Topo

Fim de uma era? O iTunes pode estar com os dias contados

iTunes pode acabar, colocando um fim na era dos downloads - Alessandro Della Bella/EFE
iTunes pode acabar, colocando um fim na era dos downloads Imagem: Alessandro Della Bella/EFE

Breno França

Colaboração para o UOL Tecnologia

03/07/2018 04h00

Já faz quase 20 anos que a internet mudou profundamente a nossa forma de consumir música - e um dos principais responsáveis por nos ensinar a baixar um MP3 foi o iTunes (legalmente, pelo menos, já que o Napster tinha muitos usuários). Agora, porém, a lojinha da Apple parece estar com os dias contados, o que fecharia de vez a era dos downloads de música.

O portal Digital Music News crava que o aplicativo dará adeus em 31 de março de 2019 o que só reforça os rumores que rolam há bastante tempo de que o fim está próximo. 

VEJA TAMBÉM

A coleção de indícios é grande: em uma carta enviada pela Apple para integrantes da indústria musical, a empresa explica seus planos de extinguir os chamados “iTunes  LPs”. Apesar de usarem a mesma sigla dos saudosos discos de vinil, eles nada mais são do que uma forma específica de agrupar as músicas no aplicativo, como se fosse um disco físico. Sem arquivos para baixar, o formato perde o sentido. 

Parece pouco, só que o próprio mercado de música envia sinais de declínio do download mais fortes e mais antigos do que a cartinha da Apple. Em 2016, as plataformas de streaming superaram todas as outras fontes de renda da indústria musical somadas e atingiram 51,3% do total de receitas geradas dentro dos EUA - o download se resumiu a 24,1% do bolo.

No ano seguinte, nova queda: o formato correspondeu a apenas 15% da receita, quando foi superado até mesmo pela venda de cópias físicas (17%).

Diante desse cenário, a Apple não viu alternativa a não ser mudar o rumo do discurso de negação e começar a reconhecer publicamente que o fim do iTunes está chegando - uma situação impensável há uma década. No mês passado, durante entrevista concedida por Jimmy Iovine à BBC, o famoso produtor musical que atualmente é executivo da Apple, declarou que o iTunes acabaria "quando as pessoas parassem de comprar" - embora tenha reforçado que não há nada como um “cronograma final” sobre a mesa.

Mudança de gosto

O cenário não surpreende Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm Brasil, uma distribuidora digital que coloca artistas tanto no iTunes quanto no Spotify. Ele afirma estar convencido de que mesmo os artistas que antes se queixavam da forma como eram remunerados já preferem o formato de streaming.

Hoje, 100% dos artistas que distribuímos preferem o streaming. Há alguns casos muito específicos em que é feita uma estratégia de download em troca de um endereço de email, mas até isso já somos capazes de fazer dentro das plataformas de assinatura. É uma mudança que não tem mais volta

Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm Brasil

Ele, no entanto, não lamenta pelo iTunes e afirma que já é um fato que o modelo de negócios do aplicativo que ajudou a minimizar a pirataria na internet no começo dos anos 2000 está com os dias contados. Seu pragmatismo, porém, tem razão de ser. Fitzgibbon entende que a Apple já se preparou para realizar essa transição.

"Foi preciso uma quebra de paradigmas para entender que esse novo modelo de negócios foi uma demanda do próprio consumidor de música. Em vez de pagar por uma música específica, ele prefere pagar pelo acesso ao serviço. Hoje, o streaming é a saída perfeita e a Apple visualizou isso muito bem tanto que está apostando todas as suas fichas nesse serviço," disse Fitzgibbon.

A conclusão não é infundada. Apesar do Spotify ocupar uma folgada primeira posição em relação às plataformas de streaming com 75 milhões de usuários pagantes, a Apple está consolidada numa segunda posição e também vê crescer exponencialmente o número de assinantes. Apenas em março, a empresa anunciou que recebeu 2 milhões de novos usuários e chegou à marca de 38 milhões.

Nessa toada, não é impossível imaginar que o aplicativo chegará ao final do ano na casa dos 50 milhões de assinantes, pagando mensalmente os US$ 9,99 cobrados pelo serviço.

