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Marco Civil quer exclusão rápida de vingança pornô, mas não determina prazo

Ana Ikeda

Do UOL, em São Paulo

26/02/2014 06h00

A vingança pornô, termo utilizado para casos em que conteúdo sexual é vazado na internet por um parceiro da vítima, ganhou destaque no novo texto do Marco Civil da Internet. Se aprovado, serviços de internet que não retirarem do ar o material após notificação extrajudicial podem responder na Justiça pelos danos causados à vítima.

Especialistas consultados pelo UOL acreditam que a mudança pode agilizar a exclusão de conteúdo, mas também mencionam uma discrepância: outros conteúdos danosos não tiveram um tratamento tão específico no projeto de lei.

O que diz o artigo 22 do Marco Civil da Internet

O provedor de aplicações de Internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros poderá ser responsabilizado subsidiariamente pela divulgação de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado sem autorização de seus participantes quando, após o recebimento de notificação, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

De acordo com o artigo 22 do Marco Civil da Internet, é necessário fazer uma notificação direta aos provedores de aplicações de internet – Facebook e Twitter são exemplos –, pedindo a retirada do conteúdo da vingança pornô. Se não removerem esses dados, as empresas se tornam corresponsáveis pelos danos.

Já para outras situações, como uma ameaça de morte, por exemplo, a vítima continua a necessitar de uma notificação emitida pela Justiça, que pode demorar meses para ser obtida.  “Todo ato ilícito teria que ter o mesmo tratamento, não somente casos de nudez e cenas de sexo vazadas na internet. Mas é melhor termos isso no Marco Civil do que não ter nada”, considera Renato Opice Blum, advogado especializado em direito digital.

Sendo assim, o especialista considera a inclusão do artigo 22 como uma espécie de “remendo” à legislação. Isso porque, no texto antigo, o Marco Civil estabelecia que qualquer conteúdo infrator, sem distinção, estaria sujeito a pedido judicial para ser retirado - se não obedecesse à Justiça, o provedor se tornaria civilmente responsável por danos à vítima. Agora, somente no caso da “vingança pornô”, um pedido extrajudicial basta para o mesmo ocorrer.

Promessa de agilidade
Para Cristina Sleiman, especialista em direito digital, embora o Marco Civil da Internet esteja longe de “ser perfeito”, a inclusão do artigo 22 é um avanço pela possibilidade de agilizar o processo de retirada do conteúdo infrator de veiculação. Pedidos de exclusão de conteúdo via Justiça demoram, em média, mais de 30 dias (entre a entrada com o processo judicial, obtenção da liminar e a citação dos réus), explica Cristina.  

Já Opice Blum discorda e diz que talvez possa ocorrer, ao contrário, demora sem a citação de um prazo mínimo. “Há pelo menos dez anos os tribunais brasileiros criaram uma jurisprudência sobre o tema, que é a retirada em até 24 horas do conteúdo do ar após notificação extrajudicial. Agora, será preciso contar com a cooperação para que isso continue a ser feito no menor tempo possível.”

Punição branda
A especialista diz que são frequentes os casos de “vingança pornô” relacionados a ex-namorados e, principalmente, entre adolescentes. Isso reforça a necessidade de medidas mais severas para punir quem pratica o ato.

Atualmente, os menores de idade infratores recebem apenas medidas socioeducativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Já adultos, nos casos que envolvem violência psicológica e danos morais, podem ser julgados segundo a Lei Maria da Penha. “Mas ainda que sejam necessárias medidas inibitivas, esse artigo é bem-vindo”, diz Cristina.

Já André Onodera, membro da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB-SP, acredita que o artigo 22 apenas põe no papel uma prática comum dos advogados que tratam de casos de vingança pornô na internet.

“A notificação extrajudicial já ocorre na prática e foi colocada no papel. O problema são as penas brandas aos delitos informáticos. Para coibir novos crimes elas deveriam ser mais severas”, afirma. A Lei 12.737/2012 sobre crimes na internet, por exemplo, prevê reclusão de oito meses a três anos e quatro meses aquém divulga conteúdo roubado de dispositivo informático.