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Governos, clientes e anunciantes questionam falta de transparência do Google; veja as queixas

Sede do Google em Palo Alto, Califórnia; ferramenta de busca decide o que encontramos e em que ordem - Paul Sakuma/AP
Sede do Google em Palo Alto, Califórnia; ferramenta de busca decide o que encontramos e em que ordem Imagem: Paul Sakuma/AP

Do Spiegel Online

30/10/2012 22h23

No dia 15 de outubro, internautas de diversos países que visitaram Google não foram recebidos pela interface padrão do site, mas por uma tira em quadrinhos chamada “Little Nemo in GoogleLand” (O Pequeno Nemo na Terra do Google). A ferramenta de busca estava comemorando o aniversário da primeira publicação do personagem de histórias em quadrinhos em um jornal americano, em 1905.

O Google chama essas surpresas coloridas em sua página de busca, fora isso espartana, de “doodles”. Na tira de quadrinhos original, o personagem Nemo experimenta suas escapadas noturnas a um local chamado “Slumberland” (terra do sono ou sonhos). A pequena mudança do Google no título parecia apropriada. Afinal, atualmente todos nós estamos vivendo na “terra do Google”.

Vivemos aí de modo voluntário e feliz, porque o Google é rápido, fácil e gratuito. Ele se transformou em nossa ferramenta para todos os propósitos para navegação no cotidiano. Ele seleciona o mundo para nós, realiza buscas e encontra informação. E graças ao triunfo do smartphone, o Google agora está onipresente, uma espécie de canivete suíço para o matagal de informação da era digital. O mundo é aquele que o Google nos apresenta.

Nove entre dez alemães à procura de informação online – um número consistente com a presença global do Google – usam atualmente a ferramenta de busca que Sergey Brin e Larry Page lançaram em 1996 sob o nome “BackRub”. Desde 1997, o bebê deles que se transformou em gigante foi batizado com o nome dado ao número 10 elevado à 100ª potência, ou gugol (“googol” em inglês) –o número 1 seguido por cem zeros.

A escolha do nome é uma expressão da meta da empresa de indexar o máximo de páginas de internet possível. Foi uma reivindicação inicial e aparentemente brincalhona de onipotência, uma que não parecia ameaçadora na época. E por que seria? “O Google não é uma empresa convencional. Nós não pretendemos nos tornar uma”, escreveram os fundadores no prospecto para sua oferta inicial de ações em 2004. Mas agora há crescentes dúvidas sobre se o Google é realmente tão diferente de outras empresas. Ou mesmo mais gentil.

Enganados e roubados
Algumas empresas alegam que foram excluídas da ferramenta de busca. Outras sentem que são punidas quando tomam decisões que o Google não gosta. E associações setoriais dizem que os clientes que dependem do Google são enganados e roubados.

Hollande pressiona Google para pagamento de imposto

A pergunta chave é: exatamente quão neutra é a empresa na forma como faz levantamento do mundo da internet?

Um bom argumento sobre o fato de o Google não diferir de outras empresas é que ele busca aplicar de forma rigorosa seu poder de mercado, às vezes em detrimento de seus clientes e usuários. A longo prazo, isso poderia afetar a empresa muito mais adversamente do que a queda no preço de suas ações, que caiu até 10% recentemente devido a lucros menores do que o esperado.

O Google se transformou em um porteiro-chave no mundo interconectado. Como a ferramenta de busca decide o que encontramos e em que ordem, ela exerce um papel chave na decisão sobre onde obtemos nossa informação e onde compramos.

Apesar de a empresa prometer transparência, ele não vive à altura desse ideal quando se trata de seus próprios assuntos. Quando o Google comenta sobre como chega aos resultados de busca, ele o faz apenas vagamente. Por exemplo, a empresa explica que a “relevância” dos resultados de busca é um fator decisivo. Em fevereiro, um lobista do Google disse a um comitê parlamentar alemão que uma busca do Google sempre procura “a melhor resposta” para o usuário.

