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11/05/2010 - 07h01 / Atualizada 11/05/2010 - 07h01

Pesquisador italiano analisa como índios do Brasil se adaptam a novas tecnologias

GUILHERME JERONYMO||Para o UOL Tecnologia
  • Arquivo pessoal

    O italiano Massimo Canevacci estudou a forma como os índios constroem seus ritos no Brasil

O professor universitário e pesquisador Massimo Canevacci, da Universidade La Sapienza (Roma, Itália) estudou a forma como culturas diversas, entre elas os índios Xavante, Bororó e Guarani das regiões sul e centro-oeste do Brasil, constroem seus ritos, representam e registram suas idéias, sua moral e seu cotidiano. O pesquisador, que lecionou como convidado na Universidade de São Paulo na década de 1990 e há 15 anos estuda os índios, buscou entender como esses povos adaptam as tecnologias, em especial aquelas de gravação e edição digitais, às suas necessidades, aspirações e desejos. É sobre isso que ele falou ao UOL Tecnologia, em entrevista realizada por e-mail.

Antes de entender como acontece essa adaptação, no entanto, é importante conhecer um pouco do cenário indígena dessas regiões brasileiras visitadas por Canevacci e entender como eles usam a tecnologia.

Em muitas aldeias, como as localizadas na terra Xavante de Sangradouro, entre as cidades de Primavera do Leste e Barra do Garças, no sul do estado do Mato Grosso, a escola local tem computadores e as máquinas digitais são comuns. Entre os habitantes da aldeia há aqueles que têm Orkut, filmam e fotografam seu cotidiano, além de editar vídeos e áudio. Alguns vão além, investindo em guitarras, baixos e teclados, com os quais adaptam temas e musicalidade de sua música ritual, criando um “pop Xavante”.

Nas cidades de Primavera e Barra do Garças é possível comprar CDs e DVDs indígenas em lojas, cujos donos não são índios, e a variedade de gravações chega à casa das centenas, algumas feitas em estúdios da região. Entre os títulos, há registros de festas locais, aniversário de aldeias, documentários sobre costumes e organização do trabalho, esportes e até mesmo um vídeo policial. Todos na língua Xavante.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Massimo Canevacci.

  • Lisa Hernandes

    Aldeia de Sangradouro, no município de Primavera do Leste (MT), habitada por índios Xavante

UOL Tecnologia - A adaptação dos Xavantes a elementos sociais e tecnológicos facilita a autorrepresentação, como ocorre quando essa tribo grava CDs e DVDs, por exemplo?

Massimo Canevacci – Sim, neste contexto de rápida mudança pelo qual passam essas comunidades, com crescimento demográfico e educação autônoma, as novas tecnologias digitais são uma representação muito viva da mudança contínua nos hábitos cotidianos e na forma de eles entenderem o mundo. Ninguém pode ficar parado se deseja acompanhar esse processo, o que é um desafio radical para antropólogos e deveria sê-lo para os missionários.

UOL Tecnologia – As tecnologias digitais permitem a representação desses povos também frente às nossas sociedades?

Canevacci – Esta produção cria novas fronteiras de linguagem icônica e digital, com foto, vídeo e o uso da internet, cada vez mais comum, pela população indígena. O uso das novas tecnologias permite uma nova subjetividade, dando fim ao monopólio obsoleto da escrita acadêmica.

  • Divulgação/Banda Nomotsé

    Xavantes em apresentação em festa de formatura de alunos da etnia, na região sul de Mato Grosso

UOL Tecnologia – A facilidade para se representar com meios audiovisuais é determinante na busca por uma maior qualidade e continuidade nesses trabalhos de autorrepresentação, resgate e produção cultural?

Canevacci – Os Xavantes sempre gostaram de gravar os próprios rituais e aprenderam, graças ao antropólogo Vincent Carelli, a usar eles mesmos estas tecnologias [o antropólogo fundou o projeto Vídeo nas aldeias, que entregava filmadoras e ensinava os aldeados a utilizarem esses equipamentos]. Dessa maneira, a distinção de poder e de linguagem entre quem-representa-quem, quando o antropólogo filma os nativos, cai.

Os Xavantes representam a si mesmo e às vezes também aos “outros”. O digital é fácil, barato, se comunica rápido, pode ser editado, consegue criar comunidades que trocam informações de forma autogestionada e horizontal. Também permite a ação das mulheres, que se inicia nas salas de informática das escolas das etnias.

UOL Tecnologia – Quais tipos de impactos da autorrepresentação podem ser esperados e quais o senhor encontrou em suas pesquisas com etnias indígenas brasileiras?

Canevacci – Esses impactos são determinantes em todos os sentidos. Politicamente apresentam um contexto onde a sabedoria tecnocultural transita entre novas subjetividades, como entre as culturas indígenas das aldeias e a juvenil metropolitana. Cientificamente quem tem o poder de interpretar não é mais o antropólogo externo, pois a autorrepresentação consegue penetrar nos momentos mais desconhecidos, como em rituais, chegando a se manifestar nos traços lúdicos de um ritual, que normalmente não se apresentam na frente do antropólogo. Há também um impacto identitário, porque a identidade não è uma coisa fixa, “natural”.

UOL Tecnologia – E para eles, o que é essa identidade?

Canevacci – Os Xavantes e os Bororós são vivos, nestas culturas pluralizadas e móveis, e nelas apresentam sua história, que não coincide com aquela do Brasil ou a de Roma.

Lembro que a primeira vez que fui convidado a participar do ritual da furação de orelhas em Sangradouro (que marca a entrada do jovem na vida adulta para os Xavantes), cheguei com meus equipamentos e fui filmado por três jovens. Para mim foi um choque traumático, depois salutar e enfim foi como sair da uma doença. O resultado final é ainda mais interessante: o meu vídeo e o de Divino Tserewahu, que me filmou e ao ritual, são bem diferentes, e sem nenhuma reticência é muito mais significativa a filmagem dele, que conta com elementos mais dramáticos, panoramas fortes, traços lúdicos, criticas aos velhos, coisas impossíveis de serem comunicadas por mim.

  • Divulgação/Banda Nomotsé

    Banda Nomotsé, formada por índios Xavantes da região sul de Mato Grosso e liderada por Luciano (centro)

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