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29/06/2006 - 14h24

Brasil oficializa sistema de TV digital baseada em tecnologia japonesa

Fabiana Monte
do WNews e da Revista Connect
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta quinta-feira (29) o decreto que cria o SBTD-T (Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre), que tem como base o padrão japonês.

Lula Marques - 20.jun.06/Folha Imagem
Lula Marques - 20.jun.06/Folha Imagem
Funcionários do Congresso assistem a jogo da Copa durante demonstração da TV digital
A tecnologia oriental venceu a disputa com o padrão europeu (DVB) e o americano (ATSC). Mas a definição não significa que a tecnologia estará disponível para a população em curto prazo.

A partir do início das transmissões em sinal digital, o consumidor não terá que comprar imediatamente um aparelho novo de TV. Ele terá de instalar apenas um adaptador ou caixa de conversão. O sinal analógico, entretanto, continuará sendo transmitido nos próximos dez anos.

Os representantes do padrão americano criticaram a escolha, lembrando que a instalação de uma fábrica de semicondutores era uma das contrapartidas que o Brasil deixou de lado.

Os europeus afirmam que o padrão japonês é o mais caro, pois é adotado somente naquele país, enquanto que o ATSC é usado nos EUA, no Canadá, no México e na Coréia do Sul, e o DVB, em 99 nações.

Mas já não é digital?

A tão falada TVD refere-se à digitalização da transmissão dos sinais, incluindo os equipamentos que os recebem, como a sua TV de casa. Hoje, esse processo já está presente em boa parte da produção dos programas.

Mas, com a introdução dessa tecnologia, seu aparelho de TV permitirá, entre outras coisas, que você compre a roupa da atriz principal
da novela das oito e veja uma cena por outros ângulos. O mesmo vale para o mundo móvel.

Será possível assistir à TV aberta pelo celular, laptop ou PDA (micro de mão) e também interagir com a programação. "Com a TVD em dispositivos móveis, teremos canais abertos no celular", diz Mário Friede, gerente de projetos da área de TV Digital do Centro de Estudos Aplicados do Recife (Cesar), que desenvolve softwares para esse novo mercado.

Regras do jogo

A escolha do padrão de distribuição de sinais é apenas o início de um processo repleto de questões mercadológicas e regulatórias. "A discussão é justamente como será o modelo de negócios. Hoje, as emissoras produzem o conteúdo e o entregam para a operadora celular, que o coloca em sua rede e permite o acesso do usuário. Os papéis são claros: a operadora é o distribuidor, e a emissora, provedor. Do ponto de vista técnico, com a TVD não haverá mais a necessidade da distribuidora", explica.

Para a jornalista pós-graduada em comunicação e novas tecnologias Paola Fonseca, a grande questão da TVD é justamente a distribuição. Essa tecnologia permite que cada uma das faixas de freqüência existentes hoje - ocupadas pelas emissoras de TV - seja dividida em outras quatro.

Trocando em miúdos, imagine o canal ocupado pela Globo em São Paulo. Nessa mesma faixa poderão ser transmitidos, simultaneamente, três canais, cada um com um programa diferente, totalizando quatro permissões. Outra possibilidade é que a faixa continue ocupada apenas por uma transmissão, mas, neste caso, de altíssima definição (HDTV - High Definition Television).

"Tem-se falado muito nos padrões para tentar desviar o foco dos aspectos fundamentais. A grande questão é a emissão de conteúdo, o monopólio. A partir do desenvolvimento do modelo de negócios é que será definido se haverá um canal ou quatro, cada um com uma programação diferente", detalha Paola.

Friede acrescenta que a evolução tecnológica está unindo radiodifusão e telecomunicações, setores até então tratados de forma isolada no Brasil, tanto do ponto de vista regulatório como de negócios. Segundo ele, as relações entre emissoras e operadoras são tradicionalmente tensas.

"As emissoras acham que as teles querem novelas, e as operadoras, que as emissoras desejam transportar voz. O ideal é aproveitar o melhor de cada mundo." Na opinião do especialista, a discussão regulatória deveria caminhar paralelamente à definição do padrão. "A distribuição de conteúdo está mudando radicalmente, e nossa legislação é antiga", critica.