Mas é a empresa que decide o que é relevante e qual é a melhor resposta. E isso tem consequências sérias, tanto para os usuários quanto para a economia. Atualmente, o bem-estar de uma empresa pode depender de onde ela aparece na lista de resultados de busca do Google, porque essa posição afeta diretamente as vendas.

A mensagem que o Google não mede esforços para comunicar, que os resultados de busca são neutros e também objetivos, é traída pelo fato de o modelo de negócios da empresa depender da monetização de seus resultados de busca. Especialmente quando se trata de busca de produtos e serviços, o Google é regido por interesses tangíveis, os da própria empresa.

Isso cria uma situação insalubre no mercado online, na qual o Google pode escolher seus próprios clientes. Os clientes, por sua vez, não têm escolha a não ser se aliar ao Google e gastar muito dinheiro fazendo isso, caso esperem ter sucesso online.

Isso por si só é um grande problema para muitos concorrentes, mas é reforçado pelo fato de que o Google nunca descansa: ele está constantemente ingressando em novos campos, usando seu tamanho em benefício próprio. Mas isso também aumenta o número de oponentes do Google, que acusam o gigante de dar preferência aos seus próprios produtos nos resultados de busca, como o “Google Maps”, e em buscas de produtos, caso do “Google Shopping”. Diz muito o fato de os críticos do Google agora virem de tantos setores diferentes, incluindo turismo, comércio e editorial.

Preocupações semelhantes
Até o momento, entretanto, havia relativamente poucas críticas ao Google na questão de privacidade de dados. A empresa enfrentou pressão na Alemanha quando começou a tirar fotos de casas e a colocá-las online por meio de sua função “Google Street View”. Em meados de outubro, especialistas em privacidade de dados da União Europeia disseram à empresa que suas regras mais recentes de privacidade não atendem aos padrões europeus.

Mas esses problemas menores não minam o sucesso da empresa, especialmente diante das multas relativamente pequenas por violação de privacidade de dados na Alemanha, cujo teto é de 300 mil euros (cerca de R$ 786 mil). Mas agora algo maior pode estar tomando forma em Bruxelas e em Washington.

O Google está sob investigação preliminar, por distorção da concorrência e manipulação de resultados de busca em benefício próprio, pelo Comissário Europeu de Concorrência desde 2010 e pela Comissão Federal de Comércio (FTC) dos Estados Unidos desde 2011. A questão central é se o Google está abusando de seu poder. A empresa poderia enfrentar o maior processo antitruste desde o julgamento contra a Microsoft no final dos anos 90.

Joaquín Almunia, o comissário antitruste europeu, disse ao presidente-executivo do Google, Eric Schmidt, em maio, que tinha “preocupações” com a empresa em quatro áreas. A FTC aparentemente tem preocupações semelhantes.

Por que o Google (não) é objetivo
O segredo de busca do Google data dos primórdios da empresa – o método PageRank, desenvolvido por Brin e Page quando eram estudantes da Universidade de Stanford. Alguns especialistas sentem que a neutralidade já estava perdida àquela altura; os programadores, afinal, tinham de tomar decisões sobre quanto peso atribuir a que fatores.

Brin e Page escolheram “popularidade do link” como uma característica de um resultado de busca. Segundo esse princípio, os sites que são linkados por muitos outros sites aparecem em um ranking mais elevado do que sites recomendados com menor frequência. Essa é uma constante no algoritmo de busca altamente secreto do Google, uma fórmula que é constantemente redesenhada e atualmente leva mais de 200 critérios em consideração, incluindo “tempo de permanência” e – em uma edição recente – “qualidade”.

Para muitos críticos, o verdadeiro lapso na questão da neutralidade teve início quando o Google, no meio da década passada, começou a oferecer novos serviços próprios, do e-mail Gmail ao Google Maps, do site de vídeos YouTube, que ele adquiriu, até a rede social Google+. O tratamento preferencial dado a esses produtos do Google também está no coração das queixas da UE e da Comissão Federal de Comércio sobre a empresa.

