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STF não proibiu novos bloqueios ao WhatsApp; entenda o vai e vem da Justiça

Allan White/Fotos Públicas
Imagem: Allan White/Fotos Públicas

Do UOL, em São Paulo

21/07/2016 19h01

O bloqueio que deixou o WhatsApp cerca de cinco horas fora do ar na última terça-feira (20) não foi o primeiro nem tende a ser o último no Brasil. Engana-se quem acredita que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, seja o ponto final da briga entre a justiça brasileira e o aplicativo.

O WhatsApp se mostrou bastante otimista com o parecer de Lewandowski e diz esperar que seja o fim dos bloqueios do app no país. Embora uma decisão da alta corte mostre uma tendência, o parecer do ministro se aplica apenas à determinação da juíza Daniella Barbosa Assumpção de Souza, que mandou bloquear o app na última terça-feira (19).

Por quê a decisão do STF não é um ponto final para os bloqueios? 
Como explica Caio César Lima, especialista em direito digital e sócio do escritório Opice Blum, a decisão do STF não impede que a própria magistrada assim como outros profissionais requisitem o bloqueio do aplicativo em novas ações. Vale lembrar ainda que a decisão de Lewandowski foi liminar, ou seja, é provisória e depende da avaliação do ministro Luiz Edson Fachin, que volta de férias em agosto. "Dificilmente, ele deve ir contra a decisão do presidente da Casa, mas existe essa possibilidade. Pode ser ainda que ele submeta o caso à avaliação do plenário. O que pode demorar muito a acontecer."

Mas o grande "avanço" nas discussões sobre a legalidade ou não dos bloqueios é que a posição de Lewandowski se tornou pública e deve ser mantida em casos similares. Segundo o presidente do STF, a decisão da Justiça do Rio de Janeiro foi desproporcional, ao estender a todo o país o bloqueio do aplicativo. Durante o mês de julho, todas as ações que chegam ao STF são analisadas pelo presidente.

Mas por que o WhatsApp é bloqueado e liberado toda vez?
O direito é baseado em leis, que são passíveis de diversas interpretações --como é o caso dos pedidos de bloqueio do WhatsApp. Para tentar forçar o aplicativo a colaborar com as autoridades policias, alguns juízes acreditam que a lei permite que se restrinja o acesso ao app no país. Para outros magistrados a decisão é desproporcional, já que afeta milhões de usuários. Seria ainda uma ameaça ao princípio de neutralidade de rede. 

O Marco Civil prevê bloqueios? 
O artigo 10 do Marco Civil descreve as regras sobre o armazenamento de informações dos usuários, o artigo 11 determina que a privacidade dos usuários deve ser garantida. Já o artigo 12 prevê as punições para empresas que descumprirem a norma --que incluem advertência, multa, suspensão temporária das atividades e proibição de exercício das atividades. 

Assim, há quem defenda que as punições devem ser aplicadas mediante ao descumprimento de ordens judiciais por informações de usuários enquanto outros afirmam que a lei visa proteger os direitos de privacidade e que as sanções só se aplicariam caso as empresas não protegessem os dados dos "clientes". 

O que a Justiça brasileira quer do WhatsApp?
Os três pedidos de bloqueio do WhatsApp no Brasil -dezembro de 2015, maio 2016 e julho de 2016-- foram ligados ao descumprimento de ordens por parte da empresa norte-americana ligada ao Facebook.

No caso mais recente, a Justiça do Rio de Janeiro pedia para que o WhatsApp interceptasse mensagens de envolvidos em crimes na região, mas, após três notificações, não atendeu aos pedidos. Segundo a juíza Daniela Barbosa, da comarca de Duque de Caxias, o serviço demonstra "total desprezo pelas leis brasileiras".

A ordem judicial exigia a "desabilitação da chave de criptografia, com a interceptação do fluxo de dados". Pedido similar foi feito pela Justiça de Lagarto (SE), que solicitava "a interceptação e a quebra de sigilo de dados de 36 usuários" para a investigação de um crime organizado de tráfico de drogas interestadual. A Justiça sergipana, antes de recorrer ao bloqueio do app, chegou a pedir a prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina, o argentino Diego Jorge Dzodan.

Por correr em segredo de justiça, não foi detalhado o tipo de informação requisitado pela Justiça no caso de Bernardo do Campo (SP). 

Para alguns juízes, o WhatsApp deveria desenvolver técnicas para quebrar a criptografia em casos de ordem judicial, como já ocorre com o sistema de telefonia.

O que diz o WhatsApp sobre os pedidos judiciais?
O WhatsApp afirma não ter as informações solicitadas pela Justiça brasileira e cita a criptografia do sistema para justificar a sua afirmação. Com a tecnologia, as mensagens são embaralhadas ao deixar o telefone da pessoa que as envia e só conseguem ser decodificadas no telefone de quem as recebe.

