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01/12/2005 - 20h09

Viciado em Internet? A ajuda está a caminho

Sarah Kershaw
Em Redmond, Washington
A sala de espera da dra. Hilarie Cash tem o aspecto de muitos consultórios de terapeutas, com música clássica calmante, pinturas de cisnes gentis e flores coloridas e, nas prateleiras, vários livros sobre como conseguir ajuda.

Mas juntamente com seus pacientes, Cash, que dirige a Internet/Computer Addiction Services (serviços para vício em Internet/computador) aqui na cidade que é lar da Microsoft, é uma pioneira em um crescente nicho da saúde mental e recuperação de viciados.

Os pacientes, incluindo Mike, 34 anos, são o que Cash e outros profissionais de saúde mental chamam de "onlineaholics" (onlineólatras). Eles até têm um diagnóstico: desordem de dependência de Internet.

The New York Times
The New York Times
Hilarie Cash atende a paciente no Serviços para Viciados em Internet, em Redmond (Estado de Washington), sede da Microsoft
Estes especialistas estimam que entre 6% e 10% dos cerca de 189 milhões de usuários de Internet nos Estados Unidos têm uma dependência que pode ser tão destrutiva como o alcoolismo e o vício em drogas, e estão correndo para tratá-la. Mas alguns no campo continuam céticos de que o uso excessivo de Internet se qualifica como um vício legítimo, e uma acadêmica a chamou de um mal da moda.

Os céticos argumentam que mesmo o uso obsessivo de Internet não exerce o mesmo ônus sobre a saúde ou a vida familiar que os vícios convencionais reconhecidos. Mas, dizem profissionais de saúde mental que apoiam o diagnóstico de dependência de Internet, a maioria dos usuários obsessivos fica online para alimentar vícios como jogo ou pornografia ou se tornou mais dependente de tais vícios por predominar na Internet.

Mas outros usuários têm uma dependência mais ampla e diariamente passam horas online navegando na Internet, negociando ações, trocando mensagens instantâneas, postando em blogs e um número cada vez maior está se viciando em jogos de Internet.

Cash e outros profissionais dizem que as pessoas que abusam de Internet geralmente estão enfrentando outros problemas, como depressão e ansiedade. Mas, eles dizem, a onipresença da Internet oferece uma fuga da realidade, de fácil acesso, barata e desfrutando de um anonimato capaz de atrair pessoas saudáveis para um vício.

Mike, um paciente de Cash, cujo anonimato visa proteger sua privacidade, corria alto risco de vício em Internet, já tendo enfrentado depressão e o vício em álcool e drogas. Em uma lista de 15 sintomas de vício em Internet usada para diagnóstico pela Internet/Computer Addiction Services, Mike, que está desempregado e morando com sua mãe, apresentava 13, incluindo anseio intenso pelo computador, mentir sobre quanto tempo passava online, abandono de hobbies e interações sociais, dor nas costas e ganho de peso.

Um número crescente de terapeutas e centros de reabilitação estão tratando o vício em Internet com as mesmas abordagens, incluindo programas de 12 passos usados no tratamento de dependência química.

Como a condição não é reconhecida na psiquiatria como desordem, os planos de saúde não dão cobertura ao tratamento. Assim, os pacientes pagam do próprio bolso ou os terapeutas e centros de tratamento cobram como outros problemas, incluindo desordem de controle de impulsos não específicos.

Há pelo menos um programa de internação, no Proctor Hospital, em Peoria, Illinois, que admite pacientes para recuperação de uso obsessivo de computador. Os especialistas de lá dizem que vêem sinais semelhantes aos de síndrome de abstinência nesses pacientes como os vistos em viciados em drogas e álcool, incluindo suor abundante, ansiedade severa e sintomas paranóides.

E a prevalência de outras tecnologias -como aparelhos de e-mail móvel BlackBerry, às vezes chamado de CrackBerry por ser considerado altamente viciante; o palm-celular Treo; e mensagens de texto- criaram um vício mais generalizado em tecnologia, disse Rick Zehr, o vice-presidente de tratamentos comportamentais e de dependência do Proctor Hospital.

O programa de tratamento do hospital coloca todos os pacientes juntos para terapia em grupo e outros trabalhos de recuperação, independente da dependência ser de cocaína ou de computador, disse Zehr.

"Eu não imagino que vá desaparecer", disse ele sobre o vício em tecnologia e Internet. "Eu só posso imaginar que vá continuar e se tornar mais e mais prevalecente."

Em família

Há programas de terapia familiar para vício em Internet, e intervencionistas especializados em confrontar viciados em computador.

Entre os programas oferecidos pelo Centro para Dependência Online em Bradford, Pensilvânia, fundado em 1994 pela dra. Kimberly S. Young, uma importante pesquisadora em dependência de Internet, estão grupos de apoio para cônjuges daqueles que tiveram casos online, tratamento para vício em eBay e terapia comportamental intensiva -em pessoa, por telefone e online- para ajudar os clientes a ficarem sóbrios de Internet.

Outra importante especialista no campo é a dra. Maressa Hecht Orzack, diretora do Centro de Estudos de Dependência de Computador do McLean Hospital, em Belmont, Massachusetts, e uma professora assistente da Escola de Medicina de Harvard. Ela abriu uma clínica para viciados de Internet no hospital em 1996, quando, ela disse, "todos achavam que eu estava louca".

