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Exército ou YouTube? Robôs articulados bombam mas são feitos para guerra

robô handle - Reprodução - Reprodução
O Handle é tipo um centauro que passa a maior parte do tempo equilibrado em rodas
Imagem: Reprodução

João Paulo Vicente

Colaboração para o UOL

20/03/2018 04h00

No final de fevereiro, a Boston Dynamics lançou mais um dos seus vídeos virais. Nele, o SpotMini, criação mais recente da empresa, usa um braço articulado para abrir uma porta mesmo com um humano tentando impedi-lo com um taco de hóquei. A cena é impressionante e quase quatro milhões de pessoas já a assistiram só no canal oficial do YouTube - que já superou a marca de 200 milhões de visualizações ao todo.

Mas, fora uma carreira promissora como influenciadores digitais, é um desafio entender para onde caminham os robôs da empresa.

A empresa surgiu em 1992 pelas mãos de Marc Raibert, professor de Engenharia Elétrica e Ciências da Computação no Massachusetts Institute of Technology (MIT) entre 1986 e 1995. A princípio focada em software de simulação, a Boston acabou pendendo para uma das expertises de Marc, a mobilidade de robôs.

Logo, a Boston chamou atenção do Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA, ou Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, em tradução livre) que comissionou no começo dos anos 2000 a produção de um robô de transportes de grandes cargas que pudesse auxiliar soldados das forças armadas americanas em todo tipo de terreno.

Braço de pesquisa do Departamento de Defesa dos Estados Unidos criado no final dos 50, a DARPA sempre esteve envolvida no desenvolvimento de tecnologias que soavam extraterrestres ao seu tempo, como a realidade virtual e, veja você, a internet lá atrás, nos anos 60. No caso da parceria da Boston, o primeiro filho foi o BigDog, lançado em 2005 e alçado à fama virtual no YouTube.

O BigDog é um monstrengo quadrúpede de metal que pesa 100 kg e que é capaz de carregar quase metade disso. Na mesma medida que seu desempenho impressionava, ele também assustava e já fazia com que os comentaristas de YouTube vislumbrassem o apocalipse dos seres humanos pelas mãos das máquinas.

bigdog boston  - Reprodução - Reprodução
Lançado em 2005, BigDog alcançou fama virtual no YouTube
Imagem: Reprodução

Até 2008, o projeto recebeu US$ 24 milhões em investimento da DARPA. Mas isso foi só o começo. Em 2009, a Boston fechou um novo contrato de US$ 32 milhões para desenvolver o LS3 (versão mais robusta - e assustadora - do BigDog). Em 2015, o Spot (antecessor do SpotMini) foi lançado ao custo de US$ 42 milhões. O próprio BigSpot recebeu mais US$ 10 milhões em setembro de 2013 para que pudesse se tornar mais forte e silencioso. O futuro da Boston era militar

De militar a entretenimento

Em 2010, em entrevista ao site The Enginner, Raibert disse: “O outro campo principal para este tipo de robôs é entretenimento e nós não temos nenhuma atividade nessa direção”. Na mesma conversa, vale dizer, ele foi enfático ao dizer que os robôs da Boston nunca carregariam armas.

Mas em dezembro de 2013 o Google comprou a Boston e os planos mudaram. A empresa foi incorporada ao portfólio de robótica da Alphabet, a holding que controla o Google, e logo ficou claro que a ideia era se distanciar das aplicações militares - apenas os contratos preexistentes com DARPA e outros investidores seriam cumpridos.

Nos quatro anos em que foi propriedade da Alphabet, a Boston Dynamics não encontrou seu nicho dentro da companhia. A empresa ainda chamava atenção com vídeos de novos protótipos - como o Atlas, um humanoide capaz de dar mortais para trás -, mas faltava uma perspectiva clara de como lucrar com isso.

Para piorar, depois do lançamento de um novo vídeo do Atlas, no começo de 2016, um email em que uma pessoa de relações públicas pedia para o Google ser dissociado da imagem da Boston vazou. “Nós estamos começando a ver discussões negativas sobre ele ser assustador, pronto para roubar emprego de humanos… Não queremos responder a maioria das perguntas sobre isto”, dizia o texto.

Por fim, em meados do ano passado a Alphabet vendeu a Boston para o conglomerado japonês SoftBank. Nesse meio tempo, duas coisas interessantes aconteceram: os fuzileiros navais americanos desistiram de utilizar o LS3 por ser muito barulhento, e o CEO Marc Raibert começou a ver um futuro diferente para a empresa, com robôs capazes de fazer entregas, auxiliar em resgates e até ajudar no cuidado com idosos.

