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Como Jeff Bezos construiu um império com uma empresa que não dá lucro

Jeff Bezos construiu um império e hoje é US$ 55 bilhões mais rico que Bill Gates - Emily V. Driscoll/BonSci Films
Jeff Bezos construiu um império e hoje é US$ 55 bilhões mais rico que Bill Gates Imagem: Emily V. Driscoll/BonSci Films

João Paulo Vicente

Colaboração para o UOL Tecnologia

18/07/2018 04h00

No último dia 16, Jeff Bezos se tornou o homem mais rico da história recente. Segundo o índice de bilionários da Bloomberg, sua fortuna é estimada em US$ 150 bilhões - uma vantagem de US$ 55 bilhões sobre Bill Gates, o segundo colocado. Tem um detalhe: ele construiu esse império a partir de uma empresa que não dá grandes lucros.

Tudo começou quando aos 30 anos, o então vice-presidente de um fundo de investimento em Wall Street, tomou uma decisão que deve ter parecido estupidez para quem via de fora. Largou a carreira promissora no mercado financeiro para vender livros. Na internet. Em 1994. Um ano antes de a web estar disponível para o público no Brasil.

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Em julho de 1995, a Amazon fez sua primeira venda, um volume sobre inteligência artificial. Vinte e quatro anos depois, no primeiro trimestre de 2019, segundo uma previsão da corretora Monness, Crespi, Hardt & Co., o que começou como uma lojinha de livros virtual atingirá um valor de mercado de US$ 1 trilhão.

Hoje, Bezos diversificou seus investimentos e é dono do jornal "Washington Post" e da empresa espacial Blue Origin, por exemplo, mas a grana vem mesmo da Amazon: ele detém cerca de 16% das ações do conglomerado, que estão avaliadas cada uma em US$ 1.845. Bezos tem pouquinho menos de 79 milhões delas, o que totaliza quase US$ 146 bilhões. Por isso também esses saltos de riqueza em tempos muito curtos. Se a ação da Amazon valorizar 1%, ele fica US$ 1.4 bilhão mais rico na hora.

O que surpreende é que no mundo superlativo das gigantes tecnológicas, o lucro da Amazon é menor que de vários rivais. No primeiro trimestre de 2018, o conglomerado da Amazon teve lucro de US$ 1,6 bilhão, enquanto o Facebook em seu último trimestre teve lucro de US$ 4,3 bilhões. Diante da própria receita, de US$ 51 bilhões só no último trimestre, o lucro parece coisa pequena.

Essa é a loucura do mercado financeiro que atribui um valor gigante ao potencial de uma empresa e não ao que ela de fato produz ou lucra.

"Só um negócio da Amazon dá lucro, a Amazon Web Services [serviço de nuvem para hospedagem de infraestrutura de informação de outras empresas]. Todos os outros perdem dinheiro", diz Michael Cusumano, professor de administração do MIT.

Minha crença é de que o Jeff Bezos está atrás de volume de vendas. Ele não quer lucrar, mas ganhar escala. Eventualmente, acho que ele acredita que poderá transformar escala e informações sobre os clientes em grandes lucros. Os investidores com certeza acreditam nisso, e é por isso que as ações são tão valiosas
Michael Cusumano, professor de administração do MIT

Com uma oferta de pelo menos 350 milhões de produtos diferentes, segundo uma avaliação da consultoria 360pi, essa escala está ao alcance da mão. Não apenas isso: com um volume tão grande de produtos e clientes, ele acaba com outra fortuna no bolso, informação.

Má fama

A nova faceta pública de Bezos também busca amenizar uma imagem de bicho-papão que a Amazon tem para quem olha de fora. Tanto legisladores americanos quanto a iniciativa privada se preocupam com o acúmulo de tanto poderio econômico nas mãos de uma única empresa.

No final de junho, a empresa comprou uma companhia de venda de remédios online chamada PillPack, a última adição ao seu rol de subsidiárias que abarcam eletrônicos, calçados, jogos, produção e streaming de séries e filmes entre muitos outros.

