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'Poder divino' das Big Tech infla pressão para fatiá-las em partes menores

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Helton Simões Gomes

Do UOL, em São Paulo

17/11/2018 04h00

Elas sabem o que você lê, o que ouve, o que escuta, de quem gosta, aonde vai e outras informações mais. Além de ter suas informações em mãos, criaram produtos que alimentam modelos de negócio tão rentáveis que produzem receitas equivalentes ao PIB de países inteiros.

Com poderes inéditos no capitalismo, de influenciar tanto a sociedade quanto de acúmulo financeiro, as gigantes de tecnologia passaram a ser vistas como uma ameaça a outras companhias e à competição entre elas justamente por serem enormes.

O argumento é que, como são donas de produtos líderes em suas áreas, essas empresas deveriam ser desmembradas em várias outras menores. Essa corrente ganhou um novo -- e renomado -- apoiador. Nada mais, nada menos do que Sir Tim Berners-Lee, o pai da web, ou seja, a faceta da internet que conhecemos.

O que acontece naturalmente é que você acaba com uma empresa dominando o campo, então, através da história, não há alternativa para realmente entrar e quebrar as coisas. Há um perigo de concentração

Tim Berners-Lee

Scott Galloway, professor da Universidade de Nova York, foi por anos um ardoroso defensor de Amazon, Apple, Google e Facebook. Hoje, ele é um crítico, para quem essas empresas se tornaram as entidades mais poderosas do mundo, com exceção apenas de Estados Unidos e China.

A raiz do sucesso dessas quatro é a habilidade que elas têm de tocar nos nossos mais básicos instintos humanos e necessidades

E quais são os pontos nevrálgicos que elas tocam? Bom, aí vai o que ele diz:

"Google, o Deus do homem moderno": Imagine seu rosto e seu nome acima de tudo que você colocou nessa caixa, e você perceberá que confia no Google mais do que qualquer outra entidade em sua história.

"Facebook, o amor": Uma das coisas maravilhosas sobre nossa espécie é não precisarmos só ser amados, mas também amar os outros. Crianças com má nutrição, mas muito carinho, têm melhores resultados do que crianças com boa nutrição e pouca afeição. O Facebook, por meio de seus 2,3 bilhões usuários mensais, alimenta nossa constante capacidade de sentir e dar amor.

"Amazon, o nosso instinto consumista": O instinto de ter mais está dentro da gente. A penalidade por muito pouco é fome e desnutrição. Abra seus armários. Você tem de 10 a 100 vezes o que você precisa, porque a penalidade por muito pouco é muito maior do que a penalidade por ter muito. Então, "mais por menos" é uma estratégia de negócios que nunca sai de moda. É a estratégia da China, é a estratégia do Walmart, e agora é a estratégia da empresa mais bem-sucedida do mundo, a Amazon.

"Apple, o sexo": Uma vez que sabemos que vamos sobreviver, o instinto básico, passamos para o segundo instinto mais poderoso: selecionar e espalhar a semente mais forte, inteligente e rápida para os quatro cantos da terra, ou escolher a melhor semente. O iPhone não é apenas um telefone, mas uma tentativa vã de dizer às pessoas: "Se você acasalar comigo, seus filhos terão mais chances de sobreviver do que se você acasalar com alguém que tenha um Android".

Como resultado, essas quatro empresas -- Apple, Amazon, Facebook e Google -- desarticularam quem somos. Deus, amor, consumo, sexo. A proporção na sua abordagem a essas coisas é quem você é, e eles reagruparam quem somos na forma de empresas com fins lucrativos

Scott Galloway

E bota lucrativo nisso. No ano passado, as quatro lucraram US$ 79,8 bilhões, valor superior ao PIB de 126 dos 194 países cujos dados financeiros são acompanhados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Quando o item considerado é a receita delas, apenas 22 países tiveram economias que movimentaram mais do que os US$ 557,6 bilhões faturados por elas em 2017.

Não acabou: as empresas possuem valores de mercado que, somados, as transformariam na quinta economia do mundo. Só ficariam acima dos US$ 2,96 trilhões, as economias de EUA, China, Japão e Alemanha.

Esse poderio financeiro atua em frentes diferentes daquelas do capital social dessas empresas, e é o resultado de uma tendência que engolfou o ambiente de negócios dos Estados Unidos nos últimos anos. Essa opinião circula até em escolas liberais, como a Universidade de Chicago.

Que mal elas fazem para o mercado?

"A concentração nos EUA aumentou nos últimos vinte anos", diz Luigi Zingales, economista da Escola de Negócios da universidade, "Competição é a essência do que faz o capitalismo funcionar. Não é necessariamente a posse, não são necessariamente os incentivos, é, de fato, a competição", defende ele.

"Amazon, Apple, Facebook e Google criaram uma concentração de poder que promove a morte prematura de grandes empresas e o infanticídio das pequenas", concorda Galloway.

Eles não estariam exagerando? Números mostram que não. O Google é responsável por 90,9% das buscas na internet, por 73% dos sistemas operacionais para celulares e por 60% dos navegadores. Com uma só linha de celular, a Apple obtém 40% dos lucros globais com venda de smartphone. A Amazon extrai 35% das receitas com computação em nuvem do mundo (mais do que os três concorrentes somados) e domina o comércio eletrônico por onde passa -- a cada US$ 1 gasto nos EUA, ela recebe US$ 0,44. Já o Facebook é usado por quase 70% das interações sociais do planeta, excluindo-se a China.

