecidos” online. No caso dos dados que colocarem pessoalmente online, os usuários teriam o direito de insistir que as empresas que processam essas informações as apaguem quando assim solicitado. Essa proposta, certamente popular entre o público em geral, é apenas uma de uma longa lista de medidas de privacidade de dados que a UE deseja usar para dar aos usuários da internet maior controle sobre seus próprios dados.

Os defensores da privacidade de dados aprovam a proposta de Viviane, mas também há enorme oposição. O governo americano e as empresas que seriam afetadas pela legislação proposta não são os únicos contrários ao documento de quase cem páginas. Até mesmo o governo alemão, geralmente um pioneiro em questões de privacidade de dados, despontou como uma voz de peso contra os planos de Viviane por meio do ministro do Interior, Hans-Peter Friedrich, cujo ministério supervisiona as questões ligadas à proteção de dados.

Mas Ilse Aigner, a ministra dos Alimentos, Agricultura e Proteção do Consumidor e integrante doa União Social Cristã de centro-direita, o partido irmão bávaro da União Democrata Cristã da chanceler Angela Merkel, criticou repetidamente o Facebook e o Google e apoia o plano de Viviane.

Privacidade ou censura?
Se a Comissão Europeia conseguir o que deseja, todos os países membros da UE teriam as mesmas regulações. A comissão deseja aprovar uma regulação em vez de simplesmente emitir uma diretriz, eliminando assim a capacidade dos legisladores de criar exceções na esfera nacional.

A atual colcha de retalhos de leis europeias de privacidade de dados apresenta muitas oportunidades para as empresas. O Facebook, por exemplo, opera seus negócios europeus da Irlanda, onde os padrões de privacidade de dados são frouxos, se comparados a outros países.

Segundo Viviane, a harmonização desses padrões beneficiaria não apenas os consumidores, mas também as empresas, que desfrutariam de certeza legal e operariam sob as mesmas condições de mercado. Mas esse argumento não surtiu efeito, especialmente entre as empresas de internet baseadas nos Estados Unidos.

Mal o plano proposto se tornou público e Peter Fleischer, o advogado de privacidade global do Google, comentou em um blog que o “direito de ser esquecido” e o direito de exigir que informação seja apagada refletem uma tendência atual, a de que a proteção de dados e de direitos pessoais seja cada vez mais usada como justificativa para censura online.

As empresas que se opõem ao novo plano contam com bastante apoio, especialmente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, que está exercendo pressão em Bruxelas. Uma carta enviada em setembro pelos lobistas à autoridade responsável pelo assunto no Parlamento Europeu pode ser vista como uma rejeição geral à proposta.

O que incomoda esses lobistas em especial é o plano que proíbe categoricamente o processamento de dados por autoridades e empresas na Europa a menos que os cidadãos, clientes ou usuários em questão concedam sua aprovação explícita. A Comissão deseja fortalecer a obrigação do uso da chamada autorização “opt-in”, pela qual o usuário concede ativamente autorização com um clique do mouse. Um aviso em letras miúdas reconhecendo o direito do cliente de recusar a aprovação não mais seria suficiente. As empresas temem que isso resulte em uma queda considerável no número de usuários de muitos serviços. Isso também tornaria consideravelmente mais difícil a propaganda personalizada, uma área em que muitos provedores esperam ver grande crescimento de vendas.

“Para as empresas, não se trata de liberdade de expressão, mas sim de um confronto econômico brutal”, diz Jan Philipp Albrecht, um membro do Parlamento Europeu e o especialista do Partido Verde alemão em questões de proteção de dados. “O domínio da internet pelas empresas americanas está especialmente em risco.”

Longe demais?
As empresas não são as únicas críticas do proposto “direito de ser esquecido” e do “direito de apagar”. Os defensores de privacidade de dados também acreditam que as duas páginas que o plano de Viviane dedica ao assunto não vão longe o bastante.

O Facebook, por exemplo, seria obrigado a atender ao pedido de um usuário para apagar fotos que ele ou ela postou no site, assim como realizar todas as “medidas razoáveis” para informar terceiros, que obtiveram aquela foto por meio das páginas do Facebook, que o usuário pediu para que a imagem fosse apagada. Mas, diferente do que alegam alguns lobistas corporativos, a empresa não seria responsável por assegurar que esses terceiros cumpram o pedido para que ela seja apagada. De fato, a legislação proposta está cheia dessas ressalvas e exceções.

A ministra alemã da Proteção do Consumidor, Ilse Aigner, chama as críticas feitas pelas empresas como “cenários de horror”. “O argumento de que uma maior proteção de dados ameaça o crescimento e os empregos me parece fomentação do medo”, ela diz. “Precisamos de regras confiáveis que as empresas de fora da UE também sejam obrigadas a seguir. Não deve haver mais brechas para empresas globais como Apple, Google e Facebook, e nenhuma desculpa.” A proposta de Reding oferece uma “oportunidade importante”, acrescenta Aigner, para harmonizar a proteção de dados por toda a Europa em um nível elevado.

Mas Friedrich, o ministro do Interior alemão, vê as coisas de modo diferente. Após uma reunião com o Facebook no ano passado, Friedrich declarou seu apoio a simplesmente deixar os provedores se autorregularem. Ele se queixou para pessoas próximas, dizendo achar que a Comissão Europeia está apenas interessada em expandir seu próprio poder.

O Ministério do Interior alemão não deseja que a regulação proposta pela UE se aplique ao processamento de dados realizado pelas agências do governo e autoridades. O ministério acredita que a atual lei alemã oferece um excelente modelo para isso.

Na opinião de Friedrich, as regulações propostas pela UE para o setor privado também vão longe demais, particularmente a obrigação de pedir explicitamente a autorização dos usuários. Cornelia Rogall-Grothe, a secretária de Estado do Ministério do Interior, alertou em um evento recente sobre o “risco de exagerarmos em nossos esforços para estabelecer uma boa proteção de dados”.

Alguns críticos suspeitam que o Ministério do Interior esteja usando a discussão de reformas na UE como uma chance para afrouxar as regulações nacionais de privacidade de dados para beneficiar as empresas. “A diferenciação entre processamento de dados público e privado oferece um risco de retrocesso em termos do que exigimos das empresas”, diz Spiros Simitis, um conhecido especialista legal alemão em privacidade de dados.