Shivaun Raff foi uma das primeiras pessoas a contestar legalmente a empresa com base na concorrência. Juntamente com seu marido, a cientista da computação, baseada em Londres, dirige um site de busca chamado Foundem. O site de comparação de preço é considerado uma “ferramenta de busca vertical”, que, diferente da busca geral horizontal do Google, mergulha profundamente nos sites de muitos provedores.

A empresa desapareceu repentinamente em junho de 2006, ou pelo menos assim pareceu para o casal Raff. O Foundem não mais aparecia na primeira página dos resultados de busca do Google e frequentemente só aparecia depois da 10ª página. Uma realidade brutal no mundo das compras online é que os resultados que não aparecem nas primeiras três páginas de uma pesquisa no Google são praticamente inexistentes. O número de visitantes do Foundem despencou, e as vendas caíram.

O que aconteceu? O Google tinha mudado seu algoritmo de busca. Os fundadores do Foundem apresentaram uma queixa, sem resultado. Eles dizem que ninguém estava disposto a explicar para eles o que exatamente causou o rebaixamento ou o que poderiam fazer para voltar ao topo da lista. O Foundem ainda recebia bom posicionamento em outras ferramentas de busca, como o Yahoo.

O deserto digital
O casal impetrou uma queixa junto a Joaquín Almunia, comissário antitruste europeu, em novembro de 2009. Funcionou. Apenas um mês depois, o Google aparentemente reverteu o banimento do Foundem, e a ferramenta de busca de preços prontamente voltou à primeira página dos resultados de busca.

O retorno dos Raffs do deserto digital ocorreu depois de serem banidos pelo Google por mais de 40 meses. O espírito de luta deles foi despertado. “O tempo todo o Google alegou que suas buscas eram neutras e se comportou como se não houvesse um problema”, diz Shivaun Raff. “É como se você estivesse em pé diante de uma fábrica de fogos de artifício explodindo e dissesse: ‘Pessoal, não há nada para ser visto aqui.’”

O casal documentou como o Google supostamente prejudicou sua empresa e outras ferramentas de busca verticais. O Foundem alegou que o serviço de comparação de preço “Product Search” do Google sistematicamente recebe a preferência. Apenas de 2007 a 2009, “o fluxo de clientes para os principais serviços de comparação de preços britânicos caiu 41%, enquanto o número de visitantes ao Google Product Search aumentou 125%”.

Os Raffs forneceram documentação extensa desses números, com imagens capturadas da tela e infográficos, e compilaram um documento de nove páginas resumindo seus resultados. No documento, “Como o Mecanismo de Busca Universal do Google Ameaça a Concorrência e a Inovação na Internet”, eles argumentam que a manipulação dos métodos de busca “transforma a ferramenta de busca ostensivamente neutra do Google em um canal de marketing imensamente poderoso para os outros serviços do Google”.

O Google rebate, dizendo que analisa os sites “sem consideração por competirem ou não com o Google”. Ainda segundo a empresa, seu principal critério é “o que é útil para o usuário”.

Não se meta com o Google
Um tribunal francês chegou a uma conclusão diferente no início de 2012. A empresa de mapeamento Bottin processou o Google em Paris por explorar sua posição dominante de mercado. O tribunal ordenou que o Google pagasse 500 mil euros (cerca de R$ 1,3 bilhão) em danos por ter “explorado abusivamente” seu poder de mercado. O gigante de internet apelou do veredicto. Enquanto isso, uma ferramenta de busca francesa está fazendo alegações semelhantes e processou a empresa em quase 300 milhões de euros (cerca de R$ 790) no Tribunal Comercial de Paris.

A diretoria do conglomerado de mídia alemão ProSiebenSat.1 Media AG, com sede em Munique, também não está contente com a conduta de negócios do Google. Por exemplo, quando Thomas Port, o diretor administrativo da empresa de marketing do conglomerado, digitou o nome do programa de futebol do canal Sat.1 em uma busca de vídeo do Google, o conteúdo do YouTube apareceu à frente dos serviços de vídeo da empresa.

