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18/01/2012 - 21h30 / Atualizada 20/01/2012 - 21h16

"Blackout" na internet: Direitos comerciais contra liberdade de expressão

Marion Strecker
Do UOL, em San Francisco
  • Página inicial da versão americana da Wikipedia exibe protesto contra projeto de lei antipirataria

    Página inicial da versão americana da Wikipedia exibe protesto contra projeto de lei antipirataria

Nesta quarta-feira, 18, a Wikipedia em inglês ficou fora do ar por vontade própria. A Wikipedia é a maior e mais lida enciclopédia online do mundo. Está entre as 10 maiores audiências da internet dos EUA. Endereço preferencial de nove em cada dez estudantes ao fazer pesquisa para a lição de casa.

Entenda a polêmica do Sopa

  • Sopa é a sigla para Stop Online Piracy Act (lei para impedir a pirataria online)
  • O projeto de lei está no Congresso dos EUA e visa impedir a pirataria na internet
  • São a favor produtores de conteúdo como Disney, EMI, Sony Music Entertainment , Time Warner e Universal Music
  • São contra a lei empresas de internet, como Wikipedia, Google, Facebook, Twitter, eBay, Yahoo e Mozilla
  • Aqueles que são contra dizem que a lei permitirá fechar um site inteiro, caso ele seja acusado de pirataria, sem a necessidade de julgamento ou audiência judicial. Isso mesmo que um usuário, e não o próprio site, publique conteúdo pirata. Ou seja: o site será responsável na Justiça por tudo o que divulga (mesmo que o conteúdo seja postado pelo internauta)
  • Em seu protesto, a Wikipedia diz que a lei afetará a liberdade da internet em todo o mundo, não só nos EUA. Isso porque os donos de sites terão de controlar o material (mesmo aquele postado por internautas), sob o risco de serem fechados
  • No caso da Wikipedia, por exemplo, seria necessário monitorar todos os sites linkados na enciclopédia, caso a lei seja aprovada. Se um desses sites tiver conteúdo considerado inapropriado (pirata), o site todo poderia ser fechado
  • O Google usa o lema “Acabe com a pirataria, não com a liberdade”. A empresa compara os projetos aos métodos de censura da China e afirma que, entre outras coisas, teria de deletar sites de seus resultados de busca

Além da Wikipedia, outros sites como o Google também protestam e aderem publicamente de forma mais ”light” ao chamado “blackout” na internet, embora estejam investindo fortunas com advogados e lobistas e não tenham abdicado de continuar a faturar durante o “blackout”.

O protesto se dá contra dois projetos de lei que tramitam um na Câmara e outro no Senado nos EUA, que deveriam ser votados na semana que vem, quando o Congresso voltar do recesso.

Os projetos são conhecidos como Pipa (Protect Intellectual Property Act) e Sopa (Stop Online Piracy Act). Ambos visam combater a pirataria online, isto é, o uso não autorizado de conteúdo protegido por copyright.

O principal alvo são os sites de pirataria estrangeiros, que estão fora do alcance da jurisdição americana. Mas a estratégia para combater a pirataria é dar aos juízes poder de mandar tirar sites inteiros do ar e impedir empresas financeiras e de publicidade de continuar a fazer transações comerciais com esses sites caso algum conteúdo não autorizado seja encontrado ali.

Isto valeria para qualquer publicação que qualquer pessoa faça em qualquer site. Ou seja, se uma só pessoa postar algo não autorizado no YouTube, por exemplo, um juiz poderia decidir tirar todo o YouTube do ar imediatamente. Simples assim.

De um lado dessa guerra de titãs estão as empresas de internet, e do outro lado estão as empresas de entretenimento e de mídia, como os estúdios de Hollywood, as gravadoras e os conglomerados como a News Corporation de Rupert Murdoch, dona do “Wall Street Journal”. A velha mídia tem um lobby poderoso junto ao Congresso, enquanto a nova mídia é neófita em política, mas sabe mobilizar o público online como ninguém.

Para complicar, o público na internet já está bastante acostumado a ter acesso grátis a produtos pelos quais antes geralmente pagava, como discos, filmes e jornais. Isto faz com que o lado pró Pipa, Sopa e projetos de lei semelhantes pareçam antipáticos ou mesmo terríveis aos olhos dos internautas em geral.

A indústria da internet conseguiu transformar o que poderia ser uma mera disputa comercial em algo como um embate pela liberdade de expressão. Ponto para ela.

