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Campus Party 2010

26/01/2010 - 16h29

Repórter do UOL vira campuseiro e passa frio em camping digital

Rodrigo Bertolotto||Do UOL Notícias

 

Apesar de ser saudado com um “olá, campuseiro” e ganhar o apelido virtual de “Bertox” na minha inscrição, não é difícil descobrir o que sou na terceira edição da Campus Party: um alienígena, um forasteiro, um turista acidental.

Para mim, javascript é javanês e fico boiando com palestras sobre “clusterização de aplicações”, “monetize seu site” ou “interoperabilidade”. Eu já imagino uma besteira sobre uma oficina de “teste de penetração” e só chego a alguma dedução lógica quando o assunto é gambiologia (é óbvio, estamos falando da brasileiríssima cultura da gambiarra).

Minha missão jornalística foi revelar como é dura a parte real da maior feira do mundo virtual no Brasil, com direito a acampar no mar de barracas povoadas por nerds, geeks e similares.

Mas dura mesmo foi a carne no refeitório oficial: o bife parecia recheado de fibra ótica. Já a potência do chuveiro era inversamente proporcional ao rapidíssimo fluxo da internet local.

A noite é ainda mais longa para quem não se preparou. Levei um travesseiro e um edredom, que serviria simultaneamente de colchão e coberta. Falam que é bom dormir em base firme, mas o concreto do galpão da Expo Imigrantes se mostrou cruel ao despertar.

E não adiantou cobrir com um plástico a entrada de ar no alto da barraca: o frio bateu forte durante a madrugada mesmo estando meu iglu dentro de um centro de exposições. Outros usaram toalhas de times ou cartazes de movimentos católicos, feministas ou ecologistas para cobrir suas residências provisórias

Fatores diversos prejudicaram minha hibernação. Os nerds se encarregaram de promover flash mobs, gritando a noite toda. Os carrinhos das faxineiras passavam rente à minha cabeça. Os roncos eram bem mais fortes que os gemidos. Um engraçadinho decidiu berrar: “Vamos acordar que isso aqui não é colônia de férias”. Tem ainda rodinhas de violão bem desafinadas para perturbar. O único que me salva é um tampão de ouvido.

Pelo menos, estou melhor que o vizinho gigante que dorme com os pés para fora. Mas estou bem pior que o felizardo que foi sorteado para uma noite na barraca de madeira cravada no mar de plástico do camping. Ele ganhou privacidade com direito a cama de verdade, minibar, TV e, mais importante, lençóis limpos.

Mas há quem goste dessa vida e traga até as duas filhas. Luciana Nuccini acompanha o marido que faz computadores tunados (modding é o termo) e leva a família toda pela terceira vez a Campus Party. “Elas adoram acampar e brincam fora e dentro dos computadores”, conta a mãe, enquanto a menina Raquel, de seis anos, pula no colchonete de ar.

Supermáquinas

  • Rodrigo Paiva/UOL

    Evento tem até computador com formato de dragão

Lá fora, chove. Dentro, a nuvem é só de tags. Na penumbra indoor, os monitores são a principal fonte de luz. Muitos aproveitam a calada da madrugada para baixar torrents de filmes pornôs e seriados de TV dos EUA.

Um inventor mostra seu computador em forma de dragão e ganha elogios: “O mouse ficou uma graça”, diz a visitante puxando o pé da fera mítica que vira apetrecho de computação. Logo ao lado, um robô toca berimbau com uma bandeira do Partido Pirata ao fundo – a agremiação política existe de verdade e até elegeu um deputado para o parlamento europeu.

E não faltaram políticos na abertura da feira em que as pessoas não saem da cadeira para fazer a revolução. Um deles ensaiou até um discurso convocando “campuseiros e campuseiras”. Já Paulo Renato, secretário estadual de Educação, mandou “um abraço” em nome do governador tuiteiro José Serra.

Depois veio a contagem regressiva e a execução do hino nacional, com projeção em telão parecendo um videokê patriótico. E, enquanto a letra afirmava que “verás que um filho teu não foge à luta”, os gamers mandavam bala nos joguinhos. “Tenebroso. Você vai morrer de novo, mano. Sai e atira”, aconselhava um deles para o amigo sem prática na artilharia digital.

Os organizadores pediram um minuto de silêncio para as milhares de vítimas do recente terremoto do Haiti. A homenagem foi obedecida à risca, só não se sabe se as pessoas deixaram de tuitar nesse lapso de tempo. As pessoas estão no Twitter o tempo todo. Foi criado até um “canal vaginal” para quem espera aventuras sexuais por lá mesmo com o baixo público feminino.

É um mundo tão particular que até um ex-criminoso é reverenciado. Cercado por fãs que pedem autógrafos e fotos ao seu lado, o norte-americano Kevin Mitnick ficou preso de 1995 a 2000 (e só saiu depois de pagar polpuda fiança, mas com a promessa de não tocar em um computador por três anos). Ele é um famoso pioneiro dos hackers e já virou tema de livro e filme. Ontem perseguido pelo FBI, hoje é consultor de grandes empresas para impedir invasões virtuais ou mais pomposamente a “engenharia social para evitar a manipulação dos aspectos humanos da segurança”.

Entre nerdezas e nerdices, há quem filosofe. “O Orkut é um cemitério de almas digitais”, declama uma garota. Em um computador, um adesivo avisa: “Adoraria mudar o mundo, mas não me deram o código fonte.”

O amanhecer reserva filas para escovar os dentes, para o café da manhã e nos detectores de metal. Dezenas ainda dormem nos puffs cheios de design quando começam as palestras.

Começa a agenda do Campus Party e eu me despeço do evento e do centro de convenções à beira da rodovia Imigrantes. Minha vida de campuseiro durou menos de 24 horas. E o crachá de identificação pendurado no pescoço vai virar relíquia de mais uma matéria em terra estrangeira.

Descanso

  • Rodrigo Paiva/UOL

    Campuseiros usam puffs para dormir, navegar na internet e também assistir a palestras.

Serviço

Campus Party Brasil 2010

Data: De 25 a 31/01/2010
Horário: Das 10h às 22h (para visitantes; "campuseiros" poderão entrar a partir das 12h de 25 de janeiro)
Preço: Grátis para visitantes para área Expo e Lazer; ingressos para Arena dos Campuseiros estão esgotados
Local: Centro de Exposições Imigrantes (Rodovia dos Imigrantes, km 1,5 - São Paulo - SP)

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