Autodidatas da tecnologia, crianças ignoram bê-á-bá da segurança online
ANA IKEDA | Do UOL Tecnologia*
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Mãe de Carolina, 12, e Luisa, 11, controla o que elas fazem na internet e o sites que acessam
Logo depois do lançamento do iPad, enquanto adultos comentavam extasiados o fato de a Apple ter criado um tablet com tela sensível ao toque, uma garotinha de dois anos e meio fez sucesso no YouTube pela naturalidade com que interagia com o novo gadget (o objeto de desejo/2010 entre os fãs de tecnologia). A menina do vídeo e aquele seu sobrinho de seis anos que já usa o Messenger são exemplos de como a tecnologia conquista seus usuários cada vez mais cedo – apesar de, muitas vezes, as crianças não estarem preparadas para os riscos que ela traz. Ou seja: os pequenos podem aprender a usar computadores e gadgets sozinhos, mas eles ainda precisam de (muita) orientação sobre como utilizar essas ferramentas da forma correta.
Para isso, educadores consultados pelo UOL Tecnologia têm uma recomendação que exige esforços, na prática, mas se baseia em uma essência simples. O importante, quando se trata de educar pequenos internautas, é transmitir valores éticos, que se mantêm os mesmos na vida virtual e também na “real”. Esses valores diminuem as chances de uma criança adicionar desconhecidos numa rede social ou ver cenas de nudez, por exemplo. No entanto, dados recentes da pesquisa Norton Online Family afirmam que oito em cada dez brasileirinhos já passaram por experiências virtuais negativas, que incluem esse tipo de situação.
Começar cada vez mais cedo a educação virtual – seja em casa ou na escola -- é uma das armas para combater os riscos existentes no mundo online. Cleuza Vilas Boas, diretora pedagógica do Móbile, colégio em São Paulo, explica que até pouco tempo atrás, o assunto era abordado no 6º ano (quando a criança tem em média 11 anos). “Hoje, alunos com menos de 9 anos já tem MSN, perfil no Orkut e trocam e-mails com amigos. Portanto, adiantamos a discussão para o 4º ano”, revela.
Casa e escola
Um dos principais desafios que as escolas enfrentam é o fato de que ficar online já faz parte do cotidiano dos alunos. Muitos deles têm livre acesso a esse recurso em suas casas, mesmo sem a maturidade cognitiva e educacional para lidar com os riscos aos quais estão expostos online. A mesma pesquisa do começo desta reportagem revela que metade dos pais em todo o mundo subestima o tempo que seus filhos passam na web.
Nem sempre é fácil estar atento à vida online dos filhos, confirma Regina Albuquerque, mãe de duas meninas – Carolina, de 12 anos, e Luisa, de 11. “Existem pais que usam a internet como uma espécie de babá dos filhos”, diz. Para tentar proteger as filhas dos perigos online, Regina controla de perto não apenas o tempo que suas filhas ficam conectadas, como também quais sites acessam e o que fazem na internet. “Deixo claro que a qualquer momento posso verificar o que elas estão conversando online, pelo histórico. Nunca precisei recorrer a isso, mas não considero uma invasão de privacidade”, ressalta.
No Móbile, os alunos discutem comportamentos sociais nas aulas de orientação educacional, tanto na vida real como no ambiente online. Entre os temas abordados, está a preservação da imagem na internet, cuidado com as informações que os alunos tornam disponíveis nas redes sociais e como lidar com a própria intimidade na web. “Queremos que os alunos desenvolvam a capacidade de se colocar no lugar do outro, para que consigam avaliar os impactos que determinadas ações na internet podem causar no seu colega, principalmente, que sentimentos causam”, diz.
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Regina Albuquerque é mãe de Carolina, 12, e Luisa, 11; mãe não considera invasão de propriedade ver o histórico do navegador do PC
Aula de comportamento
No Vértice, tido como escola modelo no Brasil, os alunos do 6º ao 9º ano cursam duas matérias específicas que tratam do comportamento na internet, assim como no Móbile, dentro da disciplina de Orientação Vocacional e EVE (Educação e Vida em Família), trabalhadas durante o ano letivo de cada série.
Adílson Garcia, diretor do Vértice, destaca que a escola procura dar todos os alertas sobre as consequências de os alunos publicarem fotos e informações pessoais, no caso do uso de redes sociais. Para o educador, o diálogo com os estudantes, seja na escola ou em casa, ainda é o melhor caminho. “As tecnologias não vão desaparecer, elas sempre evoluem. O que permanece, sempre, são os perigos. Interagir com as crianças, tanto a escola como os pais, para fazer com que reflitam sobre esses perigos e as consequências de um mau comportamento online é o que funciona”, conclui.
Escolas públicas
Diferente do que acontece nas escolas particulares já citadas, em escolas públicas ainda não existe uma recomendação pedagógica direta quanto ao uso seguro da internet.
No entanto, em São Paulo, há um projeto chamado Acessa Escola, que disponibiliza o acesso à web em laboratórios na própria instituição de ensino. Dentro deles ficam alguns monitores – jovens do Ensino Médio concursados – que, além de prestar suporte a alunos e professores para fazer pesquisa, são treinados para dar recomendações aos usuários.
“Os monitores conseguem orientar os colegas sobre como evitar situações embaraçosas”, disse João Thiago, diretor de Tecnologia da Informação da Fundação para o Desenvolvimento da Educação. Durante o treinamento, inclusive, há módulos que ensinam sobre os riscos da superexposição na rede. Um dos exemplos utilizados, segundo Thiago, é o caso da Locaweb, quando um executivo da empresa fez comentários pouco polidos sobre um time de futebol e acabou sendo demitido.
Rodrigo Netj, diretor de prevenção da Safernet (ONG de defesa dos direitos humanos na internet), afirma que as escolas particulares abordam mais o cuidado com a segurança online porque neste ambiente os alunos têm mais acesso à web. “A realidade do aluno da escola particular é diferente do que estuda na pública, pois geralmente ele é mais conectado. Logo, acaba surgindo, nesse tipo de instituição privada, a necessidade de falar sobre o tema.”
Apesar da questão econômica, o diretor de prevenção da Safernet ressalta que é necessário abordar o tema nas aulas de todos os tipos de escolas. “É preciso incluir isso [uso responsável da internet] no planejamento pedagógico. Temas como sexting [envio de mensagens ou fotos pornográficas via celular] e ciberbullying devem sempre ser discutidos. Não se trata de um assunto técnico, mas de ética e cidadania, valores recorrentes na relação interpessoal, na internet”, disse.
*Com colaboração de Guilherme Tagiaroli
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