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Conheça as cápsulas de alta velocidade que querem substituir os aviões

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

28/05/2018 04h00Atualizada em 27/08/2018 14h45

Mais de 110 anos após a criação de Santos Dumont --ou dos Irmãos Wright, você escolhe-- o avião ainda é o meio de transporte mais funcional para viagens entre estados e países. Infelizmente o teletransporte ainda está longe de estar na nossa realidade, mas uma cápsula de alta velocidade em um túnel a vácuo periga ser o "avião do século 21".

O nome desse meio de transportes futurista é Hyperloop, e tem origem num conceito proposto pelo empresário Elon Musk em 2013 e, posteriormente, desenvolvidos por três empresas suas. A montadora de carros Tesla e a de exploração espacial SpaceX cuidam da tecnologia das cápsulas, e a Boring Company cuida das escavações. Daí o nome da empresa --"boring" em inglês pode ser "entediante" ou "perfurante".

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As "regras" do projeto foram descritas por Musk  neste documento aberto, liberando o conceito para quem quisesse desenvolvê-lo. É como se em um universo paralelo Santos Dumont não tivesse conseguido fazer o 14 Bis sozinho e daí anunciasse: "tenho uma boa ideia chamada 'avião', mas seria legal todo mundo tentar torná-la realidade. Quem topa?" (algo que ele na verdade fez, mas com outra invenção sua, o Demoiselle).

No caso de Musk, empreendedores, startups e departamentos de universidade toparam a ideia e passaram desenvolver o novo sistema de transporte. Assim, algumas empresas se formaram em torno da ideia, incluindo a Virgin Hyperloop One, do ricaço Richard Branson. 

    O que diabo é um Hyperloop?

    Basicamente, é uma cápsula dentro de um túnel a vácuo que viajará a grandes velocidades. Na ambição de Musk, o projeto definitivo do Hyperloop será capaz de chegar a velocidades de 1.100 km/h - superior a de aviões que realizam voos comerciais. 

    O vácuo é necessário para ter o mínimo de atrito possível, e a cápsula será pressurizada para as pessoas poderem respirar --de novo, como em aviões. O túnel é em circuito fechado, para viagens em loop, como por exemplo nas corridas de Fórmula 1.

    Para mover tudo, nada de derivados de petróleo ou de gases. O mecanismo inclui rodas acionadas por motores de indução linear e compressores de ar. Em português: movido a eletricidade convertida em ar comprimido. Este, quando é liberado, impulsiona o veículo pelo vácuo a grandes velocidades.

    Na prática, é como um sistema de metrô turbinado, e com muitas outras vantagens em relação ao transporte aéreo: imunidade ao clima, ausência de colisões e baixo consumo de energia.

    Há ainda um fator sustentável: Musk acredita que painéis de energia solar no teto dos túneis seriam capazes de armazenar energia suficiente para abastecer os motores elétricos.

    Se o Hyperloop vir a luz do dia, no melhor cenário, ele será a melhor e mais barata alternativa de transporte para viajar pelo mundo. Ele teria velocidade suficiente para ir de São Paulo ao Rio de Janeiro em cerca de 20 minutos. Isso sem contar o transporte de cargas. 

    No projeto inicial de Musk, cada cápsula poderia comportar até 28 pessoas ou três carros. Porém, com o desenvolvimento nas mãos de diferentes startups, é possível que essa capacidade seja alterada. 

    24.mai.2018 - Protótipo de transporte para pessoas no conceito Hyperloop - Divulgação/The Boring Company - Divulgação/The Boring Company
    Protótipo de transporte para pessoas no conceito Hyperloop
    Imagem: Divulgação/The Boring Company

    Em que pé está isso?

    O primeiro teste de velocidade do conceito foi realizado com sucesso em janeiro pela empresa Virgin Hyperloop One em Nevada, nos EUA. Veja alguns dos projetos em fase de desenvolvimento pelo mundo:

    EUA: A Boring Company de Musk já está construindo um túnel em Hawthorne, na Califórnia; fez um pedido de escavação em Los Angeles que ligaria a cidade a Culver City; e se tornou uma das duas empresas selecionadas por Chicago para viabilizar uma conexão expressa entre o centro da cidade e o Aeroporto O'Hare. 

