iPad será lançado nos Estados Unidos neste sábado (3)
Em 10 anos avaliando novos produtos de tecnologia para o "New York Times", nunca vi um produto tão polarizador de opiniões quanto o iPad da Apple, que chega às lojas dos Estados Unidos no sábado (3).
“Este aparelho é um absurdo risível”, dizem comentários em blogs de tecnologia. “Como podem esperar que alguém trabalhe seriamente em um computador sem um mouse?” “Já outros dizem: “é verdadeiramente uma revolução mágica. Não consigo imaginar por que uma pessoa voltaria a usar mouse e teclado depois de terem experimentado a interface visionária da Apple!”
São críticas bastante assertivas, especialmente considerando que seus autores nunca usaram o aparelho. De qualquer forma, há um padrão nessas avaliações. Aqueles que odeiam o iPad tendem a ser os aficionados por tecnologia; os fãs tendem a ser pessoas comuns.
Portanto, uma única avaliação não serviria às duas leituras adequadamente. Mas há uma solução: escrever análises separadas para esses dois públicos. Leia a primeira se você for fã de tecnologia (como saber? Faça o seguinte teste: você usa BitTorrent? Você usa Linux? Você tem mais endereços de email do que plantas? Então você é um aficionado.) Todos os outros, leiam a segunda.
ANÁLISE PARA AFICIONADOS POR TECNOLOGIA
O iPad da Apple é basicamente um iPod Touch gigante
É uma placa de meia polegada, com vidro em cima, alumínio atrás. Quase não tem botões –apenas um grande botão “Home” abaixo da tela. Ele ativa a página inicial de aplicações, como em um iPhone.
Um dos modelos só entra on-line via Wi-Fi (US$ 500 a US$ 700, cerca de R$ 1.000 a R$ 1.400, para capacidade de armazenamento de 16 a 64 GB). O outro modelo pode ficar on-line via Wi-Fi ou quando você está em trânsito, usando nos Estados Unidos a rede de celular da AT&T; essa característica adiciona US$ 130 (aproximadamente R$ 260) ao preço.
Você opera o iPad tocando e arrastando no vidro com os dedos, assim como no iPhone. Quando a tela muito lustrosa de 9,7 polegadas está desligada, as marcas dos dedos ficam grosseiramente aparentes.
O aparelho conta com uma aplicação para ler livros eletrônicos, mas esta não vai resgatar a indústria de jornal e livros (desculpem, especialistas da mídia). A seleção é minúscula (60 mil títulos até agora). Não dá para ler bem ao sol. Pesando 600g, o iPad fica pesado na mão depois de um tempo (o Kindle pesa 280g). E não dá para ler livros da livraria da Apple em qualquer outra máquina –nem mesmo um Mac ou iPhone.
Quando o iPad está em pé, digitar na tela é uma experiência horrível; só quando é virado em 90 graus, que dá para usar o teclado na tela (porque fica maior). Um teclado externo de US$ 70 estará disponível em abril, mas aí você terá que carregar duas peças.
Pelo menos a Apple teve a decência de dar ao iPad um processador muito rápido. As aplicações abrem rapidamente, carregam rápido, mudam rápido. Surfar na web é muito melhor do que na minúscula tela do iPhone –primeiro porque é tão rápido, e segundo porque você não tem que fazer tantos zooms.
Vídeos
Mas como qualquer leitor do slashdot.com pode lhe dizer, o iPad não usa vídeos Flash. A Apple tem algo contra o Flash, o formato de vídeo mais popular da web; diz que tem muitas falhas, que não é seguro e gasta a bateria. Tudo bem, mas enquanto isso, milhares de sites da web aparecem vazios com quadrados brancos no iPad – lugares onde vídeos ou animações deveriam estar rodando.
YouTube, Vimeo, TED.com, CBS.com e alguns outros estão convertendo seus vídeos para formatos compatíveis com iPad/iPhone/Touch, mas todos os portais de notícias e de jogos ainda usam o Flash. Provavelmente, levará anos até do resto dos vídeos da web se tornarem acessíveis ao iPad.
O aparelho não faz várias tarefas. É um aplicativo de cada vez, como o iPhone. Tampouco tem porta USB ou câmera. Adeus conversas pelo Skype com vídeo. Dá para ver que a Apple está deixando algumas coisas para o modelo do ano que vem.
No final das contas, você pode comprar um laptop por muito menos – com teclado, DVD, porta USB, entrada para cartão de memória, câmera, etc. Além disso: se você já tem um laptop e um smartphone, por que carregaria uma terceira máquina?
ANÁLISE PARA TODOS OS OUTROS
O iPad da Apple é basicamente um iPod Touch gigante.