Essa dominância gera consequências, afirma Galloway.

"A Amazon é o melhor exemplo de grandes empresas de impacto tecnológico. Tem a capacidade de realizar o que eu chamo de truques mentais de Jedi: derruba o valor de outra empresa ou de uma indústria inteira apenas anunciando que está pensando em entrar em seu setor."

Steven Strauss, professor da Universidade de Princeton, lembra que Apple e Google já fizeram acordos para não recrutar os engenheiros uma da outra e assim evitar ter de pagar maiores salários a eles.

Para Zingales, o Google é o melhor exemplo de concentração. "Vende produtos com preço zero a todos nós, mas possui poder enorme sobre regulamentação, privacidade e dados. Isso é um problema? Um número grande e crescente de pessoas na academia está dizendo: 'Sim, isso é um problema':

O preço zero é fictício, porque nós pagamos um custo e um custo bastante significativo, que é nossa privacidade

Dividir como?

Acadêmicos, especialistas de mercado e ativistas sugerem que essas companhias sejam quebradas em empresas menores.

Para Galloway, a divisão poderia ser:

  • Amazon: Amazon e Amazon Web Services
  • Apple: Apple e iTunes
  • Facebook: Facebook, Messenger, Instagram e WhatsApp
  • Google: Google, Chrome e YouTube

"Cada uma delas é reconhecível pelos consumidores e possui base de usuários e infraestrutura substancial para sustentá-la de forma independente. Quebrar as grandes empresas de tecnologia não significa destruí-las, mas, sim, reparar os mercados que estão falhando."

Autoridades norte-americanas já estão sendo pressionadas para, pelo menos, começar a pensar a respeito. No começo do ano, um grupo de organizações progressistas incitaram a Comissão Federal do Comércio (FTC, na sigla em inglês) a iniciar um processo para dividir o Facebook.

Dividir empresas é uma medida extrema em prol da competitividade, mas, se ocorresse, não seria algo inédito. Em 1984, o governo dos EUA decidiu desmantelar o sistema Bell, de telefonia do país, que era controlado pela AT&T. A medida foi uma forma de encerrar ações antitruste contra o monopólio da gigante.

Essa configuração durou até 1996, quando o governo norte-americano mudou a regra e permitiu a entrada de operadoras de longa distância nos mercados regionais e vice-versa. Não deu outra: várias "baby bells" se fundiram e voltaram a concentrar o setor novamente.

Outro exemplo frequentemente citado é o da Microsoft. O Windows, presente em 95% dos computadores, trazia só o browser Internet Explorer, à época um azarão na corrida da internet, em vez de incluírem também rivais, como o Netscape, que era líder. Em 2000, a Justiça dos EUA condenou a empresa num dos maiores processos antitruste da História. A punição? Ser dividida em duas empresas distintas: uma voltada a gerenciar o Windows, e outra dedicada aos softwares, como Office e Internet Explorer.

No ano seguinte, porém, governo dos EUA e Microsoft chegaram a um acordo: a empresa concordou em compartilhar suas interfaces de programação com outras e ter seus códigos-fonte supervisionados por analistas externos. O monitoramento, feito por uma corte norte-americana, durou até 2011.

Analistas são categóricos em dizer que foi justamente o processo contra o monopólio da Microsoft que permitiu essa inovação.

As pessoas não gostam muito de a razão para termos Google e Facebook hoje é porque houve uma ação antitruste no passado contra a Microsoft, que desacelerou a habilidade da Microsoft de monopolizar também a internet, navegadores e buscas na internet. Os monopólios de hoje são as startups de ontem.

Zingales

Não é exagero?

Outros especialistas argumentam que qualquer grande companhia apresenta um risco a suas concorrentes e que as autoridades deveriam aplicar punições caso a caso.

William Rinehart, diretor de tecnologia e política de inovação da American Action Forum, cita o caso de Google, Uber e Facebook que, devido a algumas de suas práticas, têm de respeitar decretos do governo dos EUA.

"Se violarem as ordens, essas empresas poderiam levar grandes multas. A União Europeia também optou por aplicar multas porque elas podem impedir o comportamento prejudicial."

A UE, aliás, aplicou as duas multas com valores recorde no bloco por práticas anticompetitivas contra o Google. Primeiro, em 2017, cobrou 2,42 bilhões de euros por considerar que o Google usava sua ferramenta de busca para inflar o Google Shopping e, com isso, minar comparadores de preço rivais. Depois, em 2018, cobrou 4,34 bilhões por concluir que o Android era usado para expandir o domínio do Google sobre buscas, navegadores e para impedir novos concorrentes de entrar com maior força no mundo dos smartphones. Além do dinheiro, a UE exigiu que o Google mudasse a forma como oferece seu sistema operacional a fabricantes.

Além de achar que multas e restrições de práticas são suficientes para conter práticas anticompetitivas, esses especialistas acreditam que quebrar uma empresa atrapalha a inovação.

"Romper uma empresa não é tão fácil quanto parece. Na maioria dos casos em que governos desmembraram as empresas, a indústria não viu aumento da concorrência, mas viu preços e resultados semelhantes para os consumidores. Não há muita evidência de que romper empresas beneficie alguém", diz Rinehart.

Muitas grandes empresas de tecnologia são bastante produtivas e são capazes de levar produtos ao mercado rapidamente. A quebra de empresas iria sufocar desnecessariamente a inovação, porque encerraria esse processo.