Lixo resultante da internet das coisas desafia cidades em todo o mundo

Renato de Castro

Renato de Castro

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    Sensores nas árvores de Melborne ilustram o desafio de lidar com lixo eletrônico

    Sensores nas árvores de Melborne ilustram o desafio de lidar com lixo eletrônico

Nossa viagem de hoje nos leva literalmente ao outro lado do mundo. Mas, desta vez, ao hemisfério sul: Austrália. Melbourne iniciou, em 2014, um projeto chamado Urban Forest: uma plataforma digital de geolocalização de todas as árvores da cidade. Ele nasce focado em 3 problemas principais: mudança climática, crescimento da população e aquecimento urbano. Em uma pesquisa de opinião sobre a qualidade de vida na cidade, as áreas verdes apareceram como um grande ponto positivo e um orgulho para a população local.

A prefeitura resolve então começar a mapear esse ativo, as árvores, para criar uma estratégia de longo prazo para a cidade. Com mais de 70 mil delas devidamente identificadas, o sistema não é somente capaz de dizer onde estão, mas também qual a espécie, a idade, o estado de saúde e quando elas, provavelmente, irão morrer. Tudo estatisticamente perfeito.

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As árvores receberam, cada uma, um email único, pelo qual o cidadão foi convidado a enviar informações sobre seu estado de conservação ou sobre quaisquer eventuais problemas que elas estivessem enfrentando. Não somente uma estratégia de comunicação que parecia eficiente, mas principalmente uma forma de engajar a sociedade em uma causa que era importante. E realmente foi o que aconteceu, mas não da forma esperada.

As pessoas começaram a escrever emails pessoais para as árvores, comentando, por exemplo, o quanto elas foram importantes na sua infância ou o quanto elas contribuíam para o bem-estar de seus filhos. Alguns deles com um tom, de certa forma, sarcástico e com críticas diretas à prefeitura. O que poderia ser interpretado como um desastre político, foi muito bem recebido pela gestão local, que decidiu ir mais além. Já que as pessoas se esforçaram tanto para 'se comunicar' com as suas árvores preferidas, por que não colocá-las para responder diretamente aos cidadãos? Essa é, portanto, a nova fase do projeto: sensores estão sendo instalados nas árvores para criar uma comunicação de mão-dupla com o cidadão. Uma estratégia de gameficação, como se diz na gíria tecnológica.

Este caso exemplifica bem a temática de hoje. O uso de tecnologias urbanas está crescendo de forma quase incontrolável e a sociedade precisa começar a discutir o assunto. A conscientização do mundo quanto ao impacto ambiental do nosso lixo não é novidade. E não falo apenas do lixo genérico como plástico, metal ou papel. Na verdade, também estou me referindo a produtos funcionais específicos que são altamente poluentes.

Hoje em dia, na maioria dos países, para colocar (importar) um novo pneu no mercado, por exemplo, as empresas precisam fornecer às autoridades locais um certificado de reciclagem. Na prática, a inserção de um novo pneu no mercado implica diretamente na remoção de um antigo do meio ambiente. Nós temos apenas 3 bilhões de pneus no mundo, e esse número provavelmente não aumentará tão rápido.

O conceito de economia circular também está evoluindo nas nossas cidades inteligentes e um dos principais objetivos são os produtos que devem ser readaptados ou remodelados para serem reutilizados. A rápida expansão da internet das coisas (IoT) já é uma realidade que continuará aumentando. Até 2020, haverá mais de 50 bilhões de conexões em todo o mundo, segundo relatório da empresa Cisco.

Se não for cuidadosamente controlado, esse crescimento notável, infelizmente, pode acabar resultando em algo que estamos chamando de IoTrash (lixo eletrônico oriundo da Internet das Coisas), ou seja, uma enorme concentração de lixo eletrônico em nossas cidades.

O hardware da IoT dura mais do que o ciclo de vida da tecnologia. De maneira alarmante, esse desequilíbrio significa que o hardware se torna obsoleto prematuramente. Neste momento, sensores com novas tecnologias Bluetooth integradas estão sendo instalados sob e sobre as nossas ruas; suas baterias durarão de 3 a 5 anos, enquanto as tecnologias aplicadas provavelmente estarão desatualizadas dentro de poucos meses da instalação. Consequentemente, esses ativos poderiam ser abandonados, permanecendo sem nenhum tipo de controle. Essa falta de supervisão apresenta não só custos consideráveis e redução do ROI (retorno sobre investimentos) para o setor privado, como também um potencial risco para nossa qualidade de vida.

As cidades continuam se expandindo, e os governos precisam de ajuda para gerenciar esses ativos. Hoje em dia, a maior parte do fornecimento e manutenção dos serviços públicos são licenciados a empresas privadas por meio de acordos de PPPs (parcerias público-privadas). Aumentando, portanto, a necessidade de uma ferramenta eficiente para gerenciar e controlar qualquer tipo de ativo da IoT - incluindo os ativos analógicos como a iluminação pública.

Quando falamos em Cidades inteligentes, é imperativo abordar 3 eixos principais: tecnologia aplicada, foco no cidadão e resiliência. As cidades precisam encontrar bases confiáveis para reduzir os custos e melhorar a sustentabilidade. A rastreabilidade é o ponto-chave para otimizar a implantação da nova IoT urbana a fim de aumentar a eficiência e, por fim, contribuir para o desenvolvimento de cidades autenticamente mais inteligentes.

Renato de Castro

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho consultivo global da Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

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