UOL Notícias Tecnologia

13/04/2007 - 12h08

Fórum reúne diferentes visões sobre software livre em Porto Alegre

Daniel Pinheiro

Do UOL Tecnologia, em Porto Alegre
Participar de uma edição do FISL (Fórum Internacional de Software Livre) é uma experiência intensa para não iniciados. Há um certo clima de otimismo e camaradagem no ar que não deixa muito espaço para ceticismo ou indiferença.

A sensação de encontro entre velhos conhecidos —sejam amigos ou rivais, conhecidos de longa data ou recém-apresentados— permeia o pavilhão de eventos da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, sede da oitava edição da reunião daqueles que militam contra o software de código fechado.

Talvez "militar" seja uma expressão um pouco forte demais. Mas nos dois extremos —o do técnico que ri de quem não sabe diferenciar distribuições de Linux até ao líder comunitário que está ali para trocar informações sobre como conseguir financiamento para seu projeto de inclusão digital— há quem esteja na capital gaúcha para mostrar que, longe de ser o elixir universal para todas as mazelas da humanidade, o software livre pode ser parte importante de projetos e iniciativas que melhoram de maneira prática a vida das pessoas.

Economia solidária
O primeiro dia do 8º FISL podia começar bem teórico para quem quisesse, mas tudo dentro do espírito "tudo pela causa", como foi o caso da palestra "Economia Solidaria, Software Livre e Inclusão Digital na construção de práticas, técnicas e tecnologias para um Mundo Sustentável".

O tom da conversa conduzida pelo Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego Paul Singer (que fez questão de dizer que "a parte tecnológica não é lá a minha praia") era o de "há uma revolução acontecendo", e que os sistemas de código aberto são uma parte importante na construção de uma economia solidária", chamada por Singer de "possível construção do socialismo dentro do capitalismo."

O comentário de Singer provocou espanto em um rapaz que vestia uma camiseta branca com um enorme pingüim às suas costas. "Desde a eleição para o grêmio no segundo colegial que eu não escuto alguém falar em 'construção do socialismo'", disse ele a um colega ao seu lado.

Mas a abordagem política de Singer, que tentava criar empatia com os presentes ao falar de maneira empolgada em vários momentos, sensibilizou alguns da platéia que agitavam-se na cadeira, um tanto quanto inquietos a cada olhada no relógio —compotamento explicável considerando-se que a apresentação de John "maddog" Hall, um dos ícones adorados pela comunidade Linux, começaria dentro de alguns minutos em uma outra sala.

Os protestos de Singer contra a atitude de alguns professores da USP que estão registrando os direitos autorais de trabalhos acadêmicos —"é um absurdo uma universidade pública, sustentada com o dinheiro de todos, esteja privatizando o conhecimento"— arrancou muitos aplausos da platéia. "É justamente o contrário do que vocês do software livre fazem (...) Esses professores estão na contramão da história. Vocês são a melhor coisa para se enfrentar essa onda neoliberal que assola a sociedade capitalista."

Singer então passou a dividir a mesa com Marcelo Branco, ex-consultor da Presidência da República e um dos ativistas pró-software livre do Brasil. Branco, que hoje em dia trabalha para o governo da Catalunha, preferiu não fazer tanta apologia ao código aberto.

"Software livre não é a revolução, não vai fazer surgir uma sociedade GNU [referência ao projeto que deu origem ao sistema Linux], e também não é de esquerda", disse Branco. "Eu adoraria que fosse, porque (eu) sou de esquerda, mas é só uma ferramenta. Basta ver o exemplo de Cingapura, que é um dos países que faz uso dos mais interessantes do software livre e é uma ditadura."

"Que o usuário se ferre"
Para mudar o clima político e teórico que imperou durante as palestras de Singer e Branco, nada melhor que um punk para "chocar o sistema" —a partir de agora, pouco importava que o usuário médio adotasse ou não o Linux, desde que ele tivesse um sistema operacional bom. Essa é a visão de Piter Punk, nome pelo qual Roberto Freires Batista é conhecido na comunidade dos usuários do pingüim. Piter é o que se pode chamar de evangelista do software livre, mas da parte essencialmente técnica.

É para ouvir figuras como ele, em palestras como "Análise de performance em servidores Linux" e "Porque ser um desenvolvedor franciscano", que estudantes de cursos de ciências exatas do Brasil inteiro organizam caravanas para ir até Porto Alegre.