A empresa alemã não sabe ao certo por que isso aconteceu, especialmente considerando que as reproduções de suas transmissões no YouTube são legalmente duvidosas. A emissora usa um sistema que o Google oferece para filtrar conteúdo legalmente protegido. “O Google não revela por que um resultado de busca deve ser melhor do que outros”, diz Port.

Seu chefe, Thomas Ebeling, presidente-executivo do grupo de mídia, expressou sua opinião de modo um pouco mais claro recentemente. “Quase ninguém sabe por que um resultado de busca aparece entre as primeiras dez posições na lista de resultados de busca. Mas todos nós sabemos que não mais aparecerá no topo, caso se meta com o Google”, disse em uma conferência de mídia em setembro.


A direção da ProSiebenSat.1 acredita ter motivos para ceticismo. Quando o Google ofereceu ao grupo de mídia a chance de exibir seu conteúdo no YouTube e a ProSiebenSat.1 recusou, algo misterioso aconteceu: seu site de vídeo, MyVideo, de repente despencou na lista de resultados de busca do Google. Em uma semana, dizem os executivos da empresa, o número de visitas ao MyVideo caiu 80%. Foi coincidência ou punição?

Quando perguntado sobre o motivo, o Google ofereceu uma resposta geral, dizendo que uma queda no ranking de uma empresa costuma ser causada por uma “mudança significativa no algoritmo de busca ou uma mudança na estrutura técnica de um site de Internet”. Os diretores da empresa de Munique insistem que essencialmente nada mudou em seu site de vídeos.

Prejudicial às empresas
O Google também parece dar preferência aos seus parceiros de negócios, às vezes em detrimento do consumidor. Há apenas poucas semanas, a ferramenta de busca anunciou um joint venture com a Deutsche Bahn. Logo depois, a associação ferroviária privada Mofair começou a se queixar que o “Google e a Deutsche Bahn estão enganando e prejudicando os usuários de trens”.

Os usuários alemães da ferramenta de busca agora podem ter as conexões ferroviárias exibidas nos serviços de mapas do Google, mas apenas as conexões fornecidas pela empresa ferroviária nacional alemã são exibidas. Os concorrentes foram deixados de fora, mesmo se suas conexões forem mais baratas ou mais rápidas.

Por exemplo: aqueles que não estiverem cientes de que agora existe uma alternativa para a linha ferroviária entre Hamburgo e Colônia, chamada HKX Express, uma empresa cuja passagem mais cara é 15 euros (cerca de R$ 40) mais barata do que a da Deutsche Bahn, não saberão a respeito da companhia pelo Google Maps.

As coisas ficam ainda piores caso você queira viajar de trem entre as cidades alemãs de Cottbus e Görlitz, no leste. Se você digitar essa busca no planejador de rotas do Google, ele oferece uma conexão mais longa, que envolve mudança de trens em Wegliniec, Polônia. Tempo de viagem: 4 horas e 32 minutos. Isso é quase quatro vezes mais do que a viagem direta por uma linha privada, a Ostdeutsche Eisenbahn. Mas ela também não está presente no Google Maps.

“O que está acontecendo no Google é realmente prejudicial às empresas”, diz Wolfgang Meyer, o presidente da Mofair. A Deutsche Bahn justifica suas ações dizendo não estar autorizada a passar informação de seus concorrentes, enquanto o Google insiste que ninguém está sendo excluído e que “outros provedores poderiam ter trabalhado conosco no passado”.

O problema, o de o gigante americano estar abusando de sua posição dominante para promover seus próprios interesses, pode se intensificar no futuro. A empresa está atualmente desenvolvendo novo conteúdo e novos produtos. O Google está comprando editoras de livros de viagem, contratou produtores para adicionar material exclusivo aos canais do YouTube e, na semana passada, foi revelado que o Google também está considerando lançar um site de comparação de preços online para seguros para carros na Alemanha.

