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Câmara adia Marco Civil da Internet e decide não votar nada nesta semana

Em reunião realizada na tarde desta terça, líderes de partidos decidiram não votar Marco Civil nesta semana  - Laycer Tomaz/Agência Câmara
Em reunião realizada na tarde desta terça, líderes de partidos decidiram não votar Marco Civil nesta semana Imagem: Laycer Tomaz/Agência Câmara

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

12/11/2013 17h00

Após reunião na tarde desta terça-feira (12), líderes dos partidos na Câmara informaram que não vão votar nada nesta semana por conta de um compromisso assumido com o Palácio do Planalto de se chegar antes a um consenso do piso dos agentes comunitários de saúde. Com isso, a votação do Marco Civil e dos destaques do Código de Processo Civil devem ficar para a próxima semana.

O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), afirmou que da semana que vem não deve passar: "Agora ou vota ou vota".

O líder do governo na Câmara, Arlingo Chinaglia (PT-SP), disse que o adiamento das votações foi uma decisão política. Segundo ele, aguardar o consenso sobre o piso dos agentes foi um compromisso assumido por alguns líderes e por Alves, presidente da Casa.

A votação do piso dos agentes é um dos itens da chamada "pauta-bomba" na Câmara, porque pode implicar em gastos indesejados para o governo. 

Líderes da oposição criticaram a decisão da Câmara de adiar a votação.  O deputado Mendonça Filho (PE), líder interino do DEM, falou que o Marco Civil já está pronto para ser votado e que o que existe é uma "briga política". O líder do PSDB, deputado Carlos Sampaio (SP), disse que tem alguns pontos que precisam ser ajustados no texto, e que a ideia é chegar a um consenso.

Considerado uma espécie de "Constituição" da internet, o projeto de lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no Brasil. Já a neutralidade defende tratamento igualitário de todo o tráfego de internet por parte das operadoras de internet fixa e móvel. Na prática, isso impediria que essas empresas vendessem pacotes limitados (como acesso restrito a redes sociais).

Alterações técnicas
Pela manhã, José Eduardo Cardozo (ministro da Justiça) e Ideli Salvatti (ministra das Relações Institucionais) se reuniram na Câmara dos Deputados com líderes da base aliada para discutir os impasses do Marco Civil. Cardozo disse que o governo aceitará fazer modificações na redação do projeto de lei, sem que isso prejudique questões caras ao Planalto, como a neutralidade.

"A questão da neutralidade tem tido uma grande discussão com alguns segmentos da base. O governo a defende, mantém a sua posição, mas acredito que é possível superar alguns entraves com alguma questão redacional, sem que abramos mão de alguns princípios que são próprios para garantia da isonomia."

PMDB afirma apoiar neutralidade, mas não como está no marco civil

Diante dessa possibilidade, o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), disse que discute apenas "fatos" e não "tese", referindo-se à promessa de o governo ajustar o texto. "Eu discuto fato. Fato é o que vier me propor por escrito. Se o que estiver escrito refletir aquilo que a minha bancada se posicionou, terá o nosso apoio. Senão, não."

Ele voltou a bater na tecla que o texto atual do Marco Civil encarecerá o serviço para o usuário. "Com relação ao que o relator propôs, ele está interferindo na atividade econômica, está interferindo com os usuários, fazendo com que os usuários, ao fim, paguem mais caro na utilização da internet. O PMDB é contrário a isso."

Cardozo afirmou estar "animado" com a perspectiva de acordo. "Eu saio animado com a possibilidade de chegarmos a um bom resultado em que a neutralidade, evidentemente, ficará assegurada, mas atendendo a situações estritamente técnicas que possam dar maior clareza ao texto."

Regime de urgência
O Marco Civil tramita em regime de urgência após pedido da presidente Dilma Rousseff em resposta às denúncias de espionagem por parte dos Estados Unidos. Por conta disso, o projeto tranca desde 28 de outubro a pauta das sessões ordinárias e nada poderá ser votado antes dele.

No entanto, ao mesmo tempo em que o governo se articula para conseguir aprová-lo, há outro ponto preocupando o Executivo: a aprovação do piso nacional para agentes comunitários de saúde. Por conta do impacto que o piso teria no Orçamento da União, o governo quer antes conseguir um consenso sobre essa questão para só, então, votar o Marco Civil e, assim, liberar a pauta.

Relator do marco civil da internet defende neutralidade 

Neutralidade
As empresas de telecomunicações (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT) não são a favor da neutralidade e reivindicam o direito de vender pacotes fechados. Já os provedores acreditam que a internet deve ser neutra e que planos fechados limitam a liberdade de o usuário conhecer novos sites, além de impedir que outras empresas de conteúdo digital ganhem espaço no mercado.

Na discussão sobre o Marco Civil, o governo defende a neutralidade. "Não cogito abrir qualquer brecha na garantia da neutralidade da rede. Esse, que é o coração do projeto, não pode ser violado e nós vamos lutar por ele até o fim", afirmou o deputado e relator do projeto, Alessandro Molon (PT-RJ).

