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Aposentada é internada em SP para tratar vício em internet

Isabel Ferreira, 54, reconheceu sua dependência após a intervenção da família - Luiz Setti/Jornal Cruzeiro do Sul
Isabel Ferreira, 54, reconheceu sua dependência após a intervenção da família Imagem: Luiz Setti/Jornal Cruzeiro do Sul

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

26/03/2015 06h00

Após ficar por quatro anos imersa no mundo virtual e perder de vez o controle da vida real por causa de um jogo, uma aposentada de São Paulo resolveu encarar o vício e, há quatro meses, luta para vencê-lo. Sem contato com a rede desde então, Isabel Ferreira, 54, começa a redescobrir prazeres simples, como caminhar ao ar livre. A expectativa, entretanto, é que ela fique pelo menos mais três meses em tratamento e só depois tenha acesso limitado ao computador.

A aposentada foi internada a pedido dos familiares. Ela, que tem duas filhas e morava com a caçula --então com 16 anos--, conta que permanecia conectada 24 horas por dia.

Nos últimos dois anos, evitava inclusive de sair de casa por conta do vício. Comia em horários aleatórios, mas sem sair da frente do computador. Chegou a ganhar quase 40 kg, atingindo os 108 kg. "Minha vida era a internet. Nada mais importava, estava tão inserida naquele mundo virtual que nem via o que acontecia ao meu lado", conta.

Ela afirma ter perdido o controle sobre quanto tempo ficava conectada desde o momento em que aceitou o convite de amigos para um jogo de RPG (Role Play Game), disputado com outros jogadores, em tempo real, pela internet. Ela criou uma personagem, uma guerreira chamada Isis. "Eu queria vencer os desafios, evoluir o personagem. Comecei a ter contato com pessoas que jogavam e, quando não estava jogando, estava falando sobre o jogo com elas, também pela internet", disse.

A situação, segundo ela, se agravou há aproximadamente dois anos. "Cheguei a ficar mais de dois dias conectada, sem dormir. Mas parecia que estava jogando havia uma hora", lembra a aposentada, que informa que o contato com a família também foi prejudicado. "Eles me chamavam para sair, e eu não ia. Eu comia, bebia, fazia tudo em frente ao PC. Passei a não fazer meu serviço de casa e a nem interagir com minha filha, só o mínimo. Meu mundo era o computador", relata. "Eu deixei de fazer as coisas de que gostava, de sair para passear, de fazer natação. Não tinha mais horário para nada. Não atendia a campainha, celular. Só ficava no jogo."

Solução drástica, porém necessária

Cada vez mais imersa no jogo e na internet, a família conta que Isabel não percebia o que estava acontecendo. Depois de quatro anos, a solução adotada foi drástica: afastar completamente a aposentada da internet e submetê-la a um tratamento em uma clínica que trabalha, essencialmente, com dependentes químicos.

Segundo Isabel, sua ficha caiu ao ler a carta de um irmão. "Eu já tinha entrado naquele mundo irreal, estava tão absorvida, que o mundo real não fazia mais sentido para mim. Quando vi a carta, achei que era brincadeira. Mas percebi, então, que tinha um problema grave e que estava magoando minha família. Foi aí que decidi me tratar", conta.

A aposentada foi levada para o Centro Terapêutico Araçoiaba da Serra, na região metropolitana de Sorocaba, no interior de São Paulo. Lá, passa por acompanhamento psicológico e não tem nenhum acesso à internet. Mas, segundo a psicóloga Ana Leda Bella, até o final do período de reabilitação, a aposentada poderá usar a rede novamente.

"Estamos primeiro fazendo um trabalho de reprogramação do cérebro, de condicionamento, para livrá-la do problema. Depois, iremos trabalhar a necessidade de limites e, ao sair daqui, ela certamente poderá utilizar o computador e a internet, mas de uma forma mais equilibrada", informa ela, que acompanha o caso de Isabel desde o início.

Por enquanto, a aposentada, que já se aproxima dos 90 kg, se diz satisfeita em aproveitar as caminhadas que faz ao ar livre. "Pode parecer pouca coisa, mas para uma pessoa que ficou quatro anos sem sair de casa isso é muito relaxante. Me sinto bem com o vento batendo no rosto", diz.

Vício na internet: uma doença mental

De acordo com Ana Leda, o caso de Isabel está longe de ser o único. Desde o ano passado, relata a profissional, a dependência por conta de jogos de videogame e do acesso à internet já foi classificada como doença mental pelas autoridades mundiais da área de psicologia.

O problema, como explica ela, se assemelha aos vividos por dependentes químicos, já que, da mesma forma que os usuários de drogas, os dependentes em computador não conseguem ficar longe do mundo virtual. "As pessoas usam a internet para criar uma espécie de vida paralela. Elas criam um mundo onde tudo é lindo, uma espécie de refúgio para os problemas do cotidiano. Acontece exatamente a mesma coisa com os entorpecentes", ressalta.

A profissional avalia, entretanto, que, no caso do vício na internet, o problema pode ser ainda mais difícil de ser solucionado. "A rede está em todo lugar, é lícita e é difícil perceber que você tem um problema. Quem tem esse vício não vê a situação como uma coisa ruim, ao contrário de quem usa drogas, por exemplo. Então, por incrível que pareça, o dependente de internet é mais difícil de tratar. E, quando o paciente chega até nós, ele já está em uma fase aguda, com traços extremamente antissociais, e o quadro dificilmente pode ser revertido sem ajuda profissional", informa. 

Vício_internet - Luiz Setti/Jornal Cruzeiro do Sul - Luiz Setti/Jornal Cruzeiro do Sul
Lucélia Cristina Paes, 27, conseguiu se recuperar do vício após a internação e, atualmente, voltou acessar a rede apenas uma hora por dia
Imagem: Luiz Setti/Jornal Cruzeiro do Sul

Ana Leda ressalta, entretanto, que é possível abandonar o vício e voltar a ter uma vida saudável. Ela cita o exemplo da dona de casa Lucélia Cristina Paes, 27, que viveu problema semelhante e passou por tratamento na mesma clínica. Por causa do vício, ela teve depressão, emagreceu 30 kg, se afastou da família e até perdeu o emprego.

Lucélia decidiu se internar justamente quando passou a não ter mais condições de cuidar da família. "Percebi que tive um surto quando meu celular quebrou. Fiquei sem dinheiro para cuidar da minha família e só pensava em entrar no Facebook, usar o celular para navegar", conta.

Ela terminou o tratamento há seis meses e, desde então, afirma que sua relação familiar melhorou muito. Hoje, leva os dois filhos à escola e acessa a internet por apenas uma hora, com tempo contado, e apenas do computador de casa. "O meu problema era mais com celular, ficava conectada o tempo todo. Hoje, passo apenas uma hora no computador e aboli o celular. Acho que as coisas melhoraram bastante", afirma ela. Seu conselho para quem tem problemas com a rede é: "Tudo é uma questão de limite. Se você não consegue ficar sem internet nem controlar o seu tempo nela, precisa de ajuda".