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WhatsApp é o novo spam de email: para resolver, tem de ir atrás do dinheiro

Rodrigo Trindade

Do UOL, em São Paulo

31/10/2018 04h00

Você se lembra? Fundado em 2009, o WhatsApp cresceu no Brasil como uma forma de substituir os caros SMS. Nove anos depois, o aplicativo de mensagens com a chamada criptografia de ponta a ponta virou protagonista da eleição presidencial que terminou com a vitória de Jair Bolsonaro. O pleito foi marcado por polêmicas envolvendo o mensageiro, as redes sociais e a distribuição em massa de boatos e notícias falsas, usando empresas profissionais.

Diversos especialistas concordam que o app desempenhou um papel importante no processo democrático, e a empresa até foi alvo de questionamentos por partes da sociedade civil. Só que a resposta para as sugestões enviadas ao WhatsApp foi: não vamos mudar.

Para Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab, centro de pesquisa independente sobre temas do direito e da tecnologia, aí que está o problema: tentaram regular o WhatsApp nos moldes do Facebook, que também é dono do mensageiro. Mas há enormes diferenças estruturais entre os irmãos.

O papel do WhatsApp se assemelha ao do email na década passada. É um mecanismo de comunicação direta entre pessoas ou grupos, com um número restrito de membros, e mantido sob forte privacidade. Não há uma linha do tempo aberta aos amigos (ou todo público) como Facebook ou Twitter.

Em conversa com o UOL Tecnologia, Cruz analisou as possibilidades de uma regulação do aplicativo e também apresentou uma forma diferente de enxergar as campanhas políticas online, muitas vezes feitas por pessoas adeptas de um partido, sem ordem de candidatos e seus marqueteiros.

Francisco Brito Cruz - Divulgação - Divulgação
Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab
Imagem: Divulgação

UOL: Como o WhatsApp deve ser enquadrado para conter a desinformação?

Francisco Brito Cruz: É um caminho enganoso a gente encarar esse problema como se fosse um problema de desinformação como ocorre nas plataformas abertas, porque a gente entra numa chave de tirar do ar (o conteúdo). Mas não tem nada no ar.

O uso nesse aplicativo lembra processos de desinformação que ocorreram no Brasil na época do estatuto do desarmamento, que ficaram registradas práticas de spam a favor do lado que defendia a posse de armas. Tem aí nesse processo uma coisa meio parecida porque eram correntes de email.

Quando a gente fala de email e mensagem, há um ponto que pode ser enfrentado: como você obtém essas listas. Tem todo um caminho a ser trilhado, que ainda não foi, que é aproximar a Justiça eleitoral da legislação de dados pessoais

UOL: E dá para diminuir o spam eleitoral?

Brito Cruz: Há todo um caminho para enfrentar a coleta massiva de informações para fins de spam.

Menos na chave de remover do celular das pessoas, mais na chave de coibir os atores que não são nem um pouco orgânicos

Essa aproximação seria muito interessante, porque a legislação eleitoral, o que ela fala de cadastro de endereços e casos julgados, trata de muito mais situações mundanas, de um candidato usar um cadastro de uma entidade de classe para pedir o apoio. É tentar ampliar as discussões do artigo 57E (da Justiça Eleitoral) e fazer o link com a legislação dos dados pessoais.

Outro caminho é ir atrás do dinheiro e ter um olhar em cima do dinheiro lícito e ilícito que está sendo investido nas campanhas de internet

A justiça eleitoral tem boa compreensão da propaganda na TV e na rua. Tudo é regradinho. O que a gente tem que caminhar é ampliar o conhecimento de como isso acontece e fazer um escrutínio detalhado dessas contas e das denúncias que gente está conhecendo para saber o que está enfrentando.

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Entenda

UOL: Já existem mecanismos que proibiriam o spam eleitoral?

Brito Cruz: Existem regras que são aplicáveis a esses casos, como o artigo 57E. Tem alguma legislação de proteção de dados, como o código de defesa do consumidor, mas isso vai ganhar muito mais vulto com a lei de dados pessoais [sancionada em agosto]. Ela vai valer para tudo.