Segundo ele, aprovar o Marco Civil sem a neutralidade seria "preconceito contra pobre". Isso porque, explicou, ao oferecer planos limitados (apenas para enviar e receber e-mails, por exemplo), as empresas não forneceriam uma experiência completa aos usuários.

Do outro lado está o PMDB, que prevê o encarecimento do acesso à internet no Brasil. "Se for necessário oferecer uma infraestrutura igual para todo mundo, de forma ilimitada, tenho de oferecer a maior. Não tem almoço de graça [...]. Alguém vai pagar a conta e óbvio que isso aumenta o custo para o usuário", disse o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB na Câmara. Molon negou que a aprovação da neutralidade encareceria o acesso.


Veja abaixo perguntas e respostas que explicam o Marco Civil

- O que é o Marco Civil?
Projeto de lei que estabelece "princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil". As determinações do projeto dizem respeito aos usuários de internet, os provedores de conexão, provadores de conteúdo e o governo.

- Quais são dos direitos e garantias estabelecidos pelo Marco Civil?
Os destaques do projeto são: o direito à privacidade, o sigilo das comunicações, o direito à não suspensão da conexão, a manutenção da qualidade contratada da conexão e informações claras e completas sobre coleta, uso, tratamento e proteção de dados pessoais.

- Quais os objetivos do Marco Civil?
Um dos principais motivos da criação do projeto de lei é a insegurança jurídica, que acaba gerando “decisões inconsistentes”. Um exemplo foi o caso da modelo Daniela Cicarelli. Após processar o site YouTube, pelo fato de usuários terem postado um vídeo íntimo da modelo, um juiz determinou que o site de vídeos fosse bloqueado no país.

- Quem participou da elaboração do projeto?
A iniciativa para a criação do projeto começou em outubro de 2009 e partiu da Secretaria de Assuntos Legislativos da Justiça (SAL/MJ) e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. O projeto ao longo dos anos recebeu contribuições da sociedade civil, parlamentares e representantes de empresas. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) é relator do projeto.

- O que o Marco Civil estabelece sobre a neutralidade da rede? 
Esse item propõe que o responsável pela transmissão do conteúdo deve tratar de forma igual quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino. Essa área envolve dois setores: as empresas de telecomunicações (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT, entre outros), que fornecem conexão à internet, e provedores de acesso (como UOL, Terra, IG e Globo).

As teles reivindicam o direito de vender pacotes fechados de internet, como planos para celular que limitam acesso a redes sociais ou sites pré-determinados. Já os provedores acreditam que a internet deve ser neutra e que a escolha de planos com conteúdos fechados limita a liberdade de o usuário conhecer novos sites, além de impedir que outras empresas de conteúdo digital ganhem espaço no mercado.

- O que o Marco Civil estabelece em relação à remoção de conteúdo da internet?
O conteúdo publicado na rede envolvendo questões de direitos autorais poderá ser tirado do ar após uma simples notificação - sem a necessidade de decisão judicial.

- O que o Marco Civil estabelece em relação a conteúdo ofensivo?
Os provedores só terão de remover conteúdo mediante ordem judicial. O provedor de conexão não será responsabilizado civilmente por essas ações. Mas isso pode acontecer com o provedor de aplicações, caso não sejam tomadas providências após “ordem judicial específica” para tornar indisponível o conteúdo. O texto diz que o marco visa “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”.

Deputado mostra apoio em forma de literatura de cordel

- O que o Marco Civil estabelece quanto à privacidade?
O Marco Civil assegura ao internauta o direito de inviolabilidade da intimidade e vida privada, além da inviolabilidade e sigilo do fluxo e de suas comunicações pela internet (salvo por ordem judicial).

Os prestadores de serviços não podem fornecer dados pessoais e de registros a terceiros - a não ser que haja consentimento para isso.  As companhias também precisam informar de forma “clara e completa” sobre a coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção desses dados. Ao término da relação entre as partes, o usuário pode requerer a exclusão definitiva das informações fornecidas a aplicação de internet.

- O que o Marco Civil estabelece quanto ao registro de dados?
Os provedores de conexão devem manter os registros (data e hora de início e término da conexão, duração e endereço IP) sob sigilo, em ambiente controlado de segurança, por um ano. Já os provedores de aplicações de internet (caso do Facebook e Gmail, por exemplo) podem optar por não guardar esses registros – uma ordem judicial, no entanto, pode obrigá-los a fazer o armazenamento por “tempo certo”.

As operações de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de dados (registros, dados pessoais ou comunicações) devem ter pelo menos um desses atos realizado em território nacional. Dessa forma, precisa respeitar a legislação brasileira. O Poder Executivo, por meio de decreto, pode ainda obrigar provedores de conexão e aplicações de instalarem ou utilizarem em território nacional suas estruturas para armazenamento, gerenciamento e disseminação de dados.