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Falta de regulamentação diferencia bitcoin do dinheiro tradicional; entenda

Flávio Carneiro

Do UOL, em São Paulo

14/03/2014 06h00

O modelo econômico tradicional é fruto de uma combinação da iniciativa privada com os governos. Esse sistema utiliza algumas ferramentas, como leis, para garantir sua legitimidade e solidez. A interferência do Estado e dos bancos no mercado motivou, entre outras coisas, a criação da moeda digital bitcoin. Ela é desregulamentada, ou seja, não obedece a nenhum órgão  ou legislação. Isso faz com que tenha diferenças fundamentais em relação ao dinheiro comum.

A falta de regulamentação exclui do mercado de bitcoins algumas características que dão solidez ao mercado tradicional. As principais ausências são o curso forçado da moeda (que contribui para a aceitação do dinheiro), a manutenção da reserva de valor, a fiscalização do mercado e a centralização das informações. Entenda essas diferenças. 

Curso forçado da moeda

A principal característica que confere validade a uma moeda é sua aceitação coletiva. Para que isso aconteça, o governo pode utilizar a lei de curso forçado, que obriga o mercado daquele país a aceitar determinada moeda. No entanto, para que seja forte, ela precisa passar confiança, e não somente estar prevista em lei. Isso faz, por exemplo, com que o dólar seja negociado em muito mais lugares pelo mundo do que o real.

O bitcoin ainda é aceito somente em pouquíssimos lugares, impedindo que a moeda exerça seu papel fundamental, que é o de realizar transações. Segundo o economista Samy Dana, essa é principal fragilidade da moeda virtual. “A maioria das pessoas compra bitcoins para revendê-los e lucrar dentro do universo da própria moeda. Ou seja, ela serve apenas para especulação e isso diminui sua força como dinheiro”, explicou.

Reserva de valor

Quando a reserva de valor de uma moeda é estável, a depreciação é pequena e o mercado entende que pode confiar naquele dinheiro. Assim, um número maior de transações ocorre com ele. No mercado tradicional, o que deprecia uma moeda é a inflação e a relação com outras moedas (isso é chamado de fluxo cambial).

No mundo dessa moeda digital, o caráter especulativo, citado anteriormente, faz com que o preço de 1 bitcoin em relação ao dólar varie bruscamente. Enquanto no mundo tradicional o dólar acumulou alta de 15,1% em relação ao real no ano passado, o bitcoin aumentou de preço em 5.000% no mesmo período em comparação com o dinheiro norte-americano.

Além das escaladas meteóricas, os bitcoins também caem repentinamente. De um dia para o outro, ele chegou a perder cerca de 50% do seu valor. Em dezembro do ano passado, quando a China proibiu que os bancos aceitassem a moeda, o valor caiu de US$ 1.151 para US$ 576. Depois, voltou a subir.

Essa oscilação prejudica a adesão de novos usuários e diminui a chance de que mais estabelecimentos aceitem a moeda como forma de pagamento.

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A falta de serviços “reais” que aceitam a moeda a mantém praticamente restrita ao mundo digital e especulativo. Já as variações bruscas, provocadas pela especulação, podem assustar as lojas físicas que gostariam de aceitar pagamentos nessa moeda, formando um círculo vicioso.

Para o economista Fernando Ulrich, escritor do livro “Bitcoin – a moeda na era digital”, a volatilidade dessa opção vai diminuir conforme novos usuários aderirem. "O que faz o bitcoin variar de preço é sua baixa liquidez, ou seja, poucas pessoas utilizando. Quando mais gente estiver comprando e vendendo, o mercado será mais estável, pois será preciso um número alto de transações para alterar o preço. Isso é semelhante ao que acontece com ações de grandes empresas”, disse.

Fiscalização de mercado

Em uma Bolsa de Valores convencional, as transações são fiscalizadas e regulamentadas por órgãos do governo e consultorias independentes. Ao comprar uma ação na Bolsa de São Paulo, por exemplo, a transação é analisada pelo órgão do governo CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Isso ajuda a evitar fraudes.

Já nas Bolsas digitais de bitcoins não há fiscalização, conforme explica Ricardo Rochman, professor de economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas). “A falta de regulamentação nesse tipo de Bolsa propicia que um usuário finja vender moedas para outro, somente com objetivo de movimentar o mercado e aumentar ou diminuir o valor da cotação”, contou.

O economista Samy Dana afirma ainda que os governos e outras instituições ajudam a impedir que as Bolsas tradicionais quebrem, o que não ocorre no ambiente digital. “A Bolsa é monitorada e, quando há algo muito errado, diversos órgãos atuam para impedir o pior. Quando não existe regulação, a Bolsa fica vulnerável”, disse.

Recentemente, uma das maiores Bolsa de bitcoins fechou as portas e deixou os usuários na mão. A japonesa Mt. Gox afirmou ter sofrido um furto no valor de US$ 475 milhões em bitcoins e pediu concordata

Centralização de informações

O modelo tradicional de mercado permite que uma instituição ou pessoa processe denuncie alguém em caso de fraude financeira, por exemplo. Mas isso só é possível porque existe uma transparência mínima sobre quem participou das transações.

Já no mundo dos bitcoins, isso fica mais difícil. Por causa da falta de regulamentação, não há ninguém vigiando o mercado de uma forma geral e os usuários atuam sob anonimato. Com isso, possíveis fraudes ou roubos são muito mais difíceis de serem punidos.

Para criar uma carteira de bitcoins é preciso fornecer somente um endereço de e-mail. E mesmo essa caixa postal eletrônico pode não ser necessariamente da própria pessoa que vai comprar e vender a moeda digital.

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