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Rappi e Glovo: qual a lógica por trás de apps que entregam "qualquer coisa"

Rappi (esq.) e Glovo (dir.) prometem entregar "qualquer coisa" para você - Reprodução
Rappi (esq.) e Glovo (dir.) prometem entregar "qualquer coisa" para você Imagem: Reprodução

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

25/04/2018 04h00Atualizada em 11/09/2018 10h23

Você já ouviu falar em aplicativos como Rappi e Glovo? Muita gente já descobriu as vantagens desses serviços de entrega, mas caso você não tenha aderido ainda, talvez tenha visto a campanha que eles andam fazendo por capitais como São Paulo, espalhando anúncios e vestindo pessoas com roupas fosforescentes.

As duas empresas trabalham de formas parecidas: possuem aplicativos e sites que conectam os usuários a entregadores e serviços. Diferentemente de outros apps, elas prometem entregar "qualquer coisa". E é bem por aí mesmo.

Quer que alguém te traga um café com pão de queijo? Precisa de um remédio para dor de cabeça? Está sem nada na geladeira e quer que alguém entregue suas compras? Esqueceu da fantasia de unicórnio para o Carnaval? Acabou a bebida no meio da festa? Está com preguiça de ir pegar ou entregar um documento? Deu fome e não tem jantar? 

As empresas contam que já registraram pedidos como camisinha e Viagra, pote gigante de Nutella, calcinha "das mais baratas" e água abençoada.

Eles resolvem "tudo" para você por uma taxa que começa em R$ 6,90. Na Rappi, esse valor vale para entregas em até 3 km de distância e 30 minutos (a partir disso é cobrado por km rodado). Na Glovo, o valor vale para entregas simples, como pedidos de comida e remédios -- o "serviço courier" de correio expresso para entrega de documentos e objetos custa R$ 16,90.

E é aí que está a grande vantagem do aplicativos: sai mais barato que muito frete por aí, que pagar estacionamento, que chamar o motoboy. Se bobear, sai mais barato que o ônibus para ir e voltar.

Segundo a Rappi e a Glovo, os serviços servem para atender quem quer praticidade e também quem quer ganhar dinheiro fazendo entregas no tempo livre. 

Rappi aplicativo - Reprodução - Reprodução
Rappi já registrou pedidos de colchão de yoga, camisinha e viagra
Imagem: Reprodução

Para oferecer o serviço, é preciso ter mais de 18 anos, um meio de transporte (bicicleta, moto ou carro) e um smartphone.

Assim como nos serviços de transporte particular (como Uber e Cabify), as pessoas interessadas em trabalhar precisam fazer um cadastro, que será analisado junto com as informações pessoais do candidato. As empresas dizem que selecionam quem entra na "comunidade" de entregadores. Segundo a Glovo, o processo de seleção pode durar 24 horas.

Nos últimos dias, trabalhei em média 13 horas por dia. Foi puxado, mas dá para levantar um dinheiro bom

Arlyson Jacinto, 31, que trabalha com serviços de delivery há três anos e conheceu a Glovo há dois meses.

Ele conta que começou a ganhar mais dinheiro depois que passou a trabalhar em tempo integral para os apps e, no primeiro mês na plataforma, conseguiu entre R$ 5.000 e R$ 5.300.

"É bastante trabalho, mas tenho gostado, porque tem flexibilidade. Se tiver compromisso, posso ficar livre, fazer o que preciso e depois começar a trabalhar", explica. Mas, para conseguir um "bom dinheiro", diz ele, é preciso um compromisso "mais sério" com a carga de trabalho, porque é uma questão de volume. 

Como as entregas funcionam?

O usuário seleciona no app o que deseja e o sistema procura automaticamente os entregadores mais próximos disponíveis para o trabalho. Quem aceitar a "corrida" fica responsável pelo serviço.

Durante o processo, os usuários conseguem acompanhar em tempo real a entrega e, se precisarem, podem falar direto com o entregador via chat, que funciona dentro dos aplicativos/site. Nós testamos, e a ferramenta é bem útil e prática, ajuda na hora de passar orientações para o entregador, que responde rapidamente e também manda perguntas quando surge uma dúvida.

Bruno Nardon, presidente da Rappi, explica que seus profissionais são orientados a ajudar, por exemplo, quem pede compras no mercado.

Temos um time da Rappi que fica dentro do supermercado e faz a compra para o cliente final. Eles escolhem os produtos com base no informado pelo cliente no sistema, pagam pela compra e entregam tudo para um entregador da Rappi levar até a pessoa

Esses funcionários são uma espécie de compradores profissionais de supermercado, ou "personal shoppers": enviam fotos e informações no momento em que estão no local para que o cliente escolha o que deseja comprar. É um serviço a parte do esquema de entregadores, e você não paga a mais por isso.

