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Especialistas apontam pontos falhos no Marco Civil em audiência no Senado

Do UOL, em São Paulo

15/04/2014 16h51

O Senado realizou nesta terça-feira (15) uma audiência pública para discussão do Marco Civil da Internet, espécie de "Constituição" com os direitos e deveres dos internautas e das empresas ligadas à internet. Especialistas apontaram pontos fracos do projeto, além das possíveis melhorias que ele poderá trazer para usuários e companhias.

O projeto, aprovado em março pela Câmara dos Deputados, está em discussão  no Senado nas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).

A terceira audiência pública para discussão do projeto ficou marcada para a próxima terça-feira (22). O texto aprovado pela Câmara pode ser acessado aqui.

Guarda de dados

Renato Opice Blum, advogado especializado em direito eletrônico, criticou o prazo de seis meses para que provedores mantenham esses dados armazenados. Segundo ele, seria necessário que o prazo fosse estendido para um ano ou mais.

“É preciso lembrar que o Código Civil estabelece que o cidadão tenha o prazo de três anos para ingressar com uma ação judicial, portanto, o prazo de guarda de registros teria de acompanhar essa garantia.”

Ainda de acordo com o advogado, é problemático não obrigar a guarda desses dados também por provedores que não são pessoas jurídicas, mas exercem atividades com fins econômicos. No caso de crimes contra a honra, explica, os atos poderiam ficar impunes, já que não haveria como comprovar quem foi autor do ato.

Outro especialista em direito digital, no entanto, considera que essa exigência da guarda de dados nem deveria estar no Marco Civil. “A União Europeia decidiu que o modelo de retenção de dados é ilegal, porque ele não resguarda a privacidade”, exemplificou Marcel Leonardi, diretor de políticas públicas do Google no Brasil.

Retirada de conteúdo

A retirada extrajudicial de conteúdos, prevista pelo Marco Civil apenas nos casos de infração de direitos autorais e de vazamento de cenas íntimas, pode ser avaliada como inconstitucional, afirma Opice Blum, por não tratar todos com isonomia. “Para cada pessoa, a importância da retirada de conteúdo muda”, disse o advogado, frisando que todos cidadãos deveriam ter a mesma garantia.   

Já Leonardi acredita que o Marco Civil acerta quando determina que a remoção de conteúdo ocorra apenas mediante ordem judicial, com exceção aos dois regimes especiais (cenas íntimas e de conteúdos infratores de direitos autorais).

“A regra geral é a liberdade de expressão. Ou seja, o provedor só será responsabilizado se, uma vez notificado, não retirar o conteúdo. E a avaliação desse conteúdo é da competência do Judiciário”, disse Leonardi.

Lacunas e privacidade

Opice Blum disse ainda que falta incluir o conceito de neutralidade de conteúdo (usuário tem o direito de buscar por um conteúdo e recebê-lo sem interferência dos provedores) e a previsão de recorrência do conteúdo que já foi removido anteriormente (ficaria a cargo do provedor, não do usuário, monitorar se um vídeo íntimo, por exemplo, voltou a ser publicado).

O jornalista Renato Cruz, colunista do Estado de S. Paulo, chamou a atenção para o artigo 10, que trata dos dados cadastrais fornecidos pelos usuários às empresas de conexão ou aplicação. Segundo o texto, “autoridades administrativas que detenham competência legal” podem requisitar esses dados, uma redação que é “muito vaga” sobre quais órgãos teriam esse acesso, diz Cruz, e que daria abertura para “o governo tornar-se uma máquina de espionagem”.

Consumidor x operadoras
Para Veridiana Alimonti, advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), o princípio de neutralidade da rede deve ser mantido como no projeto aprovado na Câmara. “O consumidor deve acessar o que quiser. Não cabe a quem fornece a conexão denegrir o tráfego para algumas coisas e priorizar para outros”, disse.

Para ela, muitas vezes as operadoras dizem que planos mais baratos, só de acesso a e-mails e redes sociais, são exemplo da liberdade no tráfego da rede. “Não é verdade, porque muitas vezes a escolha não é da vontade do consumidor, mas sim do bolso dele.”

Eduardo Levy, presidente do SindiTele Brasil, sindicato das operadoras de telecomunicação, disse que o setor recebeu como positiva o texto aprovado, embora ainda esteja preocupado com trechos que permitem “várias interpretações” em pontos principais do projeto.

“O texto ainda precisa prever a oferta de serviços especializados que são ofertados de alto desempenho como os de conexão veloz para aplicações médicas, por exemplo.”