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O que é verdade no depoimento de Zuckerberg sobre o Facebook?

Gabriel Francisco Ribeiro e Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

12/04/2018 17h49

Mark Zuckerberg deu provavelmente as entrevistas mais longas de sua vida na última terça e quarta-feira (10 e 11). Mas não para a imprensa, e sim para o Congresso norte-americano, ansioso para esclarecer o caso do abuso de dados da Cambridge Analytica. Não só isso: outros temas polêmicos envolvendo o Facebook acabaram entrando na pauta. Será que Zuckerberg só disse verdades?

O fundador e executivo-chefe da popular rede social basicamente reafirmou o que já vem falando nos últimos dias, ou há anos: que a missão do Facebook é unir as pessoas, que protegem dados de usuários (mesmo que lucre com eles), que o escândalo da Cambridge (que pegou dados de 87 milhões de pessoas para marketing político) foi um erro e lamenta por isso...

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O UOL Tecnologia checou as declarações de Zuckerberg para saber até onde ele falou a verdade e quais frases foram pouco claras, escorregadias ou equivocadas sobre o funcionamento do Facebook e detalhes do escândalo. Vale lembrar que o executivo não estava sob juramento, como se estivesse num tribunal.

O Facebook vende dados de seus usuários?

O que Zuckerberg disse: "Há uma percepção muito comum sobre o Facebook - que nós vendemos dados para os anunciantes. E nós não vendemos dados para anunciantes. Nós não vendemos dados para ninguém. O que permitimos é que os anunciantes nos digam quem querem alcançar e, em seguida, fazemos o posicionamento".

Não é bem assim: Até onde sabemos, não há provas de que a Facebook Inc., empresa que gerencia a rede social e apps como Instagram, WhatsApp e outros, realmente abra o sigilo de dados pessoais de usuários, de forma identificável por cada pessoa, e os revenda para terceiros.

Mas não é segredo para ninguém que o modelo de negócios do Facebook é trocar nossos dados por dinheiro, ainda que de forma indireta. A empresa lucra com publicidade direcionada, que depende diretamente dos dados pessoais e demográficos oferecidos pelos usuários. Existe até uma ferramenta online do Facebook que filtra públicos para o anunciante saber a quem atingir.

Sobre esse tipo de publicidade, a empresa ainda faz o porém: "Não compartilhamos informações que o identifiquem pessoalmente, a menos que você nos dê permissão", como dizem as regras de privacidade da empresa.

Em que circunstâncias essa permissão é solicitada? Não sabemos ao certo, mas talvez tenham a ver com a área de preferência de anúncios de cada perfil - que é personalizável, mas poucos sabem disso.

Ainda há outra ferramenta chamada Custom Audiences, que permite que potenciais anunciantes coloquem seu mailing de clientes - com telefones e endereços de e-mail - como forma de deixar os anúncios destas empresas ainda mais precisos quanto ao público-alvo.

Após o caso da Cambridge, o Facebook promete ser mais rigoroso com o Custom Audiencies e exigira um comprovante de que usuários deram permissão a esse tipo de abordagem.

Os usuários do Facebook são donos dos seus dados?

O que Zuckerberg disse: "As pessoas têm controle sobre como suas informações são usadas em anúncios no Facebook hoje".

Não é bem assim: Como dissemos acima, dados de pessoas rendem publicidade e nos termos de uso os usuários dão consentimento ao Facebook para esse fim. Nos termos de uso, o usuário consente que a empresa utilize seus dados para fins de anúncios,

O que Zuckerberg quer dizer é que usuários podem alterar a privacidade da plataforma e não compartilhar nada, ou sequer utilizar a rede social.

Também é possível fazer o download completo dos dados e atividades de seu perfil do Facebook quando quiser encerrar sua conta ou apenas matar a curiosidade sobre isso.

O Facebook ouve nossas conversas para gerar anúncios?

O que Zuckerberg disse: "Não. Nós não fazemos isso. Para deixar claro, permitimos que as pessoas subam vídeos nos seus aparelhos e compartilhem-nos [pelo Facebook]. E, claro, os vídeos também têm áudio, então enquanto você está gravando um vídeo, [...] garantimos que seus vídeos tenham áudio."