Orzack disse que teve a idéia após ter descoberto que tinha se tornado viciada no jogo de paciência do computador, protelando e perdendo sono e tempo com sua família.

Quando ela abriu a clínica, ela recebia dois pacientes por semana, no máximo. Agora ela recebe dezenas e cinco a seis telefonemas por dia de pessoas de outras partes do país à procura de tratamento. Mais e mais destes telefonemas, ela disse, são de pessoas preocupadas com membros da família viciados em games de Internet como EverQuest, Doom 3 e World of Warcraft.

Ainda assim, há pouca ciência concreta disponível sobre dependência de Internet.

"Eu acho que o uso da Internet em certas formas pode ser envolvente, mas não acho que seja diferente do vício em tocar violino ou jogar boliche", disse Sara Kiesler, professora de ciência da computação e interação ser humano-computador da Universidade Carnegie Mellon. "Não há nenhuma evidência de que passar o tempo online, trocando e-mails com parentes e amigos, seja prejudicial. Nós sabemos que pessoas que sofrem de depressão e ansiedade provavelmente se conectam online como fuga, e isso as ajuda."

Foi Kiesler que chamou a dependência de Internet de um mal da moda. Segundo ela, o vício em televisão é pior.

Ela acrescentou que está concluindo um estudo de usuários intensivos de Internet, que mostrou que a maioria reduziu acentuadamente seu tempo diante do computador ao longo de um ano, indicando que até mesmo o uso problemático era autocorretivo.

Ela disse que chamá-lo de dependência "rebaixa doenças realmente sérias, que são coisas como a dependência de jogo, drogas e cigarro". Ela acrescentou: "Estes são vícios fisiológicos".

Mas Cash, que começou a tratar viciados em Internet há 10 anos, disse que a dependência de Internet é uma doença potencialmente séria. Ela disse já ter tratado pacientes suicidas que perderam seus empregos e cujos casamentos foram destruídos por causa de seu vício.

Cash disse que tem visto mais pacientes como Mike, que reconhecem estar tendo dificuldades com o vício em pornografia online, mas que também dizem estar obcecados pela conexão na Internet para outros fins. Ele disse que se tornou obcecado pelo uso da Internet durante a eleição presidencial de 2000, e que agora fica ansioso quando não checa vários sites, a maioria de notícias e esportes, diariamente.

"Eu ainda estou tendo dificuldade para aceitar a idéia de que é um problema, porque eu gosto demais", disse Mike. Três horas seguidas na Internet, ele disse, é uma dose pequena. A Internet parece satisfazer "qualquer anseio que passe pela minha cabeça".

Vários terapeutas e outros especialistas disseram que o tempo gasto no computador não é importante para diagnosticar a dependência de Internet. A pergunta, eles disseram, é se o uso de Internet está causando problemas sérios, incluindo perda de emprego, dificuldades matrimoniais, depressão, isolamento e ansiedade, e mesmo assim o usuário não consegue parar.

"A linha é traçada na dependência de Internet quando não consigo mais controlar meu uso de Internet. Ela é que está me controlando", disse Zehr, do Proctor Hospital.

Tratamento

Cash e outros terapeutas disseram que estão vendo um número crescente de adolescentes e jovens adultos como pacientes, que cresceram passando horas diante do computador, jogando e enviando mensagens instantâneas. Esses pacientes parecem ter problemas de desenvolvimento significativos, incluindo desordem de déficit de atenção e falta de traquejo social.

Um relatório divulgado durante o verão pelo Projeto Pew de Internet e Vida Americana revelou que os adolescentes passam uma quantidade cada vez maior de tempo online: 51% dos usuários adolescentes de Internet se conectam diariamente, um aumento em comparação a 42% em 2000. Mas o relatório não encontrou uma queda no traquejo social. A maioria dos adolescentes "mantém redes robustas de amigos", ele notou.

Alguns terapeutas e centros de tratamento em dependência de Internet oferecem orientação online, incluindo pelo menos um programa de 12 passos para viciados em videogames, que é controverso. Os críticos dizem que apesar de ser uma forma de chamar a atenção de alguém que precisa de tratamento face a face, ele é semelhante a tratar um alcoólatra com cerveja, em grande parte porque os viciados em Internet precisam romper o ciclo de viver no ciberespaço.

Mas uma diferença crucial entre tratar viciados em drogas e álcool é que a abstinência total é geralmente recomendada para a recuperação do abuso de substâncias, enquanto o uso moderado é a meta para os doentes comportamentais.

Sierra Tucson no Arizona, um hospital psiquiátrico e centro de saúde comportamental, que trata vícios comportamentais e de substâncias, começou a admitir um número crescente de viciados em Internet, disse Gina Ewing, sua diretora de internação. Ewing disse que quando tal paciente deixa o tratamento, os terapeutas do centro o ajuda a planejar formas de reduzir o tempo diante do computador ou pedem àqueles que não precisam usar a Internet para trabalhar a se afastarem completamente do computador.

Ewing disse que o centro Tucson encoraja seus pacientes dependentes de Internet, ao deixarem o tratamento, a participarem de encontros abertos dos Alcoólicos Anônimos ou Narcóticos Anônimos, que não são restritos a alcoólatras e viciados em drogas, e apenas escutem. Ou talvez, caso estejam enfrentando o mesmo problema, se os participantes do encontro forem receptivos, até mesmo a participarem.

"É um novo território", disse Ewing. "Mas vício é vício."

Tradução: George El Khouri Andolfato

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