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Vinton Cerf: Por que precisamos lutar pela liberdade da internet

Vinton Cerf*

Em Reston, Virgínia

03/12/2012 18h14

A internet possibilita a cada um de nós a oportunidade de falar, criar, aprender e compartilhar. Hoje, mais de 2 bilhões de pessoas estão online -- cerca de um terço do planeta.

A internet tornou-se um dos motores da economia do século XXI, permitindo a todos alcançar uma audiência global com apenas um clique de mouse, além de criar centenas de milhares de empresas e milhões de empregos.

Saiba quem é Vinton Cerf

  • 5.jun.2006 - Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem

    Vinton Cerf é conhecido como um dos “pais” da internet, pois ajudou a desenvolver os protocolos e a estrutura da internet. Hoje funcionário do Google, ele ocupa o cargo de diretor evangelista de internet (em sua própria definição, trata do desenvolvimento da internet e incentiva as pessoas a usar a rede)

De acordo com um novo estudo da OCDE (sigla em francês para organização para cooperação e desenvolvimento econômica), 13% da produção americana de negócios já acontece dentro da rede. A internet impacta todos os setores, de comunicações a veículos, de restaurantes ao varejo. Desde a imprensa de Gutemberg ou o telefone de Graham Bell que uma invenção humana não oferecia tantas possibilidades para beneficiar a humanidade.

Hoje, esta internet livre e aberta está sob ameaça. Cerca de 42 países filtram e censuram deliberadamente conteúdo da rede, entre os 72 países estudados pela Open Net Initiative (organização que defende a internet livre). E esse número exclui os países que censuram conteúdo constantemente, como Coreia do Norte e Cuba. Nos últimos dois anos, a Freedom House (organização que luta pela liberdade) diz que governos aprovaram 19 novas leis que ameaçam a liberdade de expressão online.

Alguns desses governos estão tentando usar uma reunião a portas fechadas da UIT (União Internacional de Telecomunicações, no dia 3 de dezembro, em Dubai, para promover suas ideias repressivas. Acostumados a controlar a mídia, esses governantes temem perder seu poder para a internet aberta. Eles se preocupam com a propagação de ideias indesejadas. Eles estão com raiva ao ver que as pessoas podem usar a internet para criticar os seus governos.

A UIT quer reunir reguladores de todo o mundo para renegociar um tratado que tem uma década de idade, focado em telecomunicações básicas, antes da existência da web como a conhecemos. Algumas propostas que vazaram no site WICITLeaks poderiam permitir aos governos justificar a censura - ou mesmo o corte do acesso à internet - com base em alterações ao Regulamento das Telecomunicações Internacionais.

Vários regimes autoritários concretamente desejam proibir o anonimato da web, de forma a facilitar a localização e a prisão de dissidentes. Outros governos propuseram transferir as responsabilidades de gerenciamento de nomes de domínio e de endereços de Internet do setor público para as Nações Unidas. E ainda existem outras propostas que obrigariam qualquer provedor de conteúdo da internet, pequeno ou grande, a pagar novas tarifas para poder alcançar pessoas além de fronteiras nacionais.

O resultado? Os próximos empreendedores de garagem terão de enfrentar uma caminhada muito mais difícil e obstáculos financeiros praticamente insuperáveis para poder criar o próximo YouTube, Facebook ou Skype. É importante deixar um ponto bem claro: nós não defendemos o fim da UIT. A agência da ONU ajudou o mundo a gerenciar o espectro de rádio e redes de telefonia com fio e sem fio, trazendo investimento muito necessário para o mundo em desenvolvimento.  Mas este organismo intergovernamental é o lugar errado para tomar decisões sobre o futuro da internet. Apenas governos têm direito de voto na UIT. Isso inclui aqueles governos que não apoiam uma internet livre e aberta. Engenheiros, empresas e pessoas que criaram e que ainda constroem diariamente a web, além dos próprios usuários, não têm direito a voto.

O único caminho sensato é um modelo de política de desenvolvimento da internet que envolve diversos órgãos multissetoriais, como Internet Engineering Task Force, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, o Internet Governance Forum, o Regional Internet Registries, entre muitos outros.

Transparência e abertura são elementos-chave para uma participação informada na elaboração de políticas públicas. As propostas de alteração do Regulamento das Telecomunicações Internacionais  não estão amplamente disponíveis para o público interessado. Por exemplo, a conferência de Dubai e as propostas nela tratadas são formalmente confidenciais. Nós consideramos que isso é uma deficiência grave e um inibidor para o desenvolvimento de políticas públicas efetivas.

No Google, nós vemos e sentimos os perigos da repressão governamental da liberdade de expressão. Isso porque atuamos em cerca de 150 países, e os serviços do Google - incluindo busca, YouTube e Blogger, Gmail e Maps - foram bloqueados em mais de 30 países diferentes, em algum momento, seja temporária ou permanentemente.

Nós não estamos sozinhos nessa luta. Usuários, especialistas e organizações de todo o mundo expressaram sua oposição aos governos que apoiam a regulação da internet por meio do Regulamento das Telecomunicações Internacionais da UIT. E não são apenas países ocidentais que abraçam essas ideias, líderes de internet na África, como o Quênia e a Tunísia.

Ao todo, mais de mil organizações de mais de 160 países têm levantado preocupações sobre essa reunião a portas fechadas em Dubai. Os interessados em internet de todo o mundo podem aprender mais sobre o assunto neste site do Google.

Enquanto alguns governos argumentam que a internet precisa de novas regras globais para acelerar a sua implementação no mundo em desenvolvimento, acreditamos que a abordagem atual, orientada pelo mercado, é a melhor posicionada para manter o crescimento exponencial da rede. Mais serviços de banda larga estão sendo lançados e interrupções de serviço começam a ficar cada vez mais raras. Dentro de alguns anos, espera-se que 4 bilhões de pessoas estejam conectadas -- mais de metade da humanidade.

As práticas de baixo para cima, bilaterais e com múltiplas organizações envolvidas que criaram a rede de redes que chamamos de internet também viabilizam uma ampla gama de modelos de novos negócios. Normas técnicas cruciais desenvolvidas pela Internet Engineering Task Force e pela World Wide Web Consortium criaram a interoperabilidade necessária para que a rede funcionasse.

Um sistema estatal de regulação não é somente desnecessário - ele quase que invariavelmente aumentaria os custos e preços e interferiria com o crescimento rápido e orgânico da internet que temos visto desde seu surgimento comercial na década de 1990.

O futuro da rede está longe de ser garantido, e a história nos oferece muitos alertas. Décadas depois da criação de imprensa de Gutenberg, diversos príncipes e sacerdotes se mobilizaram para restringir o direito de imprimir livros. A história está repleta de exemplos de governos que tomaram medidas para "proteger" seus cidadãos, controlando o acesso à informação e a liberdade de expressão e inibindo outras liberdades enunciadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Temos de lutar, todos juntos, para evitar que a internet tenha um destino semelhante.

* Vinton Cerf, diretor evangelista de internet no Google, é conhecido como um dos “pais” da internet. Ele ajudou a desenvolver os protocolos e a estrutura da internet.