As armadilhas do negócio de anúncios
Como as primeiras posições na lista de resultados do Google são muito valiosas, a empresa vende os melhores resultados para termos populares de busca como “férias” ou “planos de saúde” como anúncios – o conteúdo é identificado como pago e exibido com um fundo colorido. Os resultados na coluna estreita à direita também são posições compradas.

O Google diz usar um sistema de leilão para venda das palavras-chave. A característica principal é que as empresas só pagam quando os usuários clicam de fato em seus sites. O sistema, conhecido como AdWords, é complementado pelo AdSense, que transporta os anúncios do Google para sites de terceiros. As duas funções fornecem à empresa mais de 90% de seu total de vendas.

Cada milímetro da janela de busca é disputado arduamente, especialmente no caso de termos de busca que deixam claro que os usuários provavelmente farão uma compra.

O mercado imobiliário é uma comparação adequada. A metade superior da página de resultados do Google é um palacete à beira do lago com vista espetacular, com a vista sendo o equivalente aos cliques e encomendas potenciais. Como termos de busca como “Quando Johannes Gutenberg morreu?” representam uma baixa intenção de compra, a página de resultados é livre de anúncios. A história é diferente com termos como “tênis de corrida tamanho 40”. De repente as coisas ficam mais competitivas e três anúncios pagos do AdWords podem ocupar grande parte da tela.

Um dos motivos para o posicionamento no topo da página na área paga de busca ser tão cobiçado é que, segundo uma análise de vários estudos pela Wordstream, uma firma com sede em Boston, 45% dos usuários não conseguem distinguir entre as propagandas e os resultados orgânicos. Isso também indica por que esse negócio altamente disputado tem suas armadilhas. As empresas que são afetadas adversamente acusam o Google de falta de transparência e de violar suas próprias regras de propaganda.

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    Flagras do Street View reúnem incêndio, gente urinando e até pedido de casamento

Queda no ranking
Também há queixas frequentes sobre a onipotência dos administradores do Google. Eles decidem quem pode anunciar e quem não. Tabaco, jogos de azar e prostituição, por exemplo, são proibidos. A Equipe de Políticas da empresa, que basicamente policia os anúncios no Google, decide se a qualidade de uma página acessada pelos usuários por meio da busca do Google é ou não adequada. A equipe também impõe penas e, se uma empresa estiver sem sorte, pode cair várias posições na lista de resultados de busca. No pior caso, o Google pode fechar totalmente uma conta AdWords.

Uma pessoa que sente que foi tratada injustamente é Markus Orth, o presidente da L’Tur, uma agência de viagens alemã. Ele se irrita pelo Google às vezes fazer vistas grossas quando grandes clientes violam as regras.

Por exemplo: quando usuários do Google na Alemanha pesquisavam o termo de busca especialmente cobiçado “Urlaub” (“férias”) em uma noite de sexta-feira recente, eles recebiam uma lista de resultados de busca que incluía, na seção de anúncios pagos, três sites com links para a empresa de viagem Unister, com sede em Leipzig. Segundo as regras do AdWords, uma empresa só pode postar um anúncio em resposta a uma palavra-chave. O chamado serviço duplo é proibido.

“É incrível que o Google, neste caso, claramente tolere múltiplos anúncios para termos de busca”, diz Orth, especialmente por isso ter consequências sérias para o mercado. “Desse modo, os autonomeados pioneiros da internet no setor monopolizam termos de busca como ‘férias’, ‘feriados’ e ‘último minuto’, aumentando os custos para todos os demais.” O próprio Google, é claro, “ganha muito dinheiro no processo”, acrescenta Orth.

O Google insiste que monitora constantemente o cumprimento das regras. A Unister diz que não é verdade que esteja “violando as políticas”.

‘Bilhões de anúncios’
Algumas empresas gostariam de comprar anúncios, mas não são autorizadas. Um desses casos é o da Steamo.de, que vende cigarros eletrônicos. Apesar de o produto ser permitido na Alemanha e não conter tabaco, as regras do AdWords proíbem cigarros eletrônicos –bem, mais ou menos.

