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Ministro: governo aceita ajustes no Marco Civil, mas manterá neutralidade

Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, durante congresso realizado em setembro  - Andre Coelho/ Agência O Globo
Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, durante congresso realizado em setembro Imagem: Andre Coelho/ Agência O Globo

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

12/11/2013 11h34

Na tentativa de resolver impasse com a base aliada na Câmara e conseguir votar o Marco Civil da Internet, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta terça-feira (12) que o governo aceitará fazer modificações na redação do projeto de lei, sem que isso prejudique questões caras ao Planalto, como a neutralidade. 

A declaração foi dada após reunião na Câmara dos Deputados com líderes da base aliada e a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais). 

Segundo Cardozo, as mudanças envolvem apenas “questões técnicas”. “A questão da neutralidade tem tido uma grande discussão com alguns segmentos da base. O governo defende a neutralidade, mantém a sua posição, mas acredito que é possível superar alguns entraves com alguma questão redacional, sem que abramos mão de alguns princípios que são próprios para garantia da isonomia.”

Após a reunião, o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), disse que discute apenas “fatos” e não “tese”, referindo-se à promessa de o governo ajustar o texto. “Eu discuto fato. Fato é o que vier me propor por escrito. Se o que estiver escrito refletir aquilo que a minha bancada se posicionou, terá o nosso apoio. Senão, não.”

Ele voltou a bater na tecla que o texto atual do Marco Civil encarecerá o serviço para o usuário. “Com relação ao que o relator [deputado Alessandro Molon (PT-RJ)] propôs, ele está interferindo na atividade econômica, está interferindo com os usuários, fazendo com que os usuários, ao fim, paguem mais caro na utilização da internet. O PMDB é contrário a isso.”

Cardozo afirmou estar "animado" com a perspectiva de acordo. "Eu saio animado com a possibilidade de chegarmos a um bom resultado em que a neutralidade, evidentemente, ficará assegurada, mas atendendo a situações estritamente técnicas que possam dar maior clareza ao texto."

Considerado uma espécie de “Constituição” da internet, o projeto de lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no Brasil.  Já a neutralidade defende tratamento igualitário de todo o tráfego de internet por parte das operadoras de internet fixa e móvel. Na prática, ela impediria que essas empresas vendessem pacotes limitados (como acesso restrito a redes sociais).

PMDB afirma apoiar neutralidade, mas não como está no marco civil

Votação
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que levará à reunião de líderes, nesta terça-feira, o pedido para o governo não votar o Marco Civil nesta semana e, assim, conseguir mais prazo para fechar um acordo com a base aliada.

“Vamos ver se os líderes compreenderão esse tempo a mais, porque é muito desconfortável. A pauta da Câmara está trancada há semanas”, afirmou.

O líder do PT na Câmara, deputado José Guimarães (CE), afirmou que a base aliada também defende a votação somente na próxima semana, para dar tempo de se chegar a um consenso sobre matérias polêmicas, como o Marco Civil.

Guimarães disse que as divergências com a bancada do PMDB são principalmente políticas, mas que acredita ser possível chegar a um entendimento até terça-feira (19). Para a semana que vem também ficariam a votação do piso para os agentes comunitários de saúde e a continuação da discussão sobre o Código de Processo Civil.

Já Cardozo disse que ainda serão realizadas novas reuniões entre as bancadas para tentar chegar a um acordo. "É ainda um processo em construção." Por conta disso, o ministro considera mais provável que o Marco Civil seja votado só na semana que vem.

Relator do marco civil da internet defende neutralidade 

"Estamos discutindo alguns aspectos em que pode haver acordo. Por isso, o encaminhamento é propor ao presidente da Casa que nos dê ainda alguns dias para que possamos ter um fechamento desse texto."

Regime de urgência
O Marco Civil tramita em regime de urgência após pedido da presidente Dilma Rousseff em resposta às denúncias de espionagem por parte dos Estados Unidos. Por conta disso, o projeto tranca desde 28 de outubro a pauta das sessões ordinárias e nada poderá ser votado antes dele.

No entanto, ao mesmo tempo em que o governo se articula para conseguir aprová-lo, há outro ponto preocupando o Executivo: a aprovação do piso nacional para agentes comunitários de saúde. Por conta do impacto que o piso teria no Orçamento da União, o governo quer antes conseguir um consenso sobre essa questão para só, então, votar o Marco Civil e, assim, liberar a pauta.

Neutralidade
As empresas de telecomunicações (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT) não são a favor da neutralidade e reivindicam o direito de vender pacotes fechados. Já os provedores acreditam que a internet deve ser neutra e que planos fechados limitam a liberdade de o usuário conhecer novos sites, além de impedir que outras empresas de conteúdo digital ganhem espaço no mercado.

Na discussão sobre o Marco Civil, o governo defende a neutralidade. "Não cogito abrir qualquer brecha na garantia da neutralidade da rede. Esse, que é o coração do projeto, não pode ser violado e nós vamos lutar por ele até o fim", afirmou o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto.

