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Empresa usa ciência para você ficar viciado no celular. E conta como

Dopamine Labs diz que gifs e memes no aplicativo de vida saudável Vimify, seu cliente, fizeram usuários atingir mais seus objetivos ligados a exercícios e alimentação  - Divulgação
Dopamine Labs diz que gifs e memes no aplicativo de vida saudável Vimify, seu cliente, fizeram usuários atingir mais seus objetivos ligados a exercícios e alimentação Imagem: Divulgação

Juliana Carpanez

Do UOL, em São Paulo

18/11/2017 04h01

Não é por acaso aquele constante impulso de visualizar toda e qualquer movimentação em seu celular --da gracinha no grupo do WhatsApp às fotos curtidas no Facebook, passando por notificações de diversos aplicativos por lá instalados. Estão todos disputando sua atenção nessas pequenas telas --há até quem diga que nossas mentes estão sendo "sequestradas" pela tecnologia.

Ao contrário do que acontece com grandes empresas de tecnologia, o uso dessas técnicas para fisgar usuários é tratado abertamente pela Dopamine Labs, empresa de Los Angeles (EUA) que promete aos desenvolvedores “tornar seu aplicativo mais viciante”. 

Por trás dessa oferta está aquilo que os cofundadores --um neurocientista e um doutor em filosofia especializado em neuroeconomia-- chamam de tecnologia de persuasão. Uma junção de técnicas de neurociência e de inteligência artificial para tornar os aplicativos mais convincentes. A questão é polêmica: quando o usuário baixa um programa em seu celular, ele não está ciente do uso desses recursos que incentivam alguns tipos de comportamento.

Ramsay Brown, da Dopamine Labs: 'Grandes empresas usam essas técnicas para conseguir o que elas querem, não o que os usuários querem'  - Divulgação  - Divulgação
Ramsay Brown, da Dopamine Labs: 'Grandes empresas usam essas técnicas para conseguir o que elas querem, não o que os usuários querem'
Imagem: Divulgação
No site da Dopamine Labs, a empresa mostra estudo de caso dos clientes --apps de vida saudável, de contagem de passos e de elogios anônimos positivos, por exemplo. Mas essas mesmas ferramentas que teriam aumentado o engajamento em aplicativos “do bem” poderiam incentivar alguém a gastar mais com jogos de azar (a Dopamine Labs diz não trabalhar para empresas de apostas). 

“Nossos telefones podem ser melhores do que uma distração: eles podem ser ferramentas que ajudam pessoas a se reprogramar e a viver melhor. A tecnologia de persuasão, com a qual trabalhamos, tem o potencial de ajudar bilhões de pessoas a ficarem mais felizes, mais saudáveis. Tudo depende da forma como usamos isso”, afirma o neurocientista Ramsay Brown, 28, cofundador da Dopamine Labs.

Confira a seguir trechos de sua entrevista por e-mail ao UOL.

UOL - A missão da sua empresa é tornar os aplicativos mais “irresistíveis”. Os usuários de tecnologia deveriam ter medo disso?

Ramsay Brown - Não. Mas eles deveriam estar cientes disso. O design comportamental está sendo cada vez mais usado por empresas e por aplicativos. Isso está se tornando o “novo normal”. Há bons argumentos sobre os benefícios para as pessoas, mas somente se pudermos discutir de forma clara quais são essas técnicas, quem as usa e o que nós, como sociedade, queremos delas.

Quais são exemplos reais de recursos que tornam os usuários mais viciados em seus telefones?

Isso acontece a todo momento em que um aplicativo faz alguém se sentir melhor --seja com um “curtir”, alguns pontos extras em um jogo, uma mensagem positiva. Nessas situações, o usuário sente uma pequena explosão de dopamina [neurotransmissor ligado à sensação de prazer] em seu cérebro. Essa dopamina o faz querer usar mais aquele aplicativo.

Na prática, funciona da seguinte maneira. Trabalhamos em parceria com um aplicativo de dieta que dá a seus usuários mensagens positivas e encorajadoras depois de eles registrarem aquilo que comeram. Como resultado, as pessoas estão registrando mais refeições e comendo de forma mais saudável.

Na descrição de seu produto, vocês dizem que a “plataforma se adapta ao ritmo do usuário para surpreendê-lo”. O que é exatamente este ritmo?

Todo mundo pode ter situações de surpresa e satisfação. Mas uma coisa só pode ser surpreendente quando não conseguimos prever que vá acontecer. Isso significa que existe um padrão, um ritmo, que determina quando podemos surpreender alguém e fazer com que se sinta satisfeito. Nosso sistema de inteligência artificial consegue entender esses ritmos únicos de cada usuário para saber exatamente quando surpreendê-los.

Grandes empresas não falam sobre o uso dessas ferramentas. Acha que as companhias podem perder clientes se admitirem usar esse tipo de técnica? 

Essas técnicas não são más, se usadas para entregar aos usuários o que eles querem: um corpo mais saudável, uma alimentação mais equilibrada, melhores hábitos financeiros, uma perspectiva mais positiva. Essas são as razões pelas quais as pessoas baixam esses aplicativos. Oferecemos apenas uma maneira de ajudar os usuários a criar esses hábitos de maneira mais rápida e melhor. 

Mas, se essas técnicas forem usadas para convencê-los a fazer mais daquilo que não querem --como passar muito tempo navegando pelas redes sociais--, então temos problemas com o alinhamento desses incentivos. Acho que é por isso que grandes empresas não falam sobre isso: elas estão usando essas técnicas para conseguir o que elas querem, não o que seus usuários querem.

A ética está em alinhar esses interesses. Se você conseguir usar a tecnologia de persuasão para entregar a esses dois grupos o que eles buscam, todos ganham: o desenvolvedor do aplicativo se sai bem e alguém criará os hábitos positivos que deseja.

O que é o “longe demais” quando falamos sobre esses recursos? Eles podem manipular as pessoas de maneira que não deveriam?

“Longe demais” é quando há uma divergência entre o que a empresa quer e o que o usuário quer, fazendo com que os dois grupos percam o respeito um pelo outro. Por exemplo: nos recusamos a trabalhar para cassinos e empresas de apostas, porque com isso iríamos “longe demais”.

Se as pessoas não gostarem da ideia de serem “capturadas” pelos aplicativos, o que devem fazer?

Elas podem desligar as notificações. Podem colocar o telefone no silencioso. Podem deletar alguns aplicativos diante dos quais não conseguem se controlar. Podem baixar nosso aplicativo contra este vício, o Space.

Como é possível uma mesma empresa oferecer dois serviços aparentemente contraditórios? Uma plataforma que promete “turbinar o uso, a lealdade e o faturamento” dos aplicativos, como a Dopamine, e uma ferramenta para “livrar-se do vício em aplicativos”, como o Space. 

É possível porque as pessoas querem reforçar alguns comportamentos e se livrar de outros. Por exemplo: as pessoas podem querer meditar mais e usar menos as redes sociais. Tem de haver um produto tecnológico para ajudar a alcançar esses dois objetivos. E queremos estar à frente deste controle.

Acreditamos que as pessoas têm direito à “liberdade cognitiva”: a liberdade para construir sua própria mente, da maneira como quiserem. Então temos um produto para reforçar comportamentos e outro para ajudar as pessoas a diminuí-los. Ambos são alimentados pelas ciências comportamentais e inteligência artificial.

Como a evolução do celular mudou o comportamento dos usuários

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