Aparentemente as regras não se aplicam a todos. Em uma sexta-feira recente, o termo de busca “e-cigarette” (“cigarro eletrônico”) apresentou uma propaganda correspondente à busca do termo, mas era da Amazon.

“Eu fiquei furioso pelo fato de a Amazon, que é uma grande cliente do Google, ter sido autorizada a fazer algo que nós não podemos. Isso prejudica demais nosso negócio”, diz o chefe da Steamo, Till Hermann. Quando perguntado sobre o caso, o Google reconhece que foi um erro. Mas diante de “muitos bilhões de anúncios”, diz um porta-voz da empresa, “algumas violações das regras sempre acontecerão”.

Muitas empresas que se sentem prejudicadas pelo Google estão irritadas, mas agindo discretamente. Hans Biermann, o presidente-executivo da Euro-Cities AG, entretanto, já impetrou vários processos contra o Google. Sua empresa tenta atrair usuários para seus mapas de cidades online, colocando anúncios correspondentes aos termos “mapa da cidade de Munique”, ou “mapa da cidade de Hamburgo”. Mas depois que o Google entrou no negócio de mapas, diz Biermann, as coisas ficaram mais difíceis para sua empresa.

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    Artista cola nas ruas imagens em tamanho real das pessoas clicadas pelo Google Street View

O gigante de internet, por exemplo, tomou um dos velhos clientes de Biermann, o site oficial de Munique, Muenchen.de. Diferente do Euro-Cities, o Google fornece ao site da cidade seu material de mapas gratuitamente. Em troca, o gigante de internet recebe uma parte da receita dos anúncios.

Quando Biermann lançou uma campanha de anúncios no Google no início de 2010, para mapas de várias cidades, ele foi surpreendido ao ver diferenças de preço significativas pelos cliques. Enquanto os cliques em Hamburgo mantinham o nível de preços padrão, os valores subiram para Munique, onde o próprio Google se beneficia de receitas mais altas. Biermann sentiu que a política de preços proibitiva do Google estava afugentando a concorrência e impetrou uma queixa por “obstrução injusta” junto ao Escritório Federal de Cartéis da Alemanha. O Escritório de Cartéis encaminhou parte do caso para a agência antitruste da UE, onde agora faz parte da atual investigação.

Biermann também suspeita do método do Google de realização de leilões não transparentes e realizou alguns testes por conta própria para descobrir se sua suspeita era legítima. Ele obteve domínios inventados e os utilizou para comprar anúncios pelo AdWords. “Os preços logo dispararam, apesar de claramente não haver ofertas concorrentes pela palavra-chave.”

Truques do ramo
O Google nega esse comportamento dissimulado, dizendo: “Pode haver vários motivos para o custo por clique subir para os clientes de anúncios, como o declínio no fator qualidade ou mais concorrência no leilão”.

Enquanto isso, um setor jovem que se desenvolveu em torno dos anúncios está se beneficiando com os preços altos do AdWords do Google. Devido ao custo por clique estar constantemente subindo (especialmente com termos de busca populares) e como algumas empresas não são nem mesmo autorizadas a comprar anúncios, os chamados otimizadores de mecanismo de busca, ou SEOs, estão se saindo muito bem. Um deles é Maik Metzen, da agência AKM3 de Berlim.

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    Este reportagem foi publicada originalmente na revista “Der Spiegel”, edição de 22 de outubro; acima, a capa da revista alemã 

No momento, Metzen está analisando o site de um provedor de serviços financeiros que apareceu no topo da lista de resultados de pesquisa do Google por anos. De repente, ele despencou. Na época, o Google estava renovando seu algoritmo no contexto de um projeto chamado “Panda”.

Metzen está familiarizado com os truques que podem ser usados para tornar o site mais atraente para o Google, mesmo com o Panda, mas também está familiarizado com os problemas do setor e fala abertamente a respeito. “É claro, o SEO é sempre arriscado, porque o Google combate os sites otimizadores”, diz Metzen. “Mas nada funciona sem SEO, porque todo mundo faz isso.” O site “Spiegel Online” também é otimizado, apesar de ser por outro provedor.