Segundo ele, aprovar o Marco Civil sem a neutralidade seria "preconceito contra pobre". Isso porque, explicou, ao oferecer planos limitados (apenas para enviar e receber e-mails, por exemplo), as empresas não forneceriam uma experiência completa aos usuários.

Do outro lado está o PMDB, que prevê o encarecimento do acesso à internet no Brasil. "Se for necessário oferecer uma infraestrutura igual para todo mundo, de forma ilimitada, tenho de oferecer a maior. Não tem almoço de graça [...]. Alguém vai pagar a conta e óbvio que isso aumenta o custo para o usuário", disse o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB na Câmara. Molon negou que a aprovação da neutralidade encareceria o acesso.


Veja abaixo perguntas e respostas que explicam o Marco Civil

- O que é o Marco Civil?
Projeto de lei que estabelece "princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil". As determinações do projeto dizem respeito aos usuários de internet, os provedores de conexão, provadores de conteúdo e o governo.

- Quais são dos direitos e garantias estabelecidos pelo Marco Civil?
Os destaques do projeto são: o direito à privacidade, o sigilo das comunicações, o direito à não suspensão da conexão, a manutenção da qualidade contratada da conexão e informações claras e completas sobre coleta, uso, tratamento e proteção de dados pessoais.

- Quais os objetivos do Marco Civil?
Um dos principais motivos da criação do projeto de lei é a insegurança jurídica, que acaba gerando “decisões inconsistentes”. Um exemplo foi o caso da modelo Daniela Cicarelli. Após processar o site YouTube, pelo fato de usuários terem postado um vídeo íntimo da modelo, um juiz determinou que o site de vídeos fosse bloqueado no país.

- Quem participou da elaboração do projeto?
A iniciativa para a criação do projeto começou em outubro de 2009 e partiu da Secretaria de Assuntos Legislativos da Justiça (SAL/MJ) e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. O projeto ao longo dos anos recebeu contribuições da sociedade civil, parlamentares e representantes de empresas. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) é relator do projeto.

- O que o Marco Civil estabelece sobre a neutralidade da rede? 
Esse item propõe que o responsável pela transmissão do conteúdo deve tratar de forma igual quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino. Essa área envolve dois setores: as empresas de telecomunicações (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT, entre outros), que fornecem conexão à internet, e provedores de acesso (como UOL, Terra, IG e Globo).

As teles reivindicam o direito de vender pacotes fechados de internet, como planos para celular que limitam acesso a redes sociais ou sites pré-determinados. Já os provedores acreditam que a internet deve ser neutra e que a escolha de planos com conteúdos fechados limita a liberdade de o usuário conhecer novos sites, além de impedir que outras empresas de conteúdo digital ganhem espaço no mercado.

- O que o Marco Civil estabelece em relação à remoção de conteúdo da internet?
O conteúdo publicado na rede envolvendo questões de direitos autorais poderá ser tirado do ar após uma simples notificação - sem a necessidade de decisão judicial.

- O que o Marco Civil estabelece em relação a conteúdo ofensivo?
Os provedores só terão de remover conteúdo mediante ordem judicial. O provedor de conexão não será responsabilizado civilmente por essas ações. Mas isso pode acontecer com o provedor de aplicações, caso não sejam tomadas providências após “ordem judicial específica” para tornar indisponível o conteúdo. O texto diz que o marco visa “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”.

Deputado mostra apoio em forma de literatura de cordel

- O que o Marco Civil estabelece quanto à privacidade?
O Marco Civil assegura ao internauta o direito de inviolabilidade da intimidade e vida privada, além da inviolabilidade e sigilo do fluxo e de suas comunicações pela internet (salvo por ordem judicial).

Os prestadores de serviços não podem fornecer dados pessoais e de registros a terceiros - a não ser que haja consentimento para isso.  As companhias também precisam informar de forma “clara e completa” sobre a coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção desses dados. Ao término da relação entre as partes, o usuário pode requerer a exclusão definitiva das informações fornecidas a aplicação de internet.

- O que o Marco Civil estabelece quanto ao registro de dados?
Os provedores de conexão devem manter os registros (data e hora de início e término da conexão, duração e endereço IP) sob sigilo, em ambiente controlado de segurança, por um ano. Já os provedores de aplicações de internet (caso do Facebook e Gmail, por exemplo) podem optar por não guardar esses registros – uma ordem judicial, no entanto, pode obrigá-los a fazer o armazenamento por “tempo certo”.

As operações de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de dados (registros, dados pessoais ou comunicações) devem ter pelo menos um desses atos realizado em território nacional. Dessa forma, precisa respeitar a legislação brasileira. O Poder Executivo, por meio de decreto, pode ainda obrigar provedores de conexão e aplicações de instalarem ou utilizarem em território nacional suas estruturas para armazenamento, gerenciamento e disseminação de dados.