"Você acha que, do jeito que está, dá para contar com o governo com alguma coisa?", diz Piter, justificando o anarquismo que pode ser deduzido do Punk que acompanha sua alcunha. "Se (o governo) adotar medidas de adoção de software livre, ótimo. Mas se não fizer nada para atrapalhar, já está bom."

Essa é a resposta de Roberto, ou melhor, Piter, quando questionado sobre o programa "Computador para Todos", do governo federal, que dá incentivos e concede empréstimos para a compra de PCs que vêm com sistema operacional Linux pré-instalado.

"Seria legal ter mais gente usando [Linux], mas não estou realmente preocupado com isso, não é por isso que eu uso software livre", diz Piter. "Claro que há um componente ideológico, mas ele não foi o maior responsável pela minha decisão. Na verdade, eu estava era cansado de ter trabalho com vírus e falhas inexplicáveis do Windows."

Um dos principais desenvolvedores da distribuição Slackware no mundo, Piter afirma que até prefere que só os "iniciados" usem o sistema operacional desenvolvido por Linus Torvalds. "Eu acho que é melhor que só instale [o Linux] quem sabe que o computador não é um eletrodoméstico, uma coisa que você liga na tomada e sai usando, sem pensar em nada."

Ele faz uma analogia "automotiva" para explicar seu ponto de vista. "É como ter um carro. Não basta você ligar e sair acelerando. Você tem que conhecer um pouco do funcionamento para fazer com que ele funcione bem, saber trocar um pneu, medir o nível do óleo, reconhecer um barulho fora do normal."

Plantar sementes
Talvez Piter nem saiba, mas enquanto ele está conversando animadamente com alguns amigos que o ajudam na edição de um fanzine sobre a Slackware no pequeno estande da publicação, há alguns "donos de carro descuidados" apresentando algumas boas experiências com o software livre.

É o caso de Márcia Miranda Lyra, curadora do acervo do Instituto Cultural Ladjane Bandeira, que utiliza cinco computadores da Biblioteca Popular de Afogados, bairro periférico de Recife, para realizar uma oficina de criação de livros em formato eletrônico para crianças carentes.

O que faz Márcia expor sua iniciativa no FISL é o fato de esses cinco PCs rodarem sistema operacional Linux —distribuição Fedora Core 4 com interface gráfica KDE— e o pacote de utilitários para escritório OpenOffice —o equivalente ao Microsoft Office de código aberto.

Nesse ambiente, crianças aprendem a usar sistema operacional e aplicativos criados com software livre para criar versões eletrônicas dos livros que escrevem.

"Não temos nenhuma ferramenta que foi desenvolvida especificamente para esse projeto, mas a escolha de programas de código aberto foi, mais que ideológica, uma questão de visão de mundo", diz Márcia. "Não se trata só de eleger uma opção porque ela tem um custo menor. Se trata de abraçar um modo colaborativo de se relacionar com a sociedade, de ver o mundo."

A educadora diz que está mais preocupada com a formação de cidadãos do que acostumar usuários. "Durante as aulas, nós abordamos assuntos como a história da informática, a questão dos direitos autorais, a oposição dos programas de código aberto em relação ao modelo de software propritário. Não se trata apenas de calhar de usar o OpenOffice porque ele já estava lá."

Durante a apresentação, Márcia teve que rebater algumas críticas vindas da platéia, que diziam que a idéia era boa, mas a realização poderia ser mais sofisticada, já que os e-books criados nas oficinas não exploram recursos multimídia, como clipes de vídeo e trilha sonora, e tampouco utilizam noções de hipertexto.

"Nós sabemos que o projeto não é especialmente sofisticado, mas essas crianças estão tendo contato com o software livre, com uma visão colaborativa de mundo, desde muito cedo", rebateu ela. "No mínimo, elas não terão a resistência tão grande aos programas de código aberto em um mercado que é dominado por programas fechados."

Recorrendo a um tom quase infantil, e com o sorriso aberto, Márcia diz que se trata de "plantar a sementinha" do código aberto e da colaboração na cabeça dos pequenos. Abordagem que, longe de ser xiita, já aproximou do software livre 40 crianças durante três oficinas realizadas desde outubro de 2006.

Compartilhe:

    Últimas Notícias

    Hospedagem: UOL Host