Uma nação de startups

Pobre em recursos e com vizinhos hostis, Israel achou na tecnologia a saída para a prosperidade

Felipe Zmoginski Colaboração para o UOL

Não importa para que lado você olhar. Em Israel, todos os carros são importados. Desde as montanhas de Haifa, no extremo norte, até o deserto de Sinai, na fronteira com o Egito, não há uma única fábrica de automóveis instalada no país. Apesar disso, a principal aquisição da indústria automobilística dos últimos cinco anos aconteceu no país: a compra da Mobileye pela Intel, pela fábula de US$ 15,3 bilhões.

A startup, fundada 17 anos antes da venda, é o exemplo de como o tripé governo, iniciativa privada e universidades transformaram a jovem nação do Oriente Médio, pobre em recursos naturais e com um mercado interno minúsculo, em uma das mais inovadoras e desenvolvidas do mundo, segundo ranking do Fórum Econômico Mundial.

Amnon Shashua é pesquisador da Universidade Hebraica de Jerusalém e criou no fim dos anos 90 um conjunto de chip e câmeras capazes de reconhecer objetos. Recebeu dinheiro público de uma agência de inovação para transformar a ideia em empresa e, depois, apoiado em parcerias com montadoras estrangeiras, criou o sistema Mobileye, que dá nome à sua empresa e é a base da identificação de obstáculos usado nos carros autônomos em desenvolvimento nos Estados Unidos, China e Europa.

Não precisamos ter fábricas de carros aqui, se tivermos as tecnologias mais avançadas para que outros países o produzam. Na atual economia, vale mais pensar na base tecnológica de um produto do que ser capaz de produzir suas peças

Amnon Shashua, fundador da Mobileye

Assim como a startup criada por Shashua, o pequeno país com território equivalente ao estado de Sergipe, no Nordeste do Brasil, coleciona vendas de empresas iniciantes para gigantes do capitalismo global.

Para citar duas: o aplicativo de voz sobre IP Viber, percursor das chamadas de vídeo por internet nos celulares, e o famoso Waze, app líder mundial em seu segmento e companheiro inseparável de motoristas que se tornaram dependentes da tecnologia israelense para dirigir nas grandes cidades.

O app de voz foi comprado, em 2014, pelo conglomerado japonês Rakuten, e o serviço de mapas pelo Google, um ano antes. As transações somadas movimentaram quase US$ 2 bilhões.

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Deserto tecnológico

Para o brasileiro Jonas Rosembaum, investidor que vive há dez anos em Israel, a criação de startups baseadas em alta tecnologia tornou-se a única porta de saída encontrada pela nação criada após o trauma da Segunda Guerra e do Holocausto, que mataram 6 milhões de judeus na Europa.

Quando Israel foi criado, a meta central era sobreviver de forma independente. Isso exigiu enorme militarização, já que o cenário internacional era permanentemente hostil. O segundo passo foi criar tecnologias que nos permitissem avançar economicamente, porque não há petróleo, minério ou terras férteis que assegurem renda para a população israelense

Jonas Rosembaum

De fato, 40% das exportações do país estão concentradas em itens de alta tecnologia, como softwares, chips para computadores e equipamentos de segurança --uma obsessão no país, por motivos óbvios. 

Um dos poucos itens agrícolas relevantes na economia do país, a laranja, é também fruto de uma inovação local, a agricultura por gotejamento --método desenvolvido em Israel que permite, com pouca água, dar grande produtividade às suas terras áridas, evitando perdas da irrigação tradicional com evaporação e absorção pelo solo.

Quando se observam indicadores per capta de inovação, Israel é líder com folga.

É o país do mundo que mais investe em pesquisa e desenvolvimento em relação a seu PIB (4,5%), é o que mais possui volume de capital de risco investido por habitante e, claro, o que mais possui startups per capita. Isso quer dizer uma empresa iniciante para cada 2.000 habitantes, recorde mundial.

Assim como no Brasil os clubes de futebol revelam jovens talentos para vender para Europa, Israel cria startups para comercializar no mercado mundial. A diferença é que startups rendem muito mais

Jonas Rosembaum

Aridez que dá frutos

Entre as razões apontadas para o sucesso tecnológico do país estão a conjunção de uma geografia inóspita, que empurra os cidadãos para soluções criativas, e a imigração de mão de obra qualificada. Estima-se que o país seja o segundo maior beneficiário mundial de imigrantes com pós-doutorado, atrás apenas dos EUA, segundo a Universidade de Tel-Aviv.