Equipamentos

O consultor de telecomunicações Murilo Pederneiras, que representa empresas japonesas no Brasil, concorda que ainda há muitas etapas a serem cumpridas para que a população possa ver a TVD na prática.

O governo precisa definir o percentual da programação que será transmitido em alta definição, se o conteúdo para residências e celulares será o mesmo, e as especificações de equipamentos para que os fabricantes possam começar a produzi-los - o que inclui telefones móveis, PDAs, laptops, aparelhos de TV e os famosos set-top boxes (dispositivos que convertem o sinal analógico em digital e serão ligados nas TVs comuns).

"As regras do jogo ainda não foram estabelecidas", diz Pederneiras. "O modelo em vigor aqui é que as emissoras fazem a radiodifusão - a transmissão de um ponto central para vários. Se continuar assim, dentro do canal de TV o radiodifusor terá liberdade para fazer o que quiser. Poderá transmitir quatro programas diferentes ou um em alta e outro em uma definição menor, ou poderá fazer a transmissão para celulares", completa.

Ele acredita que o governo conseguirá solucionar essas questões em três meses, contados a partir da definição do padrão, pois é "possível adaptar modelos internacionais".

Em relação à produção de equipamentos, o prazo é maior: um ano. "O mais complexo é ter todas as especificações prontas para que os fabricantes tenham condições de produzir, o que pode levar alguns meses. Talvez em meados do ano que vem seja possível comprar uma TV digital. Os celulares só começam a chegar ao mercado no final de 2007", afirma.

Mário Friede, observa que a parte mais simples do processo está nas mãos das emissoras, que só têm de investir em equipamentos. Para ele, o principal problema é o consumidor.

"Após a decisão do padrão, elas podem começar a transmitir até o fim do ano, pelo menos para São Paulo. O problema é quem vai ver. Quem tiver dinheiro vai tentar importar, mas não encontrará o set-top box", alerta Friede, ressaltando que essa dificuldade é ainda maior no caso do sistema japonês.

Custos

Diversos fabricantes já se posicionaram em relação ao padrão a ser adotado. Cláudio Raupp, vice-presidente da finlandesa Nokia no Brasil, declarou que a empresa não produzirá no país celulares compatíveis com o sistema japonês.

"Não seria comercialmente viável porque o custo do aparelho seria muito alto", justificou Raupp. A Siemens também é contrária à escolha do padrão nipônico. Mario Baumgarten, diretor de tecnologia da companhia, garante que ele "inviabiliza a TV móvel digital no Brasil devido à sua pouca flexibilidade e ao alto custo de produção".

LG e Samsung, no entanto, pretendem oferecer equipamentos para TVD, não importa o padrão. "Não vamos abrir mão desse mercado. Temos 40 engenheiros trabalhando em nosso centro de pesquisa e esse número deve chegar a 100 até o final do ano - vamos buscar uma solução viável", afirma Benjamin Sicsú, vice-presidente da Samsung no Brasil.

Segundo o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), que preparou o relatório analítico sobre os três padrões para o governo, os set-top boxes do padrão japonês são 15% mais caros que os europeus, por exemplo. Vale ressaltar que há diversos modelos desses dispositivos, com as mais variadas funcionalidades e preços.

O mais básico, chamado de zapper, converte o sinal analógico em digital, garantindo apenas imagem e som com qualidade de DVD na TV comum que a maioria das pessoas possui em casa. Para ter interatividade, o equipamento precisa ser mais sofisticado. É necessário que ele tenha um middleware, software que executa os serviços oferecidos pelo provedor de conteúdo.

Simplificando: a emissora de TV poderá oferecer recursos de interatividade, mas, se o set-top box for básico, o telespectador não terá acesso a eles. "Mais uma vez, a interatividade estará disponível para quem puder pagar mais", observa Mário Friede.

Celular

Após a definição do padrão, não espere ligar o seu celular e sair por aí assistindo à TV. Depois que os fabricantes começarem a produzir ou importar modelos compatíveis, será preciso comprar um aparelho com esse recurso. A principal mudança é o chip presente no telefone, que o torna um receptor portátil de TV.

