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Marco Civil prevê guarda local de dados; medida pode dificultar espionagem

Do UOL, em São Paulo

05/11/2013 09h00Atualizada em 14/11/2013 11h53

A Câmara do Deputados deve discutir nesta terça-feira (5) questões chave para a votação do Marco Civil da Internet, espécie de “Constituição” com direitos e deveres de internautas e empresas.  Entre os vários pontos polêmicos em debate, está o da guarda de dados no Brasil por empresas de internet que lidam com dados de usuários locais.

O governo acredita que isso pode dificultar a espionagem online, mas a medida é criticada pelas companhias – elas afirmam não ser possível cumpri-la por questões econômicas e infraestruturais.

O Marco Civil da internet está sendo debatido há anos no Congresso e, no ano passado, chegou a entrar na pauta do plenário da Câmara, mas acabou tendo sua votação adiada diversas vezes.

Após a revelação de um esquema de espionagem eletrônica feita pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos), a presidente Dilma Rousseff pediu “urgência constitucional” para a tramitação do projeto. Nele, foi incluída a questão da localização de dados. 

A proposta obriga a guarda de dados de cidadãos brasileiros ou de atividades executadas aqui em data centers (grandes centros de armazenamento digital) instalados em solo nacional.

Ainda não há um texto final sobre essa medida no projeto e, mesmo que ela seja incluída no Marco Civil, necessitaria posteriormente de um decreto para ser regulamentada. Isso porque seria preciso definir quais empresas precisam atender à medida, além dos tipos de dados sujeitos à guarda.

A favor da medida
No entendimento do relator da proposta do Marco Civil da Internet, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), isso ajudaria a impedir o acesso externo (fora do país) aos dados de internautas brasileiros, embora não vá garantir totalmente a segurança dos dados. 

A exigência da instalação de centros de dados dentro do país seria uma forma de submeter as empresas internacionais à legislação nacional. Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, Molon disse que essa é uma “resposta econômica” às grandes empresas de internet, que se negam a colaborar com investigações no Brasil alegando que os dados estão “em data centers em outros países”. Outro ponto é a descentralização do tráfego de navegação, que deixaria de passar "sempre" pelas redes norte-americanas.

“A legislação brasileira tem de se aplicar para a proteção de dados de brasileiros que contratam esses serviços no Brasil e que estão tendo a sua privacidade violada, inclusive por empresas que exploram economicamente a sua atividade no país”, afirmou Molon.

“Depois em algum momento dizem: ‘Não, nós não somos obrigados a seguir a legislação brasileira porque nós armazenamos esses dados em outro país. E, portanto, para a proteção desses dados, nós seguimos a legislação de outro país’. Isso não é admissível. Quem está no Brasil para explorar qualquer atividade econômica é bem-vindo, é lícito, mas deve respeitar a legislação brasileira de proteção aos cidadãos brasileiros”, completou.

Contra a medida
O Marco Civil pode afetar a forma como Google, Facebook, Twitter e outros gigantes da internet operam no país, um dos maiores mercados globais das telecomunicações.

Em carta aberta, a Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação) afirmou que a exigência de localização de dados poderia estimular movimentos e políticas reativos em outros países, afetando as exportações de serviços e de tecnologias a partir do Brasil.

"Em movimento inverso, pode-se estimular a mudança dos data centers aqui instalados, ou pelo menos de parte deles, para outros países, em possível prejuízo à arrecadação tributária e à criação de postos de trabalho", avaliou na carta.

A Brasscom recomendou que o governo brasileiro abordasse “sem precipitações” a questão da segurança de dados, evitando enquadrá-la no Marco Civil da Internet.

A entidade considera que a melhor forma de garantir a segurança da rede é com uma boa arquitetura de sistemas, além de medidas e mecanismos de segurança. Também considera que a obrigação de guarda de dados em território nacional não é necessariamente uma medida que possa garantir essa segurança.

Em encontro em julho deste ano com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, executivos do Google se mostraram “preocupados” com a possibilidade da medida da localização da dados no Brasil ser aprovada via Marco Civil da Internet.

O ministro teria argumentado, para estimular a empresa a fazer o investimento, que o Google é a segunda empresa em receita publicitária no Brasil. Levando isso em consideração, afirmou o ministro, ficaria "difícil acreditar" que venha reclamar deste tipo de gasto. No entanto, ainda segundo Paulo Bernardo, o Google teria afirmado que o problema não era “só a questão financeira, mas também de arquitetura da rede".