    Mas o maior projeto nos EUA é o Loop, uma linha expressa que ligaria Nova York, Filadélfia, Baltimore e Washington. Uma ida de NY à capital americana duraria 29 minutos --hoje são quatro horas de carro. Em fevereiro, a Boring Company conseguiu autorização de Washington para cavar. A construção do túnel levará entre 12 e 20 meses, diz a empresa.

    Este projeto foi criticado porque Musk inicialmente queria apenas transportar veículos nele, e por isso o acusaram de servir apenas à "elite" dona de carros. Em março, o bilionário mudou de ideia: o projeto do túnel da Costa Leste foi adaptado para priorizar pessoas e tornar-se uma alternativa de transporte público.

    Outra empresa com projeto nos EUA é a Virgin Hyperloop One, que há pouco realizou um desafio para quem criasse um bom projeto do tipo - dez foram escolhidos. Um deles ligaria Orlando a Miami em 26 minutosA ideia é funcionar em 2020, primeiro com cargas e depois com passageiros. 

    Europa: O terceiro concurso aberto pela SpaceX de Musk para que equipes de estudantes projetem e construam a melhor cápsula de transporte está em andamento e focado na velocidade. Dentre as 20 equipes finalistas, a maioria é dos EUA mas há turmas da Holanda, França, Espanha, Irlanda, Escócia e Suíça.

    A Virgin Hyperloop One também realizou no ano passado um desafio para obter os melhores projetos no continente europeu. São nove sugestões de rotas internas na Alemanha, Holanda, Polônia, Itália, além daquelas entre países: Estônia-Finlândia, Espanha-Marrocos, Escócia-País de Gales, e duas no Reino Unido: do Norte ao Sul, e no Arco Norte.

    Brasil: a Hyperloop Transportation Technologies (Hyperloop TT) vai instalar seu primeiro centro de inovação logística em Contagem, Minas Gerais, graças a uma parceria com o governo do estado. Chamado XO Square, o centro custará US$ 7,85 milhões (cerca de R$ 26 milhões) nesta primeira fase. Mas a empresa não confirmou ainda se fará o túnel no Brasil.

    Índia: A Virgin Hyperloop One quer construir uma rede de cápsulas de alta velocidade pelo país. O primeiro do tipo seria entre as cidades de Mumbai e Pune --um trajeto que hoje dura três horas, mas cairia para 25 minutos. A data marcada de lançamento é 2025 e a ideia é a passagem ser mais barata que uma viagem de avião para o mesmo trajeto, que hoje custa US$ 150 (R$ 571).

    Emirados Árabes Unidos: A Hyperloop TT anunciou em abril que vai iniciar a construção de uma linha. Ele partiria de uma área próxima ao aeroporto de Abu Dhabi, com um trecho inicial de dez quilômetros para 2020. Mas o projeto completo visa interligar Abu Dhabi, Al Ain, Dubai e Riad, na Arábia Saudita.

    Eletrônicos (in)úteis, robôs e mais bugigangas...

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    Bom demais para ser verdade?

    A ideia ainda enfrenta muitos obstáculos, como a colaboração do poder público e levantar dinheiro suficiente para todas as etapas de desenvolvimento --e é um projeto muito caro--, segundo especialistas.

    James Moore, diretor do programa de engenharia de transporte da Universidade do Sul da Califórnia, disse em entrevista ao "Mercury News" que os custos de desenvolvimento são muito altos. Essa etapa incluiria um protótipo de testes para o mundo real, e só isso seria bastante caro.

    O matemático e blogueiro de transporte Alon Levy também critica as questões de segurança para os passageiros. A extrema velocidade do Hyperloop sujeitaria os passageiros a forças de gravidade que vão muito além dos trens e aviões de alta velocidade de hoje.

    Além disso, o Hyperloop teria capacidade de passageiros muito baixa em comparação com os trens --3.360 passageiros por hora em cada sentido, contra os 12 mil passageiros por hora dos trens - mas a velocidade é mais baixa: no trem bala japonês, ela chega a 600 km/h. Pelos cálculos de Levy, o gasto de energia seria muito maior que o estimado, assim como o investimento -- pelo menos dez vezes mais do que os US$ 6 bilhões estimados por Musk em 2013, em uma rota sugerida foi Los Angeles a São Francisco. 

    Enquanto cavam os túneis, os envolvidos nos trens ainda têm alguns anos para realizar testes e melhorias no projeto. Se vão conseguir tornar tudo isso comercialmente viável, seguro e eficiente, só o tempo dirá.