Em outras palavras, a relevância de um site para o usuário é apenas parte do motivo para acabar no topo da lista de resultados de busca do Google, mesmo na seção orgânica da lista. Particularmente quando se trata da busca por produtos ou serviços, o tamanho da carteira do provedor sempre tem um papel importante. O fato é que quase todo mundo que aparece na primeira página de um termo de busca razoavelmente atraente pagou para estar lá – seja diretamente ao Google ou para especialistas externos e internos de SEO.

Lobby pela “busca justa”
A abertura do novo escritório do Google em Unter den Linden, o famoso bulevar no coração de Berlim, parecia mais uma festa descolada do que uma noite para pessoas em traje padrão de negócios. No evento no final de setembro, coquetéis criados para a noite eram servidos no enorme bar. O sentimento era relaxado e animado, apesar de os convidados VIPs não incluírem nenhum alto executivo americano do Google e nenhum ministro alemão.

O crescente grupo de oponentes do Google fez todo o possível para estragar a festa. Naquela manhã, uma propaganda gigante apareceu na página 3 do “Frankfurter Allgemeine Zeitung”. A propaganda descrevia o presidente executivo do Google, Eric Schmidt, sob o título “Confiar Neles?” A mensagem da principal organização por trás da propaganda, a FairSearch Coalition (coalizão da busca justa), era clara: nós estamos de olho em vocês.

Alguns dos membros fundadores da FairSearch são concorrentes do Google, incluindo a TripAdvisor e a Expedia. A aliança foi criada depois que o gigante de ferramenta de busca adquiriu a ITA, a líder de mercado em software de reserva de voos, em 2010. A Microsoft se juntou ao grupo posteriormente.

Outro membro proeminente do lobby antigoogle é a Iniciativa para um Mercado Online Competitivo, ou Icomp (na sigla em inglês). A Microsoft também é uma força por trás da Icomp, que conta com a ProSiebenSat.1  como um de seus membros mais recentes. A Icomp chamou atenção recentemente, quando divulgou estudos sobre o poder de mercado do Google e a ameaça resultante à diversidade de opiniões. O Foundem é membro tanto da FairSearch quanto da Icomp.

Saindo da festa
O Google tenta minimizar o trabalho investigativo e de lobby das duas organizações, notando que a principal força por trás das duas é seu principal concorrente, que está conseguindo pouco progresso no mercado com sua própria ferramenta de busca, o Bing. A história que apoia essa interpretação apareceu recentemente na revista de negócios alemã “Brand eins”.

Enquanto isso, o Google se prepara para a batalha de lobby em torno de questões antitruste pendentes, apresentando seus próprios pareceres de peritos, alguns dos quais chegaram a resultados notáveis. Por exemplo, o perito legal americano e blogueiro conservador Eugene Volokh conclui em um documento encomendado pelo Google que a empresa basicamente age como uma editora quando apresenta as listas de resultados de busca, o que colocaria as listas sob a proteção da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos.

Volokh argumenta que mesmo se o Google favorecesse seus próprios serviços, isso seria coberto pelas proteções à liberdade de expressão, o que o deixaria virtualmente inatacável. O Google resume isso e outros argumentos em seu site de lobby alemão, o www.google.de/competition.

O Google respondeu prontamente à propaganda inamistosa da FairSearch no dia da inauguração de seu novo escritório em Berlim. Cópias da edição da “Brand eins” contendo o artigo sobre a FairSearch e a Icomp eram distribuídas aos convidados ao deixarem a festa.

O governo enfrenta o Google
Em frente ao prédio da Comissão Federal de Comércio, em Washington, há duas esculturas descrevendo homens musculosos tentando controlar cavalos selvagens. A duas estátuas, criadas pelo artista Michael Lantz em 1942, são chamadas de “Homem Controlando o Comércio”.