Além disso, segundo a empresa, nenhuma mensagem é guardada em seus servidores e, mesmo que fossem, chegariam ao servidor do app codificadas. A tecnologia, de acordo com o app, garante que as mensagens das pessoas sejam seguras e não caiam na mão de hackers e criminosos cibernéticos.

O único dado que o WhatsApp diz guardar é o número de telefone do usuário. A empresa diz ainda que respeita o Brasil e suas leis, "mas oferecemos o mesmo serviço em todos os lugares em que operamos. Como outros aplicativos de mensagens, nós não oferecemos diferentes experiências em diferentes países". Por meio de sua assessoria, a empresa também disse que "armazena muito poucos dados sobre os usuários", e destaca que "não armazenamos endereço ou informações de localização das pessoas".

Ainda segundo o WhatsApp, eles sempre que possível, cumprem os pedidos legais e providenciam informações como qual versão do WhatsApp as pessoas usam, quando se inscreveu para a sua conta, e quando esteve online pela última vez.

O que o Marco Civil diz sobre o armazenamento de dados? 
O Marco Civil da Internet obriga as empresas de aplicações com representação no país a guardarem dados e registros de acesso dos usuários por um período mínimo de seis meses e os forneçam mediante ordem judicial. Prazo que pode se estender a depender da ordem judicial. 

Também está na lei que o fluxo de comunicação assim como as comunicações privadas armazenadas são invioláveis e têm sigilo, com exceção a casos em que há ordem judicial. Há ainda um parágrafo que diz que o provedor deve fornecer "dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial" e que "o conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial".

Caso o WhatsApp não tenha condições técnicas para atender ao pedido da Justiça, é preciso se manifestar e, em alguns casos, até apresentar laudos técnicos que justifiquem a impossibilidade.

O aplicativo disse ter fornecido à Justiça do Rio de Janeiro um documento técnico em português que explica como a criptografia ponta a ponta funciona, bem como oferecido às autoridades acesso a um especialista técnico, que foi recusado. Procurado, o TJ-RJ não se pronunciou.

O que o WhatsApp diz em sua política de privacidade?
A página de termos de serviço do WhatsApp cita (em inglês) a possibilidade de guardar informações dos usuários como data e hora das mensagens enviadas associadas aos respectivos celulares da conversa, além de arquivos trocados. Esses dados ficariam nos servidores por um "curto período de tempo" e depois seriam deletados.

"O WhatsApp pode guardar informações de data e hora associadas a mensagens entregues com sucesso e os números de telefone celular envolvidos nas mensagens, bem como qualquer outra informação que WhatsApp seja legalmente obrigado a recolher. Arquivos que são enviados através do serviço WhatsApp irão residir em nossos servidores após a entrega por um curto período de tempo, mas são excluídos e despojados de qualquer informação identificável por um curto período de tempo, de acordo com as nossas condições gerais de retenção", diz o site.

Privacidade versus bem comum
A discussão que agora ganha força é sobre o que é mais importante: garantir a privacidade das pessoas sobre qualquer outro direito e sem nenhuma possibilidade de quebra ou, em face do bem comum, da busca por criminosos, que a privacidade de suspeitos possa ser quebrada? Depois de Edward Snowden ter revelado que as redes sociais forneciam dados de usuários para o governo dos EUA e o FBI pedir a quebra da senha do iPhone de um terrorista, o que foi negado pela Apple, a questão se tornou mais latente.

O medo das grandes empresas de concederem brechas para a quebra das criptografias é que elas possam cair nas mãos de criminosos ou pessoas mal-intencionadas. 

Como impedir novos bloqueios?
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, defende a criação de uma lei para regulamentar casos como o que levou uma juíza do Rio de Janeiro a determinar o bloqueio em todo o país do aplicativo de mensagens WhatsApp. Moraes afirmou que a pasta está elaborando um projeto com o objetivo de encontrar um "meio-termo" para a cobrança judicial da entrega de informações à Justiça pelas empresas de comunicação.

"Nós acabamos ficando nos dois opostos. De um lado o não fornecimento de informações por parte daqueles que detêm informações absolutamente necessárias, inclusive pro-combate ao crime organizado, e do outro lado, quando há a necessidade de algum bloqueio, um bloqueio que prejudica milhões de pessoas", afirmou Moraes.

Há ainda alguns projetos de lei que tramitam tanto na Câmara dos Deputados como no Senado que pretendem impedir o bloqueio de aplicativos como o WhatsApp. A medida ainda não é consenso entre os especialistas. Alguns acreditam que a inercia da legislação pode intensificar e até "banalizar" o bloqueio de apps no país, transformando-o em uma Arábia Saudita ou China. Outros, no entanto, entendem que essas leis tendem a contribuir para o desrespeito às determinações judiciais. 

No STF existem pelo menos duas ações que estão sob análise, uma delas do PPS que deu origem à decisão de Lewandowski, e outra do PR que questionou o Marco Civil e já teve um posicionamento da AGU.