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Um gadget novo a cada dois anos: como resistir ao consumo desenfreado

Brasileiros madrugam na fila para conseguir um iPhone 4, no lançamento do aparelho em 2010 - Fernando Pilatos/UOL
Brasileiros madrugam na fila para conseguir um iPhone 4, no lançamento do aparelho em 2010 Imagem: Fernando Pilatos/UOL

DAVID POGUE || Do New York Times

05/01/2011 16h12

Todos os anos nós compramos zilhões de aparelhos de música, câmeras digitais e telefones celulares – e, depois, uns dois anos mais tarde, os jogamos na lata de lixo. Um aparelho “novo a cada dois” anos não é apenas uma oferta da Verizon para nos vender um novo telefone com desconto a cada 24 meses; a frase descreve também os hábitos de consumo do cidadão médio em relação a câmeras, telefones e outros aparelhos eletrônicos.

Infelizmente, por mais bem intencionado que seja o consumidor, é difícil cumprir a promessa de reciclar, pelo menos em se tratando de dispositivos eletrônicos. A frase “fabricação sustentável de produtos eletrônicos” é quase que uma contradição, da mesma forma que “ator humilde”.

Isso porque a própria indústria de produtos eletrônicos baseia-se na renovação frequente. O iPhone, o iPod ou o iPad que você compra hoje estarão obsoletos dentro de um ano. Todo modelo de câmera de bolso que está à venda hoje não estará mais sendo vendido daqui a seis meses. E quanto aos telefones Android – esqueça. Parece surgir um novo modelo toda sexta-feira à tarde.

Será que a tecnologia avança de fato com tanta rapidez? Ou isso seria um exemplo de obsolescência planejada? Não importa. No fim das contas, nós temos tanta culpa quanto as companhias de produtos eletrônicos. Os fabricantes estão apenas apelando para alguns impulsos humanos fundamentais. Estilo, status, a sensação de sabermos que não estamos perdendo nenhuma novidade. Possuir tecnologia ultrapassada faz com que nós próprios nos sintamos ultrapassados.

Haverá soluções? Na tentativa de recorrer a um poder cerebral bem mais brilhante, eu pedi sugestões aos meus 1,3 milhão de seguidores no Twitter.

As respostas foram surpreendentemente entusiasmadas e numerosas. Infelizmente, a maioria das pessoas não se mostrou otimista. “O problema não são os aparelhos – são as pessoas”, escreveu @calcrash. “Temos uma geração inteira afligida pelo distúrbio do déficit de atenção, que exige novos brinquedos e recursos”.

Uma grande quantidade de pessoas sugeriu que a indústria deveria parar de lançar tantos modelos novos com tanta frequência. Conforme escreveu @jatkin02, “O produto tem que fazer determinada coisa, fazê-la bem, e indefinidamente, com a menor quantidade possível de falhas”. Vários leitores observaram que os relógios Rolex são tão bem fabricados que duram várias gerações.

Isso soa bem no papel – ou no Twitter. Infelizmente, produtos eletrônicos não são relógios. É de se esperar que eles explodam com novas funções a cada ano, para saltar por cima de tudo o que foi lançado antes. O seu filho poderá sentir orgulho ao receber de presente o seu Rolex comprado há 30 anos – mas se você presenteá-lo com um telefone celular de quatro anos de idade ele simplesmente sentir-se-á embaraçado.

Um outro grupo entusiasmado propôs que os aparelhos sejam projetados de maneira a serem mais modulares – por exemplo, de forma a possibilitar que você insira um chip mais novo e rápido no seu velho telefone celular.

Essa proposta também é irrealista. Qual seria a vantagem disso para os fabricantes? Para eles é bem mais lucrativo vender um aparelho inteiramente novo. Além do mais, um aparelho eletrônico envolve mais do que o seu processador. O atual iPhone, por exemplo, não conta apenas com um chip diferente do modelo anterior, mas também com tela, bateria, dispositivos eletrônicos internos e conectores diferentes. Tudo está integrado.

Uma terceira, e igualmente condenada, sugestão: recorrer a atualizações de software, e não a novos hardwares, a fim de acrescentar funções a cada ano. É claro, mas muitos fabricantes já fazem isso. As atualizações anuais de software para o iPhone, o iPad e o iPod Touch acrescentam novos recursos a modelos de anos anteriores. As versões frequentemente melhoradas do software para telefones celulares Android são geralmente disponíveis também para todos os modelos mais antigos de telefone. As atualizações do Xbox da Microsoft beneficiam também as gerações mais antigas do videogame.

Porém, em cada um destes casos, há um limite para as melhorias proporcionadas por um novo software. Não é possível acrescentar funções de gravação de vídeo a um telefone celular que não possui uma câmera.