"Os anúncios [que, segundo relatos, aparecem no Facebook sobre temas falados em voz alta perto do celular] são uma coincidência".

Não é bem assim: Novamente não há provas palpáveis de que o Facebook faz isso. Uma das permissões que os usuários dão ao Facebook nos celulares, tablets e computadores é acesso ao microfone e câmera, mas em tese seria para gravar vídeos, como Zuckerberg bem lembrou.

Mas vem crescendo relatos de pessoas sobre "coincidentes" anúncios direcionados após serem conversados perto do celular. Um dos mais detalhados veio do consultor de tecnologia francês Damián Le Nouaille. Ele escreveu no ano passado dois longos artigos narrando sua experiência ao ter comentado sobre ter um microprojetor de imagens e apareceu em sua conta do Instagram (um dos apps de Zuckerberg) um anúncio desse produto pouco depois.

"Dezenas de pessoas me disseram que experimentavam o mesmo com os produtos do Facebook ou do Google. Isso não me surpreende. Eu adoraria tentar novamente esse experimento com muitas pessoas em diferentes situações", comentou.

O Facebook rastreia pessoas fora da rede social?

O que Zuckerberg disse: "Em geral, coletamos dados sobre pessoas que não estão inscritas no Facebook para fins de segurança"

Verdade. Apesar das promessas do Facebook de proteger a privacidade das pessoas, aqui vem esta contradição: eles conseguem saber muita coisa de nós dentro e até fora da plataforma. Apesar de alegar segurança, é no mínimo moralmente questionável que o Facebook tenha este tipo de poder. Eis o que dizem:

"Usamos as informações que temos para ajudar a verificar contas e atividades, e para proporcionar segurança dentro e fora dos nossos serviços, investigando atividades suspeitas ou violações dos nossos termos ou políticas. Trabalhamos duro para proteger sua conta usando equipes de engenheiros, sistemas automatizados e tecnologias avançadas, como criptografia e aprendizagem automática. Também oferecemos ferramentas de segurança fáceis de usar que adicionam uma camada extra de segurança à sua conta".

Além da segurança, isso também vale para anúncios: o Pixel do Facebook é uma ferramenta que empresas usam para poder mostrar anúncios a pessoas que visualizaram recentemente páginas e produtos específicos no site deles.

O Facebook fechou os olhos para Kogan e a Cambridge?

O que Zuckerberg disse: "Eu não tinha visto [os termos de serviço que o psicólogo Aleksandr Kogan forneceu ao Facebook e que afirmavam que o Facebook estava ciente de que ele poderia vender as informações do usuário]".

Não está claro: "Declaramos claramente que os usuários estavam nos concedendo o direito de usar os dados em um amplo escopo, incluindo a venda e o licenciamento dos dados", escreveu Kogan em um e-mail obtido pela Bloomberg. "Essas mudanças foram todas feitas na plataforma de aplicativos do Facebook e, portanto, eles puderam avaliar a natureza do aplicativo e levantar questões".

Um acionista do Facebook entrou com uma ação coletiva no tribunal federal de San Francisco, alegando que a empresa foi negligente ao não divulgar a extensão do vazamento.

Como descobrir os dados que o Facebook tem sobre você?

O que Zuckeberg disse: "Todas suas informações [que o Facebook possui] estão presentes quando você faz o download das suas informações."

Não está claro: Sim, o Facebook oferece uma ferramenta que te deixa fazer download de, teoricamente, todas as informações que a rede social já coletou sobre você. Nas não fica claro para ninguém se lá está realmente todos os dados colhidos.

O Facebook, por exemplo, aglutina algumas informações que coletou. Por exemplo, alguns gostos dos usuários coletados são simplesmente colocados em uma área chamada "interesses de anúncios" - por lá, provavelmente, é unificado tudo o que você já clicou no site.

Recentemente, usuários apontaram que algumas ferramentas antigas da companhia não aparecem na ferramenta de download de dados. Entre elas, a famigerada "cutucada".