Segundo Murilo Pederneiras, um celular desses no Japão custa, em média, US$ 250. Já o diretor de estratégia do Grupo Telemar, André Bianchi, estima que esse preço gire em torno de US$ 1 mil.

Assim como ocorre com os set-top boxes, as funcionalidades de TV disponíveis nos celulares dependem dos recursos de cada aparelho. Mas, de acordo com Mário Friede, a maioria dos telefones móveis tem software, o que, por si só, facilita a interatividade.

"Você conseguirá fazer o mesmo que na TV de casa, mas no celular a qualidade da imagem será menor, com baixa definição, embora superior à que temos hoje".

Inclusão digital

O mercado de telefonia móvel brasileiro ainda está em expansão, ultrapassando os 88 milhões de usuários em fevereiro deste ano. No entanto, a maior parte da base, 80% do total, é formada por clientes pré-pagos. Na análise de André Bianchi, é utopia acreditar que todo mundo assistirá à TV pelo celular, pois apenas uma parcela tem rendimentos para acessar esse serviço.

"Estamos falando do mesmo público que tem TV a cabo e que pode pagar por tecnologia de ponta. O poder aquisitivo do cliente pré-pago é muito limitado. Ele gasta R$ 5 por mês em recargas e parcela o pagamento do telefone. Não vejo esse usuário comprando um aparelho compatível com TVD e tampouco com dinheiro para pagar pelo plano. Acredito que será preciso ao menos cinco anos para haver penetração no Brasil", opina o executivo do Grupo Telemar.

Para o gerente de projetos da área de TV digital do Cesar, inicialmente, essa tecnologia estará à mão apenas das classes A e B+, processo que levará tempo. Somente quando os preços dos equipamentos caírem é que a TV móvel será disseminada. "Se não houver subsídio, levará uns dois ou três anos para que as classes mais baixas tenham acesso. Para mim isso é uma pena, porque um dos requisitos da TVD é a inclusão", lamenta Friede.

Quem paga a conta?

Apesar de acreditar que apenas uma pequena parcela dos donos de celular no Brasil tem renda para acessar esse serviço, o executivo do Grupo Telemar diz que "a TV móvel digital é muito interessante". Ele afirma estar "bastante animado com os aparelhos que tem visto no exterior".

Segundo Bianchi, na Europa a TV no celular é assistida durante o dia, no escritório, ou quando as pessoas estão a caminho do trabalho ou de compromissos. Além disso, em casa, também é usada como um ponto extra de acesso.

"Com a TVD, a televisão aberta ganha novas etapas depois da produção e da distribuição de sinal. Há a possibilidade de interatividade, de cobrar por conteúdos, necessidade de fazer serviço de atendimento ao cliente, como as operadoras fazem. Em minha visão, nesse negócio, as operadoras ficam com a linha de frente com o cliente final, e as emissoras, com a produção de conteúdo. Queremos ter a cadeia de valor completa", ressalta Bianchi.

A assessoria de imprensa da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), entidade que representa as emissoras de televisão aberta, informou que a associação não se pronunciará sobre TV digital até que o governo defina o padrão. TIM, Claro e Vivo não quiseram falar. Brasil Telecom GSM não tinha porta-voz para dar entrevista.

"Hoje, o valor do celular que chega ao consumidor é subsidiado pelas operadoras, que esperam ganhar em serviços. Será que um telefone que receba sinal diretamente da emissora terá essa ajuda sem que a operadora receba por isso? Pode ser que sim, mas acho difícil. Se a decisão do governo levar em conta apenas questões técnicas, poderemos ter problemas. É preciso considerar também aspectos econômicos e sociais", pondera Mário Friede.

Para Murilo Pederneiras, haverá uma adequação do modelo de negócios para que operadoras e emissoras ganhem seu quinhão na TV digital nacional. "A emissora poderá transmitir os programas para celulares e as teles ganharão pelo tráfego de interatividade, além de também poder continuar vendendo conteúdo de vídeo diretamente para seus clientes", finaliza.


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