Isso significa que a receita obtida pela empresa com o Apple Music em 2017 pode já ter superado a do iTunes. Apesar de não divulgar esses dados, ainda que a Apple fosse responsável por 85% do rendimento do mercado de downloads de música como era no auge, o montante não passaria da casa do US$ 1,11 bilhão, considerando os dados da Recording Industry Association of America. Enquanto isso, com uma fatia pessimista de apenas 20% do mercado de streaming, a Apple teria movimentado cerca de US$ 1,13 bilhão no ano passado.

Soma-se a isso o fato de que as projeções para 2018 indicam que o mercado de downloads deve ficar (bem) abaixo da casa de US$ 1 bilhão e, ainda que seja muito dinheiro, a conclusão é de que a Apple parece estar mesmo preparada para priorizar de vez seu serviço de streaming.

As mesmas fontes do Digital Music News confirmam que o iTunes tem prazo para acabar, porém, fazem questão de reforçar que a Apple não tem intenção de bloquear o acesso às músicas já baixadas. Pelo contrário, todas as músicas, mesmo aquelas com formatos exclusivos para reprodução no aplicativo continuarão funcionando.

A mudança deve se resumir a não vender mais novos downloads, ou seja, o iTunes continuará existindo até, e somente até, que o último usuário deixe de utilizá-lo.

steve jobs europa - Matt Dunham/Reuters - Matt Dunham/Reuters
Steve Jobs apresenta a versão europeia da iTunes Store em 2004
Imagem: Matt Dunham/Reuters

Onde tudo começou

Se dizem que homenagens boas são aquelas feitas em vida, a história do iTunes é uma daquelas que merece uma. Não é exagero quando dizemos que esse programa foi importantíssimo na história da internet e da música. Isso porque quando a internet era só mato e a pirataria prevalecia, as gravadoras estavam prontas para recuar e fechar todo seu conteúdo quando Steve Jobs apareceu e resolveu mudar o jogo.

Temerosas com o surgimento do Napster, um programa de download pirata de músicas que chegou a ter 8 milhões de usuários conectados trocando diariamente um volume estimado em 20 milhões de canções, as gravadoras não fizeram jogo fácil, mas Jobs percebeu que a digitalização da indústria musical era um caminho sem volta e então pensou numa forma de fazer com que as pessoas pudessem pagar pelos downloads das mesmas músicas que estavam pirateando.

Em certa ocasião, Jobs contou a Steven Levy, autor de "The Perfect Thing", bastidores da negociação.

Quando nos aproximamos das gravadoras, o negócio de música online era um desastre. Ninguém jamais tinha vendido uma música por 99 centavos. Na verdade, ninguém jamais tinha vendido uma música. E nós entramos e dissemos: 'Queremos vender músicas à la carte. Também queremos vender álbuns, mas queremos vender músicas individualmente.' Eles pensaram que seria a morte do álbum

Steve Jobs

O poder de convencimento do chefão da Apple funcionou: em meados de 2002, Warner Music e Universal já estavam no barco. Na sequência se juntaram a elas Lables BMG, EMI e Sony. Dessa forma, desde o nascimento a loja do iTunes já contava com 200 mil músicas das cinco principais gravadoras do mundo.

O sucesso foi imediato. Só na primeira semana, os consumidores compraram mais de 1 milhão de músicas e, seis meses depois, as gravadoras já estavam convencidas a expandir o serviço também para usuários de Windows.

O fim de uma era

Foi justamente quando estava no auge, porém, que surgiu um novo caminho para a tecnologia do consumo de música. Em 2008, ano em que US$ 3,7 bilhões foram movimentados com downloads de música digital, nasceu o Spotify. 

Se o iTunes podia ser explicado como música "à la carte", o Spotify agora oferecia o "open bar". Poucos anos depois, a indústria já sinalizava uma tendência de inversão no mercado digital de músicas. Em 2010, o streaming era responsável por 7% do mercado musical, em 2011 por 9%, em 2012 por 15%; em 2013 por 21% e em 2014 por 27%. 

Quando chega 2015, já sem Steve Jobs no comando, a Apple mostra que está pronta para lançar seu próprio serviço de streaming, o Apple Music. Junto dele, a indústria musical volta a crescer em valores totais depois de 16 anos de retração - o valor gerado e o percentual de mercado do streaming supera pela primeira vez os downloads. 

Agora, com o fim iminente do iTunes, a era do download chega também mais perto do fim, dando lugar ao período do streaming. O que nos resta saber agora é: por quanto tempo ele irá perdurar?