Conheça a nova era de cidades mais inteligentes

Renato de Castro

Renato de Castro

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    Vista aérea de Pequim, China

    Vista aérea de Pequim, China

Em 2003, um município do interior, com somente 1.700 habitantes, viu-se à frente de um grande desafio: o governo central, preocupado com as consequências negativas para o ambiente, decidiu proibir a queima de lixo ao ar livre. A partir daquele momento, naquele país, o lixo urbano teria de ser descartado em incineradores padronizados. A cidade, que não dispunha dos recursos financeiros necessários para a construção do incinerador, estava diante de um grande dilema: não tinha como financiar a obra de infraestrutura necessária para processar todo o lixo produzido no município, mas também não podia deixar de cumprir uma nova legislação nacional.

Analisando bem o problema e as opções, a solução foi mais simples e óbvia do que parecia: se não é possível comprar o incinerador, por que não reduzir a produção de lixo urbano? Uma grande mobilização política foi feita na cidade para conscientizar e engajar os cidadãos nesta difícil missão, e o resultado foi muito além do esperado. Quinze anos depois da iniciativa, a pequena cidade de Kamikatzu, no Japão, está reutilizando e/ou reciclando mais de 80% de todo o lixo produzido. E mais, a cidade espera ser, em 2020, a primeira do mundo com zero produção de lixo. 

Essa é uma história real que poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo, inclusive no interior do Brasil. Em minha opinião, Kamikatzu é uma das referências mais importantes para a compreensão do conceito de cidades inteligentes, exatamente por não ter nada a ver com tecnologia. Pelo contrário, foi exatamente a não-utilização da tecnologia de ponta da época que promoveu a disrupção.

Os problemas enfrentados pelas nossas cidades são semelhantes em todo o mundo, e muitas das soluções podem ser simples e acessíveis a qualquer orçamento municipal. Elas devem, necessariamente, passar por uma ampla discussão com a sociedade, evolvendo um processo de cocriação. É exatamente por esse caminho que podemos tornar as nossas cidades mais inteligentes.

Smart City não é apenas o espaço geográfico. O conceito se refere, sobretudo, a uma mudança na mentalidade da sociedade, que vai da classe política aos cidadãos. A minha definição 'romântica' para o termo é: cidades inteligentes são lugares desenhados à mão onde tudo parece conspirar para fazer a nossa vida melhor. 

Esse conceito de cidade inteligente não é novo. Ele nasceu no início dos anos 80, principalmente nos Estados Unidos, com o uso de tecnologia na busca sistemática para solucionar, ou pelo menos minimizar, os principais problemas urbanos. Ao longo desses quase 40 anos, houve uma grande aceleração no processo de urbanização global. Segundo a ONU, saltamos de uma taxa de 39,28% da população mundial vivendo em cidades, em 1980, para 54% em 2017. No Brasil, os números relacionados ao mesmo período são ainda mais impressionantes: de acordo com o IBGE, o país tinha 66% de sua população nos centros urbanos. Em 2020, esse índice chegará a surpreendentes 90%.

Esse rápido crescimento da população nas cidades – e consequente êxodo das áreas rurais – tem suas consequências para a sociedade. Os primeiros reflexos são sentidos nos chamados problemas urbanos. Alguns números globais ilustram bem essa questão: somente nos Estados Unidos, estima-se que US$ 121 bilhões sejam desperdiçados anualmente com os engarrafamentos; se formos para a área da saúde, segundo estudos publicado no The Lancet, 95% da população mundial tem pelo menos um tipo de enfermidade. Os desafios das cidades não param por aí: os números da Unicef indicam que, atualmente, 61 milhões de crianças entre 6 e 11 anos não têm acesso ao sistema escolar. E se pode imaginar, as soluções não consistem somente em construir mais estradas, mais hospitais e mais escolas.

É exatamente a complexidade e a dimensão desses problemas que têm impulsionado a evolução do conceito de cidades inteligentes. Se, na década de 1980, todos os projetos eram de base 100% tecnológica, atualmente o foco no cidadão e no aumento da qualidade de vida nas cidades são – ou deveriam ser – os pilares desse processo. 

É então que entra uma metodologia que venho desenvolvendo e implementando nos últimos três anos: City SmartUp. Muito mais que um mero jogo de palavras, ela é a união de dois conceitos: o das cidades inteligentes com o das startups. Na prática, trata-se de repensar as nossas cidades seguindo quatro passos fundamentados nos princípios de empreendedorismo e inovação que encontramos na gestão de empresas startups. São eles: focar no DNA da cidade; cultivar a simplicidade; buscar parceiros e fomentar as parcerias público-privadas com pessoas, as PPPPs.

Você está pronto para começar a tornar a sua cidade mais inteligente? No meu próximo texto, vamos discutir um pouco sobre o DNA da cidade e a sua importância no processo de repensar as soluções urbanas. Então nos vemos na próxima semana. Let's SmartUp!

Renato de Castro

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho consultivo global da Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

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