  • Zanone Fraissat /Folhapress

    Lançamento do iPad em 2010 levou "turbas" de consumidores às lojas da Apple; no Brasil, tablet também causou frisson nos applemaníacos

Felizmente, o meu grupo de foco do Twitter ofereceu sugestões que nos conduziriam a um mundo de aparelhos eletrônicos mais verde – sem negar ao público o seu “novo a cada dois” nem privar os fabricantes dos seus lucros. Por exemplo:

- “Incluir envelopes pré-pagos para reciclagem com os novos aparelhos, conforme a HP faz com cartuchos de impressão, a fim de encorajar o consumidor a reciclar, em vez de jogar o produto velho fora”, escreveu @megazone. A maioria das companhias de computadores já oferece programas gratuitos, mas pouco conhecidos, de reciclagem de aparelhos velhos, de forma que essa sugestão poderia funcionar.

- Padronizar conectores e acessórios. Na Europa, por exemplo, todo telefone celular usa o mesmo tipo de fio de carga – micro USB –, de maneira que as pessoas não precisam mais acumular caixas de adaptadores órfãos e incompatíveis. Progressivamente, os fabricantes poderiam deixar de incluir esses cabos padronizados em todas as caixas, economizando dinheiro e redundância.

- “Tornar a reciclagem obrigatória ou cobrar uma taxa”, sugeriu @eclisham. E @timqpeterson propôs uma recompensa para desacelerar o ciclo de atualização – uma “opção de desconto para quem ficar com o mesmo telefone celular por mais do que um período específico”.

- Persuadir a indústria a usar mais materiais recicláveis, como plásticos degradáveis. Algumas companhias, incluindo a Apple, desenvolveram embalagens surpreendentemente minimalistas, que geram a menor quantidade possível de material que vai para o lixo.

As sugestões são boas. Mas o que faria com que os fabricantes as adotassem? Como o atual modelo de produtos descartáveis é supremamente lucrativo, que incentivo teriam as companhias para mudá-lo?

Envolvimento governamental

Bem, o governo poderia se envolver. Afinal de contas, os fabricantes da União Europeia só padronizaram os cabos dos seus telefones celulares depois que isso se tornou obrigatório. As companhias que adotarem materiais sustentáveis como óleo de milho ou soja para a produção dos seus plásticos poderiam ser as próximas a receber incentivos fiscais. Novas leis poderiam exigir a reciclagem ou encorajar a utilização por mais tempo dos aparelhos eletrônicos.

Para aqueles que não apreciam imposições do governo, existe a pressão do consumidor. Quer o produto envolvido seja leite sem hormônios ou roupas de algodão orgânico, quando um problema emerge, ocorrem mudanças. Talvez a sustentabilidade pudesse se tornar uma ferramenta de marketing, e não um custo oculto.

O tempo poderia também mitigar o problema. Quando um produto amadurece – quando a lista de funções se torna o padrão – o nosso incentivo para comprar um “novo a cada dois” anos diminui. Por exemplo, quem mais compra um novo PC a cada dois anos? Ninguém mais compra um televisor, um rádio-relógio ou mesmo uma vídeo câmera a cada dois anos. Sem dúvida um dia os telefones celulares, as câmeras fotográficas e os aparelhos de GPS também chegarão lá.

Por ora, você pode reciclar o seu velho aparelho. Leve pessoalmente ou envie por correio o seu antigo aparelho eletrônico a uma loja da Radio Shack ou Best Buy. Ambas aceitam uma ampla gama de equipamentos velhos como televisores, impressoras, monitores, cabos, telefones celulares, controles remotos e fones de ouvido. E você pode obter algo mais do que apenas a boa sensação de estar fazendo a coisa certa. Dependendo do aparelho, você pode também receber um desconto instantâneo ou um cartão de desconto para compras futuras. Eis aqui os detalhes do programa da Best Buy e da Radio Shack.

Ou procure sites como o Gazelle.com, o maior site de “recomércio”. O Gazelle paga pelo aparelho antigo, pelo transporte (ele até lhe envia uma caixa) e depois o vende no eBay ou o recicla.

Os meus seguidores do Twitter também recomendaram o Freecycle.org (você cede o seu equipamento), o Cellphonesforsoldiers.com e o 911cellphonebank.org (que fornece velhos telefones celulares para organizações de serviços a vítimas para uso em situações de emergência).

Portanto, existem iniciativas que você pode tomar agora, e há uma certa esperança no que se refere a mudanças de longo prazo. Enquanto isso, alegre-se: novos modelos de aparelhos como telefones celulares tendem a diminuir de tamanho com o tempo. No mínimo, isso significa que eles ocuparão menos espaço a cada ano nos depósitos de lixo.