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26/06/2009 - 10h55

Por dentro da confusão dos testes de duração de baterias de laptops

DAVID POGUE
Esta é uma história de verdade, ganância e estilo americano.

Ah, e também de testes de duração de baterias de laptops.

Duas coisas a respeito das avaliações da duração das baterias para laptops: primeiro, essas avaliações geralmente têm pouca relação com a realidade. Não sei quanto a você, mas a carga da minha bateria com "cinco horas de duração" acaba frequentemente entre o aeroporto JFK, em Nova York, e o Aeroporto de Los Angeles.

Segundo, as propagandas de laptop sempre utilizam aquela ferramenta essencial para dar a impressão de que a duração da carga da bateria é maior. "Até". Como em "até cinco horas".

Pessoal, a expressão "até" ("up to") é um dos maiores engôdos da língua inglesa. Sabe de uma coisa? Comprei um laptop que tem carga para "até" mil horas de uso! Isso porque "até" significa "qualquer coisa abaixo deste número".

Bem, mas, então, e daí? Por que se concentrar nos fabricantes de laptops? Todas as indústrias fazem isso, certo?

Errado.

Padronização

Em 2003, a indústria de câmeras digitais tinha um problema similar. Toda companhia anunciava a duração das suas baterias de forma exagerada. Cada uma tinha os seus próprios métodos de teste, nenhum deles representativos da vida real. Em pouco tempo os consumidores perceberam que as estatísticas relativas às baterias eram basicamente sem sentido.

Finalmente, a CIPA (sigla em inglês de Associação de Câmeras e Produtos de Imagens), um grupo da indústria de câmeras, resolveu agir.

Ela desenvolveu um teste padronizado da duração das baterias. É tirada uma foto a cada 30 segundos - metade com o flash ligado, metade com o flash desligado. A imagem é aproximada com o uso da potência máxima do zoom e volta ao ponto inicial antes de cada foto. A tela fica ligada o tempo todo. A cada dez fotos, desliga-se a câmera por um certo período. E assim por diante.

Em outras palavras, testa-se a câmera de forma bem similar àquela como as pessoas a usariam no mundo real. Se houver erro, este será referente ao cenário mais conservador.

Atualmente, todas as câmeras são testadas e anunciadas desta forma. E agora as estatísticas divulgadas pela CIPA coadunam-se com a realidade.

Mas os laptops são mais complicados, certo? Um número muito maior de fatores determina a vida da bateria: o que você está fazendo no laptop, a luminosidade da tela, que recursos wireless estão ligados, e assim sucessivamente.

Diferentes cenários

Mas as outras indústrias também deparam-se com o mesmo problema. Vejamos, por exemplo, o caso dos telefones celulares: a bateria acaba bem mais rapidamente quando você está ligando do que quando você simplesmente carrega o aparelho no bolso. Carros: geralmente o motorista obtém um consumo muito menor (roda-se mais quilômetros com menos litros de combustível) na estrada do que na cidade. E até mesmo os iPods: a duração da bateria é bem maior quando o usuário ouve música do que quando assiste a vídeos.

Assim, esses fabricantes fizeram a única coisa lógica possível - forneceram os números relativos ao pior e ao melhor cenário.

Quem compra um telefone celular, lê: "Tempo de conversa, quatro horas. Tempo em espera, 300 horas". Quando você compra um carro, há a inscrição: "oito quilômetros por litro na cidade/onze quilômetros por litro na estrada".

Ao examinar um iPod, o consumidor verá: "24 horas de reprodução de música/seis horas de vídeo". E todos ficam felizes.

Mas, no caso dos laptops, com o que o consumidor se depara? "Até cinco horas".

Isso é importante, porque a vida da bateria tornou-se um grande fator de propaganda. Os consumidores finalmente conseguiram desaprender o Mito do Megahertz (aleluia!), de forma que eles estão vendo a vida da bateria como um fator crucial para a compra.

Por que a indústria de computadores não cria um teste padrão para baterias?

Raposas e galinhas

Na verdade, ela criou. Esses números precedidos de um "até" são resultados de um teste chamado MobileMark 2007.

Mas existem alguns problemas quanto ao teste MobileMark. Um deles é a identidade do seu inventor. Trata-se da Bapco (sigla em inglês de Corporação para Medida de Desempenho de Aplicações para Negócios), um grupo comercial liderado pela Intel e composto principalmente de fabricantes de laptops e chips eletrônicos.

Vejamos: um teste desenvolvido precisamente pelas companhias que saem lucrando se a vida da bateria parecer boa. Isto não seria algo como colocar as raposas para inspecionar o galinheiro?

Um outro problema: ao contrário dos testes da CIPA para câmeras, o método de teste MobileMark não reflete a utilização dos aparelhos no mundo real. Vejamos, por exemplo, a questão da tela. Este é o componente mais faminto de energia de um laptop, de forma que a especificação do seu brilho durante o teste é extremamente importante.

