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Tecnologia NFC permite deixar carteira em casa e sair só com o celular; veja testes feitos na Itália

Aplicativo mostra bilhetes que pagam transporte em Milão; um deles ganhou o carimbo de ""usado""  - Roseli Andrion/UOL
Aplicativo mostra bilhetes que pagam transporte em Milão; um deles ganhou o carimbo de ''usado'' Imagem: Roseli Andrion/UOL

Roseli Andrion

Do UOL, em Milão (Itália)

29/10/2012 06h02

O desafio de andar por aí sem carteira deixou de ser um desafio -- pelo menos em Milão, onde tudo o que se precisa é um celular. Foi o que concluiu a reportagem ao sair pela cidade com um telefone que usa tecnologia NFC (near field communication, sistema de comunicação entre aparelhos por proximidade): com ele, conseguimos pagar passagem no transporte público e fazer (pequenas) compras. O modelo de testes, um Galaxy Mini 2, foi emprestado pela organização do NFC and Mobile Money Summit, evento realizado em Milão na semana passada para discutir essa tecnologia do “dinheiro móvel”. 

No Brasil já existem aparelhos com essa tecnologia e também iniciativas para viabilizar esse tipo de pagamento. No entanto, ainda não dá para deixar a carteira em casa, contando apenas com o celular, como na cidade italiana.

Nos testes em Milão, o aplicativo que fez o celular virar carteira foi o TIM Wallet (sim, a mesma operadora do Brasil, mas que na Itália está um pouco mais adiantada). Nele, quatro “cartões”: um para o transporte (com dois bilhetes de 24h para serem usados em ônibus, metrô, bonde e trem), um para compras em lojas (com 15 euros, cerca de R$ 40), um para uso em máquinas e outro para acesso interativo ao museu de Ciência e Tecnologia. Um mapa dentro do próprio aplicativo mostra os locais onde o pagamento via NFC é aceito.

Dá um certo medo de sair por aí sem dinheiro. E se eu tiver de voltar a pé para o hotel, por exemplo? Essa dúvida foi sanada logo de cara: o primeiro teste foi no bonde, onde eu timidamente encostei o celular no leitor eletrônico de cartões. O apito da máquina, a luz verde acesa e o “Buon viaggio” no visor me deram a certeza de que estava tudo bem. Olhei para os lados, mas ninguém pareceu se importar com a minha façanha -- como se fosse absolutamente normal pagar o transporte com o celular.

Desci do bonde e me dirigi ao metrô, agora com a certeza de que tudo daria certo. Nem liguei quando encostei o aparelho no leitor e a catraca se abriu, mas confesso que havia um desejo secreto de que alguém me perguntasse como eu fiz aquilo. 

No centro de Milão, resolvi parar para um cappuccino. Especialidade italiana. Dei uma olhada no mapa dentro do aplicativo e optei pela sorveteria Viel. Tive um certo receio de, na hora do pagamento, algum problema me impedir de usar o telefone. Mesmo assim, saboreei o café. Cheguei ao caixa para pagar e mostrei o telefone. Houve uma hesitação inicial da atendente, mas ela logo se lembrou do novo serviço.

Fazer o pagamento foi um pouco mais trabalhoso do que usar os tíquetes de transporte. Foi preciso abrir o aplicativo e, dentro dele, encontrar o cartão pré-pago – aquele com cerca de R$ 40. Daí, bastou encostar o celular no leitor e os 4,70 euros (cerca de R$ 13) foram debitados.

  • Esse contato entre os aparelhos permite livraria identificar cupons de desconto do cliente

Fui, então, para a livraria Hoepli. Eu ainda tinha 10,30 euros (quase R$ 27) e pensei em comprar um livro. Na Hoepli, porém, o pagamento não podia ser feito com o telefone: a atendente explicou que eles ofereciam cupons de desconto via NFC, mas ainda não aceitavam pagamentos. Pedi, então, que ela verificasse se meus cupons estavam disponíveis. Ela encostou o celular em um outro, exatamente igual ao que eu usava para o teste, e o aparelho indicou que eu tinha quatro cupons de desconto para a livraria – para usar quando comprasse algo com outra forma de pagamento, que não o celular.

Como eu queria mesmo gastar o que me restava de crédito, fui para a loja da Ferrari. Descobri (ou talvez tenha só confirmado), com tristeza, que meus 10,30 euros não comprariam nada ali. Havia a tecnologia NFC disponível na loja, mas um simples chaveiro custava três vezes mais do que eu tinha disponível. Optei, então, por outra livraria, a La Feltrinelli. Na área de livros em inglês, escolhi o “Committed”, da Elizabeth Gilbert (a mesma autora de “Comer, rezar, amar”), que custava 8 euros (cerca de R$ 21).

Fui até o caixa e vi duas amigas pagando com o mesmo celular que eu estava usando - confesso que senti um alívio. Talvez pela falta de intimidade com a tecnologia, dava uma certa ansiedade nos momentos de pagamento. Chegou a minha vez, abri o aplicativo, encostei o celular no leitor e, voilà, livro pago. Ainda me restavam 2,30 euros (cerca de R$ 6) e achei que poderia gastá-los na vending machine disponível no Milano Congressi, o centro de convenções da cidade.

Voltei para o metrô, encostei o celular na catraca, desci do metrô, encostei o celular na catraca novamente, subi no bonde, encostei o celular no leitor. No Milano Congressi, descobri que a vending machine funcionava, mas não fazia o débito dos créditos disponíveis no celular. Uma pena: sabe quando você tem uns trocados e quer gastá-los de qualquer jeito? Era essa a sensação.

Já existem em testes opções de aluguel de bicicletas e carros, além de pôsteres inteligentes que vão facilitar muito as compras em supermercados, por exemplo. Diferentemente dos transportes públicos e de algumas lojas em Milão, porém, ainda não há testes comerciais dessas modalidades. O conceito é o mesmo e já provou ser factível, mas há ajustes finos a serem feitos.

A experiência foi bem interessante. Principalmente considerando que o sistema de transporte milanês é antigo e, mesmo assim, tudo funciona perfeitamente até mesmo nos velhos bondes. Já na volta para o Milano Congressi, desliguei o celular por um tempo e me esqueci de ligá-lo novamente. Mesmo assim, o leitor foi capaz de identificar o aparelho e o cartão de transporte dentro dele – ou seja: mesmo se o telefone ficar sem bateria, você conseguirá voltar para casa.

Milão é apenas uma das cidades europeias que tem um teste desse tipo em funcionamento. Londres, Barcelona e algumas cidades francesas, por exemplo, também aceitam pagamento via celular em seus meios de transporte. A adesão ainda não é massiva, até por não haver por enquanto um grande número de aparelhos equipados com NFC.

Como a política de contratos de celular na Europa normalmente prevê que o cliente tenha direito a um upgrade gratuito ao fim do período, a quantidade de usuários com aparelhos com NFC deve crescer muito nos próximos meses em muitos países europeus. E aí, sair sem carteira será tão fácil em várias cidades como já é em Milão.

  • No aplicativo, os cartões são exibidos como se estivessem em uma carteira (física, não virtual)