Ô lá em casa

“Ontem à noite, quando minha esposa pediu para mudar sofás de lugar em casa, eu teria adorado ter um Atlas para me ajudar”, diz o professor Marcos Ribeiro Pereira Barretto do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicas da Poli, na USP.

Os robôs da Boston são admiráveis. Quando você decupa em pedacinhos e vê todos os aspectos e a mecânica funcionando, é incrível

Marcos Ribeiro Pereira Barretto, professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicas da Poli, na USP.

A compra da Boston pela SoftBank, ressalta Barretto, é curiosa. Dentro do seu guarda-chuva, a empresa japonesa tem robôs menos mirabolantes à venda no mercado, como a Pepper, um sucesso no mercado japonês que faz as vezes de assistente pessoal e companhia, além de modelos voltados para pesquisa. O enfoque é diferente do trabalho feito na companhia americana.

“A primeira questão da Boston é empacotar força e energia, depois colocar uma casca resiliente, que aguenta porrada. Essas questões são muito diferentes de entender se uma pessoa está feliz ou triste, por exemplo”, explica Barretto.

Esther Luna Colombini, professora do Instituto de Computação da Unicamp e presidente da RoboCup Brasil entre 2010 e 2015, vai na mesma linha. Ela esclarece que ainda há um desafio em concentrar aplicações específicas da inteligência artificial dentro de uma plataforma capaz de realizar tarefas variadas ao mesmo tempo. Além de dificuldade em encontrar soluções de energia que permitam autonomia mais longa para os robôs.

“É o ponto onde a robótica está: a transferência de aspectos de sucesso de aprendizado de máquina e inteligência artificial para um contexto muito mais bagunçado, muito mais caótico”, explica ela.

Guerra metálica

“Quando robôs puderem fazer o que humanos e animais fazem, eles serão muito úteis”, disse Marc Reibert durante um evento em outubro passado. Não que a empresa se limite a emular anatomias encontradas na natureza. O Handle, revelado no ano passado, tem um corpo que lembra um centauro - quer dizer, um centauro que passa a maior parte do tempo equilibrado nos membros traseiros com rodas no lugar de patas.

Enquanto as rodas traseiras oferecem agilidade para superfícies lisas, as patas dianteiras permitem flexibilidade para navegar superfícies irregulares. Além disso, as dez articulações do corpo do Handle o permitem pular 1.20 metro de altura - tão alto quanto um jogador da NBA - e levantar 50 kg.

A Boston define o Handle como um “robô de pesquisa” e é difícil prever o que o futuro espera para ele, assim como é difícil entender se aplicações militares ainda são um foco - a empresa não respondeu a diversas tentativas de contato.

De qualquer forma, forças armadas de todo o mundo têm, sim, a robótica entre os seus interesses. No Laboratório de Robótica Industrial e de Defesa do Instituto Militar de Engenharia (IME) do Exército, cases da Boston estão presentes nas apresentações usadas para falar das perspectivas do setor. O trabalho ali, no entanto, é mais embrionário.

Nós tivemos um investimento de US$ 2,5 milhões e começamos a estudar a robótica industrial. A ideia é aos poucos subir a escadinha e avançar as pesquisas para veículos robóticos, exoesqueletos e depois humanoides, mas há vários desafios que precisam ser vencidos”

Coronel Luiz Paulo Gomes Ribeiro, coordenador do Laboratório

“Hoje o maior deles é a fonte de alimentação. Esses robôs têm autonomia muito baixa e temos que pensar em logística. Também há a questão do ruído, enfim, ainda é um campo em desenvolvimento em nível mundo, com projetos para 2050”, explica o coronel. Em 2050, ele continua, há a expectativa de ter um time de futebol de robôs capaz de enfrentar de igual para igual a seleção campeã mundial.

Se isso ocorrer, não há porque imaginar que ainda existem soldados nos campos de batalhas. Uma realidade cujas implicações precisam ser consideradas.

Precisamos considerar a ética dos robôs a medida que esperamos robôs com maior capacidade de processamento e cognição parecida com homens 

Lucas Moscato, professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicas da Poli.

"Serão máquinas atuando contra outras máquinas, máquinas atuando sobre homens? As diretrizes de guerra atuais, acordadas [nas convenções] em Genebra e Haia não são suficientes para isso”, diz. 

Pode ser assustador, pode ser animador. Mas enquanto o futuro não bate à sua porta, você pode se divertir com ele no YouTube.