Muito sites não medem esforços para convencer a opinião pública a pressionar os congressistas. No sábado passado, o governo federal anunciou que também se opõe a partes importantes desses dois projetos de lei. Mas as empresas de internet e o público pró-tudo-grátis não podem cantar vitória ainda.

Murdoch não vacilou em acusar o presidente dos EUA, Barack Obama, de “capitular ante a indústria de tecnologia” usando uma das armas dessa mesma indústria: o Twitter.

A Motion Picture Association of America, que representa os estúdios de Hollywood, foi mais polida: escreveu no Twitter que a Casa Branca estaria fazendo um papel construtivo em melhorar os projetos Sopa e Pipa.

Vários gigantes da internet, como AOL, eBay, Facebook, LinkedIn, Google, Yahoo!, Zynga, Twitter e Mozilla, estão agora unidos em torno de um novo projeto, o Open, que vem a ser o Online Protection and Enforcement of Digital Trade Act.

  • Reprodução

    Página especial do Google conta uma breve história sobre o Sopa e convoca internautas: "diga não ao Congresso para não censurar a web e para não enfraquecer a economia da inovação"

Os mais ricos contratam batalhões de advogados, inclusive advogados-estrelas. Só o Google tem mais de 40 funcionários em Washington DC, a capital dos EUA, para batalhar pelos seus interesses no panorama jurídico.

O Google é dono do YouTube, embora não seja o seu criador. O YouTube a estas alturas poderia ser declarado um patrimônio da humanidade, pela forma como tornou possível e fácil ver e ouvir tanto conteúdo, com seus 3 bilhões de vídeos vistos por dia.

O problema é que os vídeos do YouTube não são dele. São de pessoas comuns, mas esses são os menos vistos geralmente. Os vídeos mais vistos são os profissionais, feito por pessoas ou por empresas que vivem do que produzem. Nem todos os profissionais e as empresas estão de acordo com a republicação livre e grátis no YouTube de seu conteúdo.

Para os que não estão de acordo, sites como o YouTube dão três alternativas:

1)  Manter o conteúdo no ar como “divulgação”;

2)  Manter o conteúdo do ar, passar a explorar a venda de publicidade junto a esse conteúdo e dividir a receita com o YouTube;

3)  Tirar o conteúdo do ar a posteriori.

Por mais que eu também seja uma romântica que gostaria de que tudo fosse grátis na vida, não dá para esquecer a a histórica leniência do YouTube com a pirataria. Essa leniência foi diminuindo com o passar do tempo e com sistemas como o Content ID, que permite a detentores de direitos autorais receber alertas automáticos cada vez que um conteúdo seu é pirateado.

Mas se alguém tem muita moral para fazer “blackout” nesta quarta, esse alguém é a Wikipedia.

Ela é a maior e mais popular enciclopédia que o mundo já teve. Contém erros, porque é feita coletivamente, ao vivo, e errar é humano. Mas a moral não vem da popularidade. A moral vem do fato de ser uma organização sem fins lucrativos, atenta à pirataria. E mais: vive de doações e corre o risco de fechar justamente porque não aceita publicidade.

Aliás, a Wikipedia também deveria ser considerada um patrimônio cultural da humanidade. Não quero dizer com isto que ter lucro seja imoral ou amoral. Estou apenas querendo dizer que o papel da Wikipedia é de um herói disposto a morrer pelos seus ideais.

O papel do Google é de uma empresa capitalista, que cobre seu logotipo no dia do protesto, como se grande parte da audiência e de seus anúncios não entrasse pela porta “dos fundos”. Ou seja, audiência direta para páginas internas advinda de caixas de busca embutidas em grande parte dos softwares de navegação e nos sites do mundo.

O Google na fachada protesta, nos bastidores faz lobby e conchavos políticos e na prática continua faturando. A Wikipedia sangra em praça pública, ontem, hoje e amanhã.

A estas alturas, já está entrando água no Sopa e desconfio que o Pipa dificilmente vai voar. Alguns senadores anunciaram nesta quarta-feira de “blackout”, depois da gritaria na internet, que precisam de mais tempo para pensar no assunto.

Suponho que deva prevalecer algo como o Open, ou uma solução mais negociada, menos nociva aos direitos do público de se expressar e de obter informação, menos draconiana com as pequenas, médias e grandes empresas da internet, mas também menos nociva aos produtores profissionais de conteúdo.

Gigantes da web protestam contra leis antipirataria

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