A Amazon é dona, por exemplo, tanto do IMDb, maior site de avaliação de filmes do mundo, quanto do Twitch.tv, plataforma de streaming de jogos.

Em alguns casos, a empresa engole a concorrência por meio de práticas pouco gentis. Um exemplo: em 2011, a Amazon mirava a compra da Quidsi, outro gigante do ecommerce que tinha entre seu portfólio de negócios a Diaper.com, de venda de fraldas e produtos para bebês.

A Amazon, então, programou sua plataforma para vender os mesmos produtos oferecidos pela Diaper.com 30% mais baratos. O faturamento da concorrente caiu e logo a Quidsi foi comprada por US$ 545 milhões.

Em 2017, a Amazon fechou a Quidsi ao passo que comprava a rede de mercados americana de alto padrão Whole Foods por US$ 13.7 bilhões. Nesse ritmo, logo não sobra mercado sem participação da empresa.

De qualquer forma, Jeff já começou a descentralizar o poder dentro da Amazon - em 2016, designou dois CEOs, Andy Jassy e Jeff Wilke, para cuidar da Amazon Web Services e do restante dos negócios voltados a consumidores, respectivamente.

Com tempo na livre nas mãos, é de se imaginar quais os planos do homem mais rico do mundo para o futuro. ?Ele tem pretensões muito grandes e uma visão de negócio tão grande quanto?, diz Miceli. Seja lá quais forem seus objetivos, se o histórico é algum indicativo, Jeff Bezos conseguirá.

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Jeff Bezos tenta reverter a má fama da Amazon
Imagem: Abhishek N./Reuters

Moleque esperto

Se Big Data é um dos termos da moda hoje, Jeff Bezos já pensava em sistematizar tomadas de decisões com base grande banco de dados desde moleque.

Em um discurso feito para uma turma de formandos de Princeton em 2010, Jeff contou que aos dez anos o sonho dele era fazer com que a avó parasse de fumar. Então calculou quantos minutos eram gastos com cada trago e disse para ela que já havia perdido nove anos da vida com o hábito. A avó parou de fumar.

"Uma das decisões mais importantes na construção da Amazon foi quando o Jeff disse que queria que a loja tivesse tantas prateleiras disponíveis quantos usuários do serviço", diz André Miceli, coordenador do MBA em Marketing Digital da FGV. "É o modelo de customização, de entender o que o consumidor quer e oferecer exatamente para ele."

O uso de algoritmos preditivos ele aprendeu no fundo de investimento em que trabalhou, a D E Shaw. Foi lá também onde ele conheceu a esposa, a escritora MacKenzie Bezos, com quem tem quatro filhos. Antes de encontrá-la, no entanto, ele aplicava matemática até na busca por garotas, com uma fórmula chamada "Woman Flow" —uma das conclusões que chegou era que aprender dança de salão aumentaria seu sucesso no amor. Para alguém acostumado ao sucesso, ainda bem que MacKenzie apareceu.

Aos 54 anos, Jeff mora com a família em uma mansão de frente para um lago em Medina, cidade a 15 km de distância de Seattle, onde fica a sede da Amazon. Está longe de ser a sua única propriedade: de acordo com o site Land Report, ele é o 25º maior dono de terra nos Estados Unidos, com 182 mil hectares, mais ou menos o tamanho de duas Hong Kong - ou, na comparação favorita da imprensa brasileira, 182 mil campos de futebol.

jeff bezos e a esposa - Evan Agostini/AP Photo - Evan Agostini/AP Photo
Jeff Bezos conheceu a esposa, MacKenzie Bezos, no antigo trabalho no mercado financeiro
Imagem: Evan Agostini/AP Photo

De olho nas estrelas

Mesmo assim, Bezos está longe, muito longe de estar satisfeito. Na verdade, ele quer chegar nas estrelas - o que ele espera fazer já no ano que vem. A Blue Origin, empresa de exploração espacial criado por Jeff em 2010, promete vender bilhetes para voos orbitais em 2019. Boa parte das terras do cara é dedicada à exploração espacial - mais da metade é uma gigantesca fazenda no Texas, onde testa os foguetes da Blue Origin.