Veja abaixo alguns dos principais pontos do Marco Civil da Internet:

  • Arte/UOL

- O que é o Marco Civil?
Projeto de lei que estabelece "princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil". As determinações do projeto dizem respeito aos usuários de internet, os provedores de conexão, provadores de conteúdo e o governo.

- Quais são dos direitos e garantias estabelecidos pelo Marco Civil?
Os destaques do projeto são: o direito à privacidade, o sigilo das comunicações (salvo em casos de ordem judicial), direito a não suspensão da conexão, a manutenção da qualidade contratada da conexão e informações claras e completas sobre coleta, uso, tratamento e proteção de dados pessoais.

- Quais os objetivos do Marco Civil?
Um dos principais motivos da criação do projeto de lei é a insegurança jurídica, que acaba gerando “decisões inconsistentes”, segundo o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça no judiciário. Um exemplo foi o caso da modelo Daniela Cicarelli. Após processar o site YouTube, pelo fato de usuários terem postado um vídeo íntimo da modelo, um juiz havia determinado que o site de vídeos fosse bloqueado no país.

- Quem participou da elaboração do projeto?
A iniciativa para a criação do projeto começou em outubro de 2009 e partiu da Secretaria de Assuntos Legislativos da Justiça (SAL/MJ) e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. O projeto ao longo dos anos recebeu contribuições da sociedade civil, parlamentares e representantes de empresas.

- O que o Marco Civil estabelece em relação à remoção de conteúdo da internet?
Segundo o marco, os provedores de conexão à internet não serão civilmente responsáveis por danos relacionados ao conteúdo gerado por terceiros (essas empresas não responderão na Justiça pelo conteúdo publicado por seus usuários). Isso só acontecerá caso, após ordem judicial, a empresa não tomar as providências para tornar o conteúdo indisponível. Atualmente, a remoção pode ser feita de forma extrajudicial, quando o usuário faz uma reclamação ao provedor via e-mail, por exemplo.

- O que o Marco Civil estabelece quanto à privacidade digital?
O marco assegura ao internauta o direito ao sigilo de suas comunicações via internet (salvo por ordem judicial); informações claras e completas dos contratos de prestação de serviço; não fornecimento a terceiros de seus registros de conexão e acesso; informações claras e completas sobre a coleta, uso, tratamento e proteção de dados pessoais; garantia de direito à privacidade e à liberdade de expressão.

Os provedores determina que os registros de conexão (data e hora de início e término da conexão, duração e endereço IP) e de acesso a aplicações de internet (caso do Facebook e Gmail, por exemplo) atendam à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

O provedor responsável pela guarda somente precisará disponibilizar os registros mediante ordem judicial. Esses dados de conexão devem ser mantidos sob sigilo, em ambiente seguro, pelo prazo de um ano. No caso de aplicações de internet, a guarda dos registros de acesso é opcional (uma ordem judicial pode obrigar essa guarda, desde que se tratem de registros relativos a fatos específicos em período determinado).

Após a revelação de casos de espionagem dos Estados Unidos, o governo brasileiro acrescentou ao projeto a exigência de que as informações guardadas por empresas internacionais que atuam no Brasil deve ocorrer em servidores de dados em solo nacional.

- O que o Marco Civil estabelece sobre a neutralidade da rede?
Esse item propõe que o responsável pela transmissão do conteúdo deve tratar de forma igual quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino. Essa área envolve dois setores: as empresas de telecomunicações (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT, entre outros), que fornecem conexão à internet, e provedores de acesso (como UOL, Terra, IG e Globo).

As teles reivindicam o direito de vender pacotes fechados de internet, como planos para celular que limitam acesso a redes sociais e sites pré-determinados. Já os provedores acreditam que a internet deve ser completamente neutra e que a escolha de planos com conteúdos fechados limita a liberdade de o usuário conhecer novos sites, além de impedir que outras empresas de conteúdo digital ganhem espaço no mercado.

O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto, defende que o texto sobre a neutralidade da rede seja mantido na íntegra. "As companhias de telefonia pretendem cobrar mais caro, dependendo de onde vem a informação ou do tipo de dado que a gente acessa. Se for voz, querem cobrar um preço; se for música, outro; se for vídeo, outro e assim por diante", disse à "Agência Câmara".

(Com agências)