O que me parece importante é que o sistema político que faz as leis eleitorais e a justiça eleitoral fiquem sintonizados para trazer essa robustez para dentro da legislação eleitoral também. Será que as futuras resoluções do TSE vão estar em sintonia com isso?

O spam não é necessariamente uma prática proibida. Você pode ter optado por dar seu número de telefone ou email a um terceiro. E esse terceiro pode usar isso, se você permitiu. O problema é como você obteve, de quem você obteve esse cadastro e para que você está utilizando.

A legislação ataca bem se olhamos a questão pela ótica da proteção de dados pessoai. Não para coibir antes de a coisa acontecer, mas para ter instrumentos que geram consequências para os malfeitos. Coisas em campanhas acontecem, caixa 2 sempre aconteceu e sempre foi difícil de coibir.

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UOL: Se o WhatsApp tivesse um representante no Brasil, para responder por eventuais malfeitos, seria diferente?

Brito Cruz: A questão da representação do WhatsApp causa muita conversa, porque isso, somado à criptografia, é interpretado por muita gente como um subterrâneo, que não dá para acessar, mas me parece que quem deve ser responsabilizado pelos dados pessoais e disparo em massa não é o WhatsApp.

Ele é o meio, não o fornecedor desses dados

A gente dificilmente falaria que uma empresa de email deveria ser culpabilizada pelo spam que acontece nela. Não significa que ela não tenha ferramentas contra o spam, não só em termos legislativos, mas perante seus usuários, para ser melhor que a concorrência.

Pelo que a gente sabe, a empresa [WhatsApp] desenvolveu [ferramentas contra spam]. Existem empresas cadastradas para usar o WhatsApp Business. Canal entre empresa e cliente, mas que passa por um processo longo de qualificação. Sem alijar a participação da empresa, ela participar do debate é super importante, inclusive se colocando para oferecer soluções.

UOL: É possível fazer uma análise preliminar se as mudanças adotadas pelo Facebook para diminuir o impacto de fake news na plataforma tiveram sucesso?

Brito Cruz: Não tenho número, até porque a análise da coleta de dados está muito focada em campanha paga, olhando muito para gastos de campanha. Ao mesmo tempo a gente tenta avaliar o que sai em outros centros de pesquisa, fazer um diagnóstico todo ao mesmo tempo. A impressão é que os passos dados pelo Facebook têm sido bem importantes. Não dá para dizer que melhorou.

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Como esses passos foram acompanhados de medidas de transparência, biblioteca de anúncios, parece um caminho consistente.

Não quer dizer que essas informações não sejam propagadas por ali. As páginas que caíram, todas elas, não só de um lado da política, foram importantes. Combina com a biblioteca de anúncio, você tem alguma coisa. Mas é difícil olhar o tamanho da desinformação, medir o que é falso e não é, dizer se tem menos ou mais fake news... É difícil até porque essas páginas foras as que caíram.

UOL: Como abordar campanhas irregulares feitas "por fora" do que é declarado para a justiça eleitoral?

Brito Cruz: A estrutura de determinadas campanhas, na minha opinião, tem um formato muito mais de rede do que antes. Isso faz com que seja difícil enquadrá-las e responsabilizá-las do jeito que era feito anteriormente, porque essas partes da rede podem agir de maneira semi-independente, trabalhando para a candidatura, mas sem vínculo.

Esse formato em rede necessita de uma reformulação dos instrumentos de responsabilização.

É uma campanha difícil de enquadrar. Essas páginas [as que foram deletadas pelo Facebook] podem não estar 100% coordenadas entre si e com a campanha. Na hora de olhar esse problema, isso vai exigir novas formulações por parte da justiça

UOL: Qual o caminho que pode ser adotado, então?

Brito Cruz: No Estatudo do Torcedor, se a torcida faz besteira, o time perde o mando. É uma conversa inicial, mas isso é um pouco a chave da coisa: uma mudança relevante de pensamento, para gente começar a enquadrar as campanhas em rede com ferramentas jurídicas mais adequadas. Tem o adendo que você também não pode deixar que um sabotador alheio entre na campanha.