Bem, o teste MobileMark especifica que a tela é ajustada para 60 nits (uma medida de brilho).

Sem querer ser excessivamente detalhista, as telas dos laptops modernos, ajustados para luminosidade máxima, têm de 250 a 300 nits. Em outras palavras, o teste MobileMark especifica que se ajuste a tela para uma fração do brilho integral - um ajuste que pouca gente utiliza no mundo real (a Advanced Micro Devices diz que 60 nits corresponde a cerca de 20% da luminosidade da maioria dos laptops. Já a Intel diz que este número está mais para 50%. De qualquer maneira, é um número muito baixo).

Além do mais, o teste MobileMark não especifica se os recursos que consumem muita carga da bateria, como o Wi-Fi e o Bluetooth, são ativados durante o teste. Essas decisão fica a cargo dos fabricantes quando estes testam os seus próprios laptops. Hummm... adivinhem o que eles geralmente decidem fazer?

Finalmente, há o verdadeiro teste MobileMark. Na verdade, existem três deles.

No teste do DVD, reproduz-se seguidamente um filme em DVD até que a carga da bateria se esgote - um dos piores cenários, de vida curta.

Já no teste Productivity (Produtividade), um software robô automático realiza tarefas empresariais como o cálculo de números no Excel, a manipulação de gráficos no Photoshop e o envio de mensagens de e-mail. Esse deveria ser o teste mais realista - exceto pelo fato de ele não incluir nenhuma utilização de navegadores de Web, iTunes, Windows Media Player, programas de TV online ou jogos. Ooops.

No teste final, chamado Reading (Leitura), um script automático finge ler um documento em PDF, fazendo uma pausa de dois minutos a cada página. Este, claramente, é o melhor dos cenários. Na verdade, ele não é muito diferente de deixar o laptop ligado sem uso.

Mas qual desses testes é anunciado nas propagandas de laptop?

A Intel diz que é o teste Productivity, mas por que nós não podemos ver os três resultados?

Novas propostas

Tudo isso nos leva à Advanced Micro Devices, que passou semanas protestando na Internet contra esta idiotice e chamando a atenção de escritores especializados em tecnologia como eu.

A AMD acha que a indústria deveria adotar um teste mais realista para laptops - e a seguir apresentar os resultados em um estilo similar ao utilizado para telefones celulares, iPods e automóveis. Ela está propondo a utilização de um novo logotipo que mostre os números relativos ao melhor e ao pior cenário. Assim, a caixa do seu laptop poderia trazer uma inscrição como, "duas horas e meia de uso ativo/quatro horas ligado, sem uso".

Essa ideia parece gritantemente óbvia para praticamente todo mundo que a ouve. Mas, como seria de se prever, a AMD relata que está encontrando uma "resistência considerável" das grandes indústrias.

A Intel, a arquiinimiga da AMD, parece estar especialmente irritada com a ideia. Bill Kircos, um porta-voz da companhia, diz que o MobileMark é "um teste bem ponderado, bem debatido e muito coerente". Além do mais, prossegue ele, "se um consumidor não gostar, além do teste triplo MobileMark há diversos testes independentes, análises, artigos de revistas e informações de companhias que permitem que as pessoas conheçam a duração das baterias".

Espere um momento - então os consumidores têm que compensar as falhas do MobileMark passando horas online em busca de testes realistas de baterias?

Não se pouparia muito mais trabalho se dispuséssemos de um teste realista e confiável? É isso que fazem as indústrias de telefones celulares, automóveis e aparelhos de som. Por que os fabricantes de computadores não fazem o mesmo?

Os motivos

A resposta é fácil: porque há muito dinheiro em jogo. O consumidor paga mais quando pensa que a duração da bateria é maior. Ao iludir o público com estatísticas falsas sobre as baterias, as lojas e os fabricantes de computadores e chips eletrônicos ganham mais dinheiro. Não é de se surpreender que os cínicos chamem isso de "marketing dos testes".

(O porta-voz da Intel também me disse que a AMD ainda não propôs um teste melhor de baterias à Bapco, da qual a AMD também faz parte. A AMD retruca que isso não é necessariamente verdade: "Todas as discussões da Bapco são confidenciais. Se a Bapco dispuser-se a renunciar a essas regras de confidencialidade ou a tornar públicas as minutas das reuniões, a AMD ficará satisfeita em discutir aquilo que ela apresentou ou não à Bapco).

É bem óbvio o motivo pelo qual a Intel deseja manter o status quo. Mas qual seria o motivo da AMD para mexer nesse ninho de vespas? Segundo os testes feitos pela revista "Laptop" e outras, as baterias de laptops AMD têm menor duração do que aquelas dos laptops Intel. Mas, em testes de bateria mais realistas, a diferença entre os laptops AMD e Intel de alguma forma diminui.

Então, sim, todos têm um interesse nessa questão. Mas o seu interesse deve ser apoiar a campanha da AMD. É algo lógico e justo - e que estava demorando muito a ser feito.

Tradução: UOL

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