Em dezembro de 2017, meses antes da Space X de Elon Musk despachar um Tesla para o espaço, a Blue Origin já tinha feito o mesmo com um bonecão batizado de Manequinn Skywalker.

A menção a Star Wars é um exemplo de uma certa nerdice do dono da Amazon. A Alexa, assistente pessoal da Amazon cheia de referências a Star Trek (ela responde a várias frases relacionadas a esse universo, como "Speak Klingon" ou "State Starfleet Rank and Class"), é outro. Mas a infância de Jeff não foi só filmes de ficção científica e brincadeiras.

Na biografia "A Loja de Tudo", escrita por Brad Stone, ele é descrito como uma criança esperta, que se destacava na leitura de obras recomendadas para classes mais avançadas e já traçava objetivos que pareciam irreais. Quando se formou na escola, em 82, como aluno mais bem qualificado no equivalente americano ao ensino médio, ele declarou a um jornal que queria construir hotéis no espaço.

Na época, morava em Miami, na Flórida, mas nasceu em Albuquerque, no Novo México. Bezos, o sobrenome famoso, veio de Miguel Bezos, que casou com a mãe de Jeff, Jacklyn Gise Jorgensen, quando ele tinha quatro anos. O pai biológico, Ted Jorgensen, sumiu logo depois do nascimento - Ted só descobriu quem era o filho em 2013, quando Brad Stone o procurou.

Mundo político

Mas o investimento imobiliário de Jeff Bezos que mais tem chamado atenção está em Washington, a capital americana. É uma casinha comprada por US$ 23 milhões em 2016 e que está em reforma desde então.

Segundo fontes próximas a ele relataram ao New York Times, o plano é fazer do espaço um espaço um ambiente frequentado pela elite política do país em jantares de gala que juntem representantes dos grandes partidos americanos, os democratas e republicanos.

É uma mudança e tanto: antes focado de forma exclusiva nos negócios, nos últimos anos o homem mais rico do mundo tem posto as asinhas de fora no campo político. Em janeiro deste ano, o casal Bezos fez uma doação pública de US$ 33 milhões para uma ONG que oferece bolsas de estudo para imigrantes ilegais que chegaram nos Estados Unidos quando crianças.

Ele também tem batido de frente com o presidente americano Donald Trump - chegou a sugerir enviá-lo para o espaço em um foguete da Blue Origin.

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Nos anos 90, Bezos largou o mercado financeiro para vender online livros
Imagem: Richard Drew/AP Photo

Custo humano

Todo o sucesso do negócio tem um custo alto que não era pago por ele. São inúmeros relatos de condições inóspitas de trabalho na Amazon. No nível operacional, a empresa chegou ao extremo de deixar ambulâncias estacionadas do lado de fora de um galpão logístico enquanto funcionários trabalhavam sob um calor extremo. No nível gerencial, relatos indicam que o nível de competitividade e exigência de entrega é cruel.

Após uma longa reportagem do New York Times publicada em 2015, Jeff passou a se preocupar mais com a reputação da empresa nesse aspecto.

Uma executiva que trabalha na Amazon Brasil conta que a empresa passou por mudanças nos últimos anos e é um bom local para se trabalhar. Uma das grandes vantagens, diz, é possibilidade de propor e executar projetos, independentemente da hierarquia na empresa.

De qualquer forma, o processo de contratação já soa exaustivo. A empresa segue um conjunto de 14 princípios de liderança - Obsessão pelo cliente, Senso de dono e Entregar Resultados, por exemplo -, e as entrevistas de emprego são feitas com base neles. Ao longo de horas, às vezes de um dia inteiro, entrevistadores se revezam testando os candidatos sobre cada um desses princípios.

É um perfeccionismo levado ao extremo, que também se reflete em outro hábito implementado pelo criador da Amazon: longos e detalhados documentos para explicar ou apresentar novidades, projetos, resultados, entre outros, para o público interno da empresa. O objetivo é deixar a ideia clara, antecipar perguntas e não deixar nenhuma dúvida nos interlocutores.

Reza a lenda, no entanto, que não importa quão perfeito seja o documento. Jeff Bezos sempre tem uma pergunta.

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