Muitos judeus com formação de excelência na antiga União Soviética emigraram com a falência da superpotência comunista, mas também judeus americanos e alemães formados nas melhores universidades de seus países, que se mudavam para Israel movidos pelo sonho sionista.

Para o Dori Goren, cônsul-geral de Israel no Brasil, o militarismo tornou a juventude de Israel mais responsável, menos temerosa em assumir riscos ao empreender e mais capacitadas a agir sob pressão.

No país, o serviço militar dura três anos e é obrigatório para homens e mulheres. A percepção de que a vida pode ser breve e a consciência de que é impossível evitar todos os riscos, favoreceriam os jovens israelenses a aventurar-se pelas incertezas de uma empresa própria, a preferir a estabilidade de um emprego público ou em uma companhia consolidada.

Ensinamos logo cedo os jovens a assumir grandes responsabilidades, administrar recursos e tomar decisões sob pressão

Dori Goren, cônsul-geral de Israel no Brasil

O fato de o mercado interno ser limitado (a população total é de 8,6 milhões de pessoas) também contribui para o desenvolvimento de startups com escala global.

Se uma empresa da China, Estados Unidos ou mesmo do Brasil pode tornar-se um unicórnio (ter o valor de mercado estimado em mais de US$ 1 bilhão) apenas explorando o mercado doméstico, isto é impossível em Israel. Qualquer serviço é concebido, desde os primeiros rascunhos, para ter escala mundial.

A existência das startups e de grandes empresas de tecnologia no país, como Facebook, Apple, Microsoft e Intel, permite que 8% da população local trabalhe na indústria de alta tecnologia, com elevada remuneração.

Amii Applebaum, presidente da AII (Autoridade de Israel para Inovação), um órgão público dedicado que investe U$ 500 milhões por ano para apoiar startups promissoras em setores estratégicos, ressalta que grande parte da população israelense ainda está excluída das indústrias de elevado valor e que, apesar dos avanços, 90% dos habitantes ainda trabalham em setores de baixa produtividade e, portanto, com menor remuneração e prosperidade.

O próximo passo de nossa onda de desenvolvimento é adicionar capacidades digitais como internet das coisas (IoT), robótica, mineração de dados e inteligência artificial em áreas ainda com menos tecnologia, como construção civil, varejo, logística e serviços públicos, como tratamento de esgoto

Amii Applebaum, diretor da Autoridade para Inovação de Israel

Israel tem o maior volume de profissionais trabalhando em startups, enquanto a elite empreendedora do país vê nos setores ainda não beneficiados pela adição de tecnologia espaço para inovar em áreas ainda limitadas a métodos tradicionais de trabalho.

Se tiver sucesso, esta poderá ser a maior inovação de Israel: formular uma economia em que todas as áreas vivem sob a impermanência da inovação constante.

Made in Israel: tecnologias israelenses que todos usamos

  • ICQ

    O precursor das mensagens instantâneas foi criado pela Mirabilis, uma startup de Tel-Aviv que vendeu sua operação para a America Online nos anos 2000. O software foi uma febre no Brasil (e no mundo) nos tempos de internet discada. Atualmente, o ICQ pertence a uma empresa de internet da Rússia, país com uma comunidade ativa de usuários

  • Pendrive

    Transportar arquivos pesados numa época em que "queimar um CD" era caro e demorado e sequer existiam serviços de computação em nuvem, como Google Drive e Dropbox, só se tornou possível pela invenção dos pen drives desenvolvidos por pesquisadores da Intel em seu centro de pesquisas de Jerusalém

  • Viber

    Pioneiro no uso de voz sobre dados em uma aplicação mobile, o Viber já foi popular no Brasil antes de ser desbancado pelo WhatsApp. Em parte da Europa e em Israel, no entanto, ainda é a forma mais popular de fazer ligações sem gastar seu pacote de minutos

  • Waze

    Desenvolvido originalmente para orientar tropas israelenses a se deslocar com precisão nas vielas de Jerusalém Oriental, o Waze tornou-se o aplicativo de navegação mais popular do mundo. Em 2013, a empresa foi vendida para o Google, por US$ 1 bilhão

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