Os funcionários da FTC realizam essa tarefa hercúlea em um prédio que parece ter mudado pouco desde sua abertura, em 1938. Os corredores são longos e sombrios, os móveis são feitos de madeira escura e as cadeiras são desconfortáveis. O contraste entre o prédio da FTC e o arejado e colorido Googleplex, na Califórnia, não poderia ser maior. O fato de a agência estar se preparando para uma batalha antitruste significativa não é aparente apenas pelo memorando de cem páginas noticiado pelo “The New York Times”. Algumas decisões recentes de pessoal na agência, envolvendo a contratação de especialistas relevantes, também sugerem que esse é o caso.

O dia da decisão também está se aproximando no lado europeu do Atlântico. Até o momento, o comissário Almunia evitou uma ação legal, preferindo se concentrar nos compromissos assumidos pelo Google. Uma ação antitruste formal levaria anos, como a comissão sabe muito bem, desde sua cruzada contra a Microsoft. E os consumidores se beneficiariam pouco com essa ação, mesmo se terminasse com uma multa pesada.

Mas o Google parece estar procurando briga. A empresa respondeu com uma clara ameaça ao plano da França de cobrar uma taxa das ferramentas de busca ao apontarem para o conteúdo dos jornais franceses. Se a lei for aprovada, diz o Google, ele simplesmente deixará de listar os sites de mídia franceses em seus resultados de busca. A Alemanha está considerando uma lei semelhante.

Um motor de crescimento econômico
No caso antitruste, por outro lado, uma coisa espantosa aconteceu: a empresa está fazendo concessões pela primeira vez. Até recentemente, o Google negava categoricamente todas as acusações, argumentando que a concorrência estava a apenas um clique de distância. Além disso, argumentava o Google, ele não impede a concorrência, apresentando-se como um motor de crescimento para a economia.

O Google tem se mostrado confiante, frio a ponto da arrogância, ao menos na superfície, e completamente intrépido. Mas agora a empresa fez suas primeiras propostas à comissão e elas estão sendo examinadas em Bruxelas. O gigante de internet, por exemplo, está oferecendo identificar mais claramente seus próprios serviços, talvez pelo uso de cor e da marca Google.

Mas isso não basta para as autoridades antitruste de ambos os lados do Atlântico. Na busca por soluções, o professor de Direito de Freiburg Boris Paal sugere a adoção de medidas cautelosas: nenhuma regulação nacional, como no caso das empresas de radiodifusão, mas sim padrões internacionais de concorrência, selos de qualidade, um código de conduta e um centro para recebimento de queixas. A Foundem está pedindo pela chamada neutralidade de busca, que significaria listar os serviços do Google de acordo com os mesmos critérios de busca que os da concorrência.

Outros anseiam por uma alternativa real, uma espécie de ferramenta de busca pública europeia. No ano passado, o copublisher do “Frankfurter Allgemeine Zeitung” Frank Schirrmacher a descreveu como talvez “o projeto de tecnologia mais importante do momento”.

Apenas pesquise no Google
O único problema com a ideia é que ela já foi tentada antes e fracassou. Quaero seria supostamente a resposta franco-alemã ao Google. Mas em vez de participar no joint venture, o Ministério da Economia alemão decidiu lançar seu próprio projeto, chamado Theseus. O governo destinou 100 milhões de euros (R$ cerca de 263 milhões) para cada projeto ao longo de vários anos. Isso pode soar muito dinheiro, mas o Google investiu mais de US$ 5 bilhões (R$ 10,1 bilhões) em pesquisa e desenvolvimento apenas em 2011.

O resultado é que uma empresa que antes era tão não convencional pode agora ser forçada a seguir o caminho convencional, o das agências antitruste. Mas elas também terão dificuldade para criar condições mais justas na Terra do Google. Antigas receitas e modelos têm uso apenas limitado em um momento em que os mercados e as tecnologias mudam mais rapidamente do que nunca.

A tarefa das agências antitruste de encontrar uma resposta adequada para o poder do Google no mercado parece ser a mais urgente e ao mesmo tempo a mais difícil no momento. Afinal, a solução não pode ser apenas encontrada em uma pesquisa no Google.