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16/01/2008 - 07h05

"Creative Commons incentiva colaboração", diz coordenador do CC Brasil

FERNANDA ÂNGELO | Para o UOL Tecnologia
Em entrevista ao UOL Tecnologia, Ronaldo Lemos, coordenador do projeto Creative Commons no Brasil e professor de direito da FGV-Rio, falou sobre a importância da licença CC para a socialização da informação.

Segundo ele, o Creative Commons aplica-se a qualquer tipo de criação intelectual, incluindo músicas, filmes, fotos, textos, projetos arquitetônicos e especialmente o conhecimento científico e é, acima de tudo, uma ferramenta fundamental para permitir a criação colaborativa.

Confira a íntegra da entrevista com o responsável pelo Creative Commons no Brasil.

UOL Tecnologia - Como você descreveria o Creative Commons? Ele seria de alguma maneira uma alternativa para o tradicional direito autoral?
Ronaldo Lemos
- O Creative Commons é uma ferramenta para criadores intelectuais decidirem de modo simples e padronizado como sua obra pode ser utilizada por parte da coletividade. Ele é totalmente baseado no direito autoral e sua função é justamente a de dar maior controle ao criador intelectual para gerenciar diretamente sua obra.

É bom lembrar que durante todo o século 20, grande parte dos autores que queriam circular suas criações acabava transferindo seus direitos para um intermediário (como uma gravadora ou editora). A partir daí, era o intermediário que passava a ter o controle da obra.

Com a tecnologia digital e a Internet, é possível que autores e criadores intelectuais possam exercer esse controle diretamente sobre suas obras, sem a necessidade de ceder seus direitos para terceiros. O Creative Commons é uma das possibilidades para o exercício destes direitos.

Também vale enfatizar que uma das grandes características do Creative Commons é que ele é totalmente voluntário, isto é, só usa quem achar que o modelo é relevante para sua criação.

UOL - Qual seria a principal diferença entre direito autoral e o Creative Commons?
Lemos
- O Creative Commons é totalmente baseado no direito autoral. O modelo do Creative Commons é semelhante ao do software livre, que também se baseia no direito autoral. Ele consiste em uma série de licenças jurídicas padronizadas, que são chamadas de GPLs (General Public Licenses ou Licenças Gerais Públicas). Essas licenças possuem diversas modalidades que permitem aos criadores intelectuais determinar que tipo de utilização gostariam de permitir à coletividade.

Há tipos de licença que permitem a circulação da obra, mas vedam sua utilização comercial. Outros permitem a circulação, mas vedam que a obra seja alterada ou remixada. Cabe a cada criador intelectual decidir qual licença funciona melhor para a sua obra e seus objetivos.

UOL - Qual a vantagem do Creative Commons em relação ao direito autoral?
Lemos
- A vantagem trazida pelo Creative Commons é contribuir para que a tecnologia faça as pazes com o direito. Ele permite maximizar a circulação da obra, ao mesmo tempo em que permite sua exploração comercial através de várias modalidades, o que está em sintonia com a atual economia digital. Além disso, o Creative Commons é fundamental para a chamada "cultura colaborativa", na medida em que ele fornece as bases jurídicas para que a colaboração aconteça. Por essa razão, a Wikipedia, maior site colaborativo do mundo, acabou de anunciar no fim de 2007 a adoção do Creative Commons como regime de licenciamento para o seu conteúdo.

UOL - Para quem os Creative Commons são indicados? Para quais tipos de trabalhos?
Lemos
- O Creative Commons aplica-se a qualquer tipo de criação intelectual, incluindo músicas, filmes, fotos, textos, projetos arquitetônicos e especialmente o conhecimento científico. Ele é, por exemplo, ferramenta fundamental para permitir a criação colaborativa.

Em tempos em que as barreiras entre produção e consumo de cultura foram abaladas, o Creative Commons é indicado para criadores que desejam maximizar a distribuição de suas criações, preservando a possibilidade de exploração comercial das mesmas, se assim desejarem, e eventualmente permitindo ou não que as mesmas possam participar de um diálogo coletivo.

Além disso, o Creative Commons é uma ferramenta jurídica importante para o surgimento de novos modelos de negócio que permitem remunerar os criadores intelectuais na era digital. Nesse sentido, ele tem sido incorporado em diversas iniciativas tanto com fins comerciais quanto com finalidades públicas. Os exemplos são vários e incluem desde o Videolog do UOL, até sites como Flickr e Wikipedia.

UOL - A Creative Commons pode ser considerada então uma forma de estímulo à criatividade? De que forma isso ocorre?
Lemos
- O Creative Commons é certamente uma forma de acelerar e maximizar as possibilidades de criação, ao mesmo tempo em que amplia o acesso ao conhecimento.

Um dos grandes desafios do século 21 é garantir um amplo acesso à informação e ao conhecimento. Esse desafio é especialmente importante para países em desenvolvimento, já que não é mais possível haver desenvolvimento econômico e social sem acesso à informação, à tecnologia e ao conhecimento.

Nos cinco anos de existência do projeto, ele tem crescido rapidamente e se desdobrado em iniciativas que abrangem diversas áreas. Por exemplo, o projeto Science Commons é um braço do Creative Commons voltado para a disseminação do conhecimento científico.

O Science Commons é hoje um dos poucos exemplos da chamada "Web 3.0", ou "Web semântica", na medida em que um dos seus objetivos é criar novas formas de conectar e disseminar a informação científica. Além disso, há também o CC Learn, que é o braço educacional do Creative Commons.

Seu objetivo é produzir e disseminar materiais didáticos licenciados pelo Creative Commons que possam