Cidade italiana faz vaquinha por câmeras de segurança super inteligentes

Renato de Castro

Renato de Castro

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    Bastia di Rovolon uniu moradores para a compra de câmeras de segurança

    Bastia di Rovolon uniu moradores para a compra de câmeras de segurança

Nossa última escala nessa viagem rumo a cidades mais inteligentes nos leva à Europa. Depois de passar pelo Japão, Juazeiro do Norte e Rio de Janeiro, desembarcamos hoje em Bastia di Rovolon, uma pequena cidade do nordeste italiano, localizada na região do Veneto, distante 50 km de Veneza. Com um pouco mais de 4.000 habitantes, a pacata Bastia é um bom exemplo de cidade pequena na Europa onde a dependência de políticas regionais e nacionais limita muito a atuação dos governos municipais.

Estamos em um dos curtos e frios dias do inverno de 2016. O núcleo central da gestão municipal está reunido em uma assembleia extraordinária. Ambas, situação e oposição, estão mergulhadas em um caloroso debate sobre segurança pública. Com o aumento da ameaça terrorista na Europa, a cidade se encontra no dilema de investir ou não em um circuito fechado de câmeras de segurança. Estamos falando em um investimento considerável: a infraestrutura básica, como fibra ótica, os servidores robustos para armazenamento de imagens e as câmeras; uma central de monitoramento; e, claro, mão de obra especializada.

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O motivo da assembleia convocada pela jovem prefeita, Marielena Sinigalia, era para anunciar boas notícias. Ela havia recém retornado de Roma com uma promessa de dinheiro para o sistema de monitoramento da cidade. Uma verba extra que daria para a compra e instalação de... 9 câmeras. Isso mesmo, nove unidades. Por mais tranquila que seja Bastia di Rovolon, estava claro para todos que essa quantidade não seria suficiente nem para monitorar a própria prefeitura.

Como as assembleias dessa natureza são participativas, ou seja, abertas aos cidadãos, surge uma sugestão no meio da discussão. Um dos moradores havia recentemente trabalhado em um projeto em Taiwan, onde conheceu uma startup que estava para iniciar uma aceleração no Vale do Silício. A UMBO Computer Vision havia recebido seu primeiro grande aporte de capital e já era cotada como uma promessa futura na área de inteligencia artificial. A empresa desenvolveu um sistema que analiza imagens de câmeras em tempo real, que não somente é capaz de alertar sobre situações de risco, mas também de aprender com elas.

— Trata-se de uma combinação de duas tecnologias importantes: machine learning e computer vision — explicou o morador, ainda sob os olhares curiosos, mas desconfiados, de todos.

A disrupção na solução da UMBO está na promessa de desenvolver uma segurança preditiva. Lembram-se do filme Minority Report, no qual 'criminosos' eram presos instantes antes de cometerem o crime? A nova tecnologia da UMBO promete exatamente isso. Só que, em vez de usar pessoas videntes, como no filme, a UMBO desenvolveu um algoritmo capaz de prever quando uma situação de perigo está para acontecer. E o melhor: como o monitoramento é feito em tempo real por inteligencia artificial e com câmeras conectadas à internet, não é necessário ter nenhuma supervisão humana, muito menos investimento alto em infraestrutura.

— E como vamos conseguir trazer uma tecnologia de ponta, de uma futura 'unicórnio do Vale', para uma cidade agrícola do interior do Veneto? — pergunta, cética, a prefeita.

— Eles estão buscando projetos para validar seu produtos em diferentes cenários. Por que então não propomos um projeto piloto em nossa cidade? — sugere, entusiasmado, o morador. E continua: 
— Eu gostaria muito de ajudar nossa cidade nesse projeto, afinal, estamos falando da segurança de nossas ruas, de nossas famílias. Seria capaz até de comprar uma câmera com dinheiro do meu bolso.

Bingo!

Já no primeiro Skype com a empresa nasce uma super ideia. Por que não convidar os moradores da cidade a comprar câmeras externas para monitorarem as suas casas e 'doarem' as imagens dos locais públicos como ruas, praças, estacionamentos e parques para a prefeitura? Alem de terem suas casas protegidas por inteligencia artificial, os moradores estariam contribuindo de forma ativa para uma cidade mais segura e verdadeiramente mais inteligente. Com uma pequena mobilização, a Bastia di Rovolon conseguiu mais de 300 moradores interessados em participar desse verdadeiro crowdfunding de segurança.

Eis um excelente exemplo do que estamos chamando de PPPPs – parcerias público-privadas com pessoas, que consiste em incluir os cidadãos no processo de criação, desenvolvimento, implementação e financiamento de concessões de serviços públicos. É importante entender que não se trata de pedir dinheiro aos cidadãos, uma vez que esses já pagam seus impostos. Pelo contrário, no caso de Bastia di Rovolon, a empresa ofereceu um super desconto para as primeiras unidades, não só pelo volume, mas principalmente pelo interesse deles no projeto. Se funcionasse lá, eles estariam validando um modelo de negócios milionário, baseado em vendas diretas ao consumidor, sem a necessidade de canais intermediários de distribuição e, principalmente, com o aval administrativo da cidade.

Gostaria muito que nossa história de hoje acabasse com um final feliz. Na verdade, a história não chegou ainda ao seu final. Mesmo com o projeto aprovado pela prefeitura, apoiado pela empresa e legitimado pelos cidadãos, Bastia di Rovolon ainda está lutando para contornar o problema da privacidade de dados e imagens. A Itália sofre com uma das mais complexas regulamentações do setor na Europa. E tudo ainda deve 'piorar' mais com a entrada em vigor da nova política de dados chamada GDPR, que começou a valer em toda a Europa a partir do dia 25 de maio de 2018. Mesmo assim, o caso vale pelo exemplo.

As PPPPs são um claro sinal de que nossa sociedade está evoluindo para um modelo mais participativo de gestão pública. Todas as partes envolvidas – poder público, iniciativa privada, ONGs, universidades e os cidadãos – devem unir forças e compartilhar as responsabilidades para fazer uma cidade melhor. Como já havia mencionado, cidade inteligente não é um destino, é uma jornada. Com essas quatro ferramentas da metodologia SmartUp, vocês estão equipados para trilhar esse caminho. Boa sorte.

No nosso próximo texto, abordaremos um conceito cada vez mais presente nas nossas vidas: a internet das coisas. Em 2008, o número de coisas conectadas ultrapassou o de pessoas no planeta. Para 2020, estamos prevendo 50 bilhões de conexões. Vamos discutir as consequências desse novo mundo hiperconectado para nossas vidas e nossas cidades. Até a próxima semana.

Renato de Castro

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho consultivo global da Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

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