Como a falta de câmeras nas ruas forçou a parceria entre Rio e Waze

Renato de Castro

Renato de Castro

  • Daniel Marenco/Folhapress

    Centro de operações do Rio: ausência de câmeras forçou a parceria com o Waze

    Centro de operações do Rio: ausência de câmeras forçou a parceria com o Waze

Nossa viagem de hoje nos leva de volta a minha cidade natal: a bela e sofrida cidade maravilhosa. O ano é 2012, e estamos no auge do seu último milagre econômico. Além dos royalties do ouro negro, a cidade vive um período de preparação para uma sequência de eventos importantes, sem precedentes na história – iniciando em julho de 2013 com a Jornada Mundial da Juventude, incluindo a ilustre presença do Papa Francisco; passando pela tão esperada Copa do mundo de 2014; e terminando com os Jogos Olímpicos de Verão de 2016.

Nesse momento, o Rio já contava como uma clara orientação para projetos de cidades inteligentes. Era uma das poucas cidades da época com a figura do CDO – City Digital Officer – no seu quadro executivo. Uma espécie de secretário de tecnologia, mas com um forte perfil executivo. Um profissional de mercado, não de carreira exclusivamente política. No processo de planejamento dos eventos, ficou claro que um dos grandes desafios seria a gestão do imenso fluxo de pessoas, residentes e turistas, que estariam na cidade para os eventos. Os reflexos para a mobilidade da cidade – incluindo trânsito e transportes públicos – e a segurança nas ruas eram os principais desafios.

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Seguindo os casos de sucesso de outras grandes metrópoles como Nova York, Moscou, Londres e Tóquio, o governo carioca decide que é hora de a cidade ter um centro de operações e comando. A IBM é selecionada com a proposta de instalar, na capital fluminense, seu mais moderno projeto, que seria uma referência mundial no setor e que foi batizado internamente como Rio Operations Center.

Localizado no coração da cidade, o centro de operações foi inaugurado para o réveillon de 2010. Atualmente, o centro abriga 30 agências de serviços municipais da guarda civil ao fornecimento de água, totalizando mais de 500 profissionais trabalhando 24 horas por dia, em 3 turnos. Toda a informação relevante fica concentrada em um mega painel digital de 65 m². Tudo parecia perfeito até que, ao ligar a 'chave', a equipe técnica do projeto se dá conta de que a cidade possuía pouco menos de 1.000 câmeras nas ruas. Para lhe dar uma ideia de dimensões, a cidade com o maior circuito de câmeras de segurança e trânsito da Europa é Londres, com mais de 16.000 câmeras. O que ainda não é nada, se compararmos com Moscou e suas inacreditáveis 140.000 câmeras conectadas, o que poderia render à cidade o carinhoso apelido de 'big brother city'.

Problema diagnosticado, metade do caminho andado, certo? Sim e não! Seguindo a lógica linear, se o problema é o número de câmeras, vamos instalar mais delas! Considerando toda a infraestrutura necessária na época para circuitos fechados de monitoramento, o investimento do município seria maior que o realizado para construir o centro de operações. Isso somente para dobrar o número de câmeras, o que ainda não resolveria, nem de perto, o problema.

O protagonista de nossa história, Pedro Perácio, o CDO do Rio, embarca para os Estados Unidos em busca de soluções e parcerias. E ele já vai com pelo menos um endereço em mente: o Vale do Silício. Da reunião com o CEO do Waze, na época uma emergente startup israelense que acabava de se instalar no Vale, nasce, em 2013, uma das parceiras mais bem-sucedidas da história das smart cities. O app da empresa já era bastante popular no Rio naquela época, porém 'subutilizado' principalmente para alertar os amigos das operações policiais da lei seca.

O Waze foi convidado para um processo de cocriação com a cidade usando seus dados coletados em tempo real. Do dia para a noite, a solitária metrópole de poucas câmeras passou a contar com quase 1 milhão de cidadãos conectados, enviando informações de trânsito e fotos em tempo real. Atualmente, o Waze recebe mensalmente quase 1,5 milhão de reportes de seus usuários. O Rio ainda continua com um número considerado baixo de câmeras, pouco mais de 1.200, mas com um sistema de gestão de trânsito super eficiente. E com um grande benefício: os dados e informações gerados por pessoas podem ter mais qualidade que os gerados por máquinas. Além, claro, de gerar engajamento social.

Esse é o tipo de relação que chamamos win-win. Sem altos custos de implementação, esse tipo de parceria costuma trazer grandes benefícios para todos os envolvidos. A cidade, praticamente a custo zero, resolveu um problema complexo, que envolveria altos investimentos em infraestrutura, de forma simples e participativa. Os usuários (cidadãos), além de contribuir para uma cidade melhor, passaram a receber informações e alertas em tempo real da prefeitura. E, por fim, a empresa Waze usou o projeto-piloto para desenvolver uma solução universal baseada simplesmente em dados que eles já possuíam. Alguns especialistas acreditam que esse projeto tenha influenciado também a decisão do Google de comprar a empresa.

Simplicidade foi a palavra de ordem do meu último texto, no qual fizemos uma viagem até Juazeiro do Norte. Hoje, depois da nossa imersão no caso do Rio, gostaria de deixar com vocês a palavra parceria! Antes de perguntar de quanto orçamento sua cidade dispõe para fazer projetos de cidades inteligentes, identifique que oportunidades ela pode oferecer para atrair parceiros estratégicos globais. E isso vai muito além do tamanho da cidade. Na verdade, existem muito mais cidades pequenas no mundo que grandes metrópoles. Isso quer dizer que as soluções para resolver problemas de pequenas cidades podem ter muito mais valor comercial para empresas globais do que imaginamos.

Em nosso próximo texto, vamos discutir o novo conceito de PPPP: parceiras público privadas com pessoas. Como elevar o cidadão a um novo nível de participação no processo de decisão e implementação de políticas públicas. Let's SmartUp!

Renato de Castro

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho consultivo global da Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

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