O simples ato de adotar uma tela sensível ao toque maior muda toda a experiência. Os mapas parecem mapas de verdade, de papel. O jogo de Palavras Cruzadas mostra o tabuleiro inteiro, não é preciso fazer zoom para cada parte. Você vê sua caixa de entrada de emails e abre uma mensagem simultaneamente. Os simuladores de direção enchem mais seu campo de visão, parecem mais um para-brisa do que de um buraco na fechadura.
O novo aplicativo de leitura de livros eletrônicos, iBooks, está cheio de gracinhas. Por exemplo, quando você vira a página animada, ela de fato segue a posição do seu dedo e ganha velocidade enquanto curva a pontinha, como uma página de papel. Os controles dos caracteres, tamanho e brilho aparecem com uma batidinha. Digite uma palavra e tenha uma definição de dicionário, marque aquele ponto ou procure no Google ou na Wikipédia. Na lateral do iPad, há um interruptor que tranca a rotação da imagem para você ler na cama de lado sem temer que a imagem gire.
Se você tiver o modelo para celular, pode adquirir o serviço da AT&T e entrar na internet em qualquer lugar (os iPads com serviço de celular só estarão disponíveis no próximo mês nos EUA; testei um modelo Wi-Fi).
Sem contratos
Mas por que essa é uma oportunidade rara junto a uma empresa de telefonia móvel: porque não há contratos. Tocando em um botão você pode encomendar até um mês de serviço de Internet por celular por US$ 30 (em torno de R$ 60). Ou pagar US$ 15 (R$ 30) por 250 MB de dados transmitidos via Internet; quando seus créditos acabam, você pode comprar outros 250 MB ou passar para o plano ilimitado pelo mês. De qualquer forma, você pode cancelar ou voltar quantas vezes quiser – só março, julho e novembro, por exemplo -- sem multas. As outras empresas de celular provavelmente estão xingando a AT&T por abrir esse precedente.
A melhor aplicação do iPad, porém, são os grandes aplicativos. A Apple diz que 150 mil aplicativos do iPhone funcionam no iPad. Eles aparecem no tamanho atual – pequenos e no centro da tela – ou, com uma batidinha, duplicados para encher a tela, um pouco fora de foco. Ainda assim, todos os realmente bons funcionam assim: Dragon Dictation, Skype (até chamadas por voz, por seu microfone a alto-falante) e aqueles milhões de jogos.
Conteúdo
Mas a verdadeira diversão começa quando você testa os programas criados especialmente para a tela maior do iPad (quando abrir, a seção da loja da Apple terá 1.000 deles).
O jogo de Palavra Cruzada mostra o tabuleiro todo sem ter que aumentar ou diminuir. Outro aplicativo para o iPhone ou Touch chama-se Tile Rack, que permite que você mexa em suas pecinhas e depois devolva-as para a tela do iPad. Os programas de leitura de jornal reproduzem a diagramação, fotografias e cores do jornal verdadeiro. O aplicativo de história em quadrinho da Marvel é brilhante e vívido, com sua navegação de página à página (opa, talvez essa função devesse estar na análise dos aficionados).
Steve Jobs, na apresentação do iPad, em janeiro
O Hulu.com, a sede da web para programas de televisão gratuitos, não confirma os rumores que está trabalhando para criar uma aplicativo para o iPad, mas dá para imaginar? Uma fonte plana, fina, sem fio, de grandes programas de televisão gratuitos, em sua sacola ou na mesa de cabeceira?
Falando em vídeo: a Apple afirma que o iPad funciona 10 horas com sua bateria não removível –mas todos nós sabemos que não dá para confiar no fabricante. No meu teste, contudo o iPad passou filmes continuamente de 7h30 da manhã até 19h53 –mais de 12 horas. Isso é quatro vezes mais que o laptop comum ou toca DVD.
O iPad é tão rápido e leve, a tela é tão brilhante e sensível, o software é tão fácil de navegar que realmente é uma nova categoria de aparelho eletrônico. Alguns sugeriram que pode ser um bom computador para quem odeia tecnologia, idosos ou não; estão absolutamente certos.
E os viciados em tecnologia estão certos em outra coisa: o iPad não é um laptop. Não é tão bom para criar. Por outro lado, é infinitamente mais conveniente para consumir –livros, musica, vídeo, fotos, web, email e assim por diante. Para a maior parte das pessoas, manipular diretamente esses materiais digitais tocando neles é uma experiência completamente nova –e profundamente satisfatória.
No final, o iPad foi desenhado e criado por um monte de perfeccionistas. Se você gosta do conceito, vai adorar a máquina. A única questão é: você gosta do conceito?
Tradução: Deborah Weinberg