Imagina pedir para um entregador comprar um presente de aniversário atrasado para sua mãe? Segundo Nardon, é possível. 

As empresas possuem parcerias com restaurantes, farmácias, supermercados, lojas, conveniências, adegas. A Glovo ainda trabalha com uma área de "mensagens express", opção para quem quer enviar e coletar pacotes e documentos.

Já com a Rappi o cliente pode até pedir para o entregador sacar dinheiro. Neste último caso, a Rappi afirma que, assim como todas as encomendas, a empresa se responsabiliza pelo valor em casos extravios. A companhia diz que nunca aconteceu nada parecido.

Usando os aplicativos, dá para ver que a Glovo possui parcerias com mais empresas conhecidas, como Nespresso e Kopenhagen, Fnac, Saraiva, Havaianas, supermercados Dia, Zaffari e Mundo Verde. A Rappi oferece produtos de Pão de Açúcar, Kalunga, Eataly e tem parceria com a Petland (produtos para Pet). Ambas oferecem uma infinidade de restaurantes.

De qualquer forma, as duas dizem que estão ampliando suas parcerias.

Glovo aplicativo - Reprodução - Reprodução
Glovo também possui serviços de envio e colega de documentos
Imagem: Reprodução

O produto sai mais caro?

As companhias prometem preços iguais aos que você encontra nos estabelecimentos. A diferença é que o usuário precisa pagar a taxa de entrega, como em outros serviços delivery.

Sabrina Munhoz, 21, usou o serviço da Rappi pela primeira vez no final de março, porque o aplicativo ofereceu opções de restaurantes diferentes das que apareciam no iFood, aplicativo de delivery de comida que ela costumava usar.

"O app em si é bem prático, gostei também da proximidade que eu tive com o motorista. Saber o nome, onde ele estava exatamente, o chat. Isso é bem importante", afirmou Munhoz, que também aproveitou um desconto de R$ 20 por usar o sistema pela primeira vez. 

Já Thais (que preferiu não dizer o sobrenome) resolveu explorar as habilidades do entregador na busca por uma saia de tule para o Carnaval: 

Na véspera do Carnaval, precisava de uma saia urgentemente para terminar uma fantasia, mas estava trabalhando e não ia ter tempo de comprar. O [entregador da] Rappi foi até a 25 [de março, avenida no centro da cidade conhecida por seus produtos populares] para mim

O entregador é explorado?

Segundo a Rappi, cada entregador recebe integralmente a taxa de R$ 6,90 por serviço feito. Os mais de 2.500 entregadores cadastrados são microempreendedores individuais, ou seja, prestadores de serviço (sem carteira assinada ou vínculo empregatício).

É a mesmo lógica de aplicativos como o Uber: quanto mais entregas você fizer, mais dinheiro conseguirá. O que não deixa de ser um esquema polêmico, apesar de muito reproduzido.

O valor da entrega pode parecer baixo, mas, segundo Nardon, da Rappi, "tem entregador que consegue ganhar R$ 4.000, R$ 5.000 por mês”.

Num cálculo simples, o entregador precisa fazer cerca de 725 entregas no mês (24 por dia, sem descanso) para ganhar R$ 5.000 bruto. Ou seja, três por hora, se a pessoa trabalhar oito horas por dia (inclusive sábados e domingos).

A Glovo não quis explicar como é a remuneração dos entregadores.

Como é que a conta fecha?

Se o produto não é mais caro e o entregador fica com o valor da taxa de entrega, como é que as empresas ganham dinheiro? Com as parcerias feitas com os estabelecimentos comerciais.

"A gente ganha uma porcentagem em cima daquilo que o parceiro vende", resumiu Nardon, que não quis dar mais detalhes sobre o acordo.

A Rappi também pode cobrar do cliente uma taxa de conveniência de cerca de 14% em cima do produto obtido em um estabelecimento comercial que não faz parte da sua rede de parceiros. Isso geralmente ocorre quando o usuário pede "qualquer coisa". Quando o usuário solicita um produto, o sistema verifica se ele pertence a alguma loja cadastrada e calcula o valor da entrega.

E dá certo?

As duas empresas já funcionam bem fora do Brasil.

A Rappi surgiu na Colômbia, em 2015, e atua no México (Guadalajara, Monterrey, Pedregal e Cidade do México) e no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba e Salvador) desde o ano passado. Calcula-se que a empresa possua mil estabelecimentos parceiros. Empresas como Starbucks, Pão de Açúcar e o restaurante La Guapa são alguns deles.

A Glovo também nasceu em 2015, em Barcelona, e veio para o Brasil em fevereiro de 2018. Por enquanto, funciona em São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba e Campinas. Mas a ideia é chegar a 12 cidades até junho deste ano.