Um aplicativo para eletrônicos portáteis com GPS tem deixado em polvorosa o mundo gay ao mostrar, em questão de metros, quais são os homossexuais, bissexuais ou "curiosos" que estão em volta. Em quase um ano e meio, o Grindr (fala-se "grainder") foi baixado por mais de 750 mil pessoas em 162 países ou regiões diferentes. Por dia, mais de 208 mil pessoas se conectam por um período médio de uma hora e meia. O programa gratuito é compatível com o iPhone, iPod touch e iPad.
Criador do Grindr Joel Simkhai, 33, israelense radicado nos Estados Unidos há 30 anos
Fácil de navegar, os usuários podem bater papo entre si. E o assunto, invariavelmente, é um só: sexo. Se a conversa evoluir, marca-se um encontro para se conhecer pessoalmente e, obviamente, colocar em prática tudo o que foi dito. Com a garantia de anonimato, o aplicativo tem mudado a maneira de muitos gays se relacionarem, dado chance a héteros "curiosos" de terem novas experiências e até ajudado aqueles que querem sair do armário.
Londres lidera na quantidade de usuários: são 54,7 mil. A cidade deixa para trás Nova York (43,5 mil) e Los Angeles (28,3 mil). São Francisco, que tem uma comunidade gay atuante, ocupa o quarto lugar, com 26 mil. No Brasil, os números ainda são tímidos: ao todo, foram feitos 3,9 mil downloads. São Paulo é a capital que tem mais gays no Grindr (1,5 mil), seguida por Rio de Janeiro (800) e Brasília (200).
Como funciona
O aplicativo funciona assim: a pessoa faz o download gratuito em seu portátil com GPS e cria um breve perfil com nome (nem sempre o real), idade, altura, peso e mais uma linha de descrição. A foto é muito importante, afinal será o chamariz. Ao fazer o login, surgem na tela 20 fotinhos dos homens que também têm o Grindr no celular. Por causa do recurso de GPS, os primeiros gays a aparecerem nesta seleção de 20 imagens são os que estão mais próximos. A distância é indicada em metros ou quilômetros, conforme o caso.
Gostou da foto? Clique para ampliá-la e ver o perfil. Se não interessar, continue a busca ou carregue outra leva de fotos. Quando se sentir atraído por alguém, é só iniciar um chat pelo próprio celular.
"O princípio é parecido com o do bate-papo pela internet, com a vantagem de que é possível encontrar a pessoa ali mesmo, naquela hora. Não é fantástico?", anima-se o criador do Grindr Joel Simkhai, 33, israelense radicado nos Estados Unidos há 30 anos. O sucesso o levou a desenvolver uma versão para o aparelho Blackberry, que deve ser lançada ainda neste mês. Até o fim do ano, um aplicativo nos mesmos moldes estará disponível para homens e mulheres heterossexuais.
"A pergunta que todo gay se faz é: quem mais, além de mim, é gay nesta sala ou no meu quarteirão? Muitas vezes, é difícil saber só de olhar. E pode até ser que a pessoa seja gay, mas não esteja a fim", explica. Com quem é hétero, diz Simkhai, acontece a mesma coisa. "Numa paquera, você pode interpretar um olhar como sinal verde e acabar levando um fora. O aplicativo vai evitar essa situação."
Obscenidades ou nudez
Como o Grindr é gratuito, ele se mantém com anúncios que ficam no rodapé da tela do celular. Para quem não quiser ver propaganda, há a opção de fazer o download a US$ 2,99, o equivalente a pouco mais de R$ 5. Nesse caso, outras funções são adicionadas ao aplicativo. Simkhai não revela a receita gerada na empreitada e desconversa quando perguntado sobre lucro.
"Tudo o que entra é reinvestido", diz. Ou seja, paga os 25 funcionários que se dividem entre o atendimento aos clientes e o desenvolvimento de novos recursos. Parte da equipe fica encarregada de conferir as fotos -- são proibidas poses obscenas ou com nudez -- e se há palavrões nos perfis. Regra desrespeitada ou conteúdo ofensivo, o perfil é bloqueado. Só podem baixar o aplicativo pessoas acima de 17 anos.
Psicólogo inglês Lewis Williams, 21, lamenta o fato de alguns usuários só quererem sexo
Muito prazer
Além do Grindr, há outros aplicativos para celular similares no mercado, mas nem todos fazem tanto sucesso entre o público alvo. "É o mais fácil de navegar e todo mundo usa. Então, é nesse que todos querem ficar conectados", diz André da Silva, 23 anos, filho de portugueses, mas que nasceu em Londres (sua foto foi retirada da reportagem a pedido de André). Para o recém-formado em mídia e comunicação, o aplicativo tem, porém, uma desvantagem. "Como você só pode colocar uma foto no perfil, acaba sendo julgado pelo que está ali e, muitas vezes, os outros não dão chance para conhecê-lo."
O psicólogo inglês Lewis Williams, 21, também reclama que o uso do aplicativo está muito voltado ao sexo. Ele chegou a sair com três rapazes desde que começou a usar há o Grindr, há seis meses, e acabou se relacionando por algum tempo com um deles. "É uma pena que a maioria das pessoas use o Grindr para sexo e não para encontrar alguém para namorar."
Mais pragmático, o também inglês Lawrence Russell, 47, que é gerente de uma empresa de entregas na região central de Londres, gosta do aplicativo porque "vai direto ao ponto". "Além disso, em tempos de crise econômica, o Grindr é ótimo porque você não precisa sair de casa e gastar para ir num bar encontrar alguém. Eu faço isso do sofá da minha casa", diverte-se.
Ele baixou o aplicativo há cerca de seis meses quando recebeu da empresa um iPhone para usar como celular corporativo. E garante que os seus chefes não acham ruim.
Lawrence Russell, 47, usa o Grindr há pouco mais de seis meses no iPhone corporativo que ganhou
Estados Unidos | 376 mil |
Reino Unido | 121,4 mil |
Austrália | 95 mil |
França | 32,4 mil |
Japão | 27,5 mil |
Canadá | 25,5 mil |
Alemanha | 14,5 mil |
Singapura | 12,2 mil |
Espanha | 12 mil |
Itália | 11,7 mil |
"Todo mundo sabe e ninguém vê problema nisso. Inclusive saí no meio do expediente para dar essa entrevista", conta. "A questão da homossexualidade não é tão mais tabu aqui na Inglaterra. As nossas paradas gays estão diminuindo de tamanho porque não precisamos mais tanto disso como em outros lugares do mundo. De certa maneira, já avançamos em relação aos nossos direitos."
Situações inusitadas
A urgência por sexo casual e a relação com desconhecidos, que geralmente continuam nessa condição mesmo após a transa, resultam muitas vezes em histórias inusitadas. O inglês Anthony, 38 anos e que pede para não ter o seu sobrenome divulgado, conta que, numa noite em que estava sem fazer nada, resolveu se encontrar com um homem que conheceu pelo Grindr.
"Ele estava recebendo uns amigos em casa. Para eu não ser visto, porque não era uma visita social, ele fechou a porta da sala, onde eles estavam, e eu corri para o quarto dele. Deu um frio na barriga, porque não podíamos demorar. Depois, na hora de sair, foi a mesma coisa para despistar os amigos", lembra. E valeu a pena a correria? "Não curti. Ele estava com hálito de pasta de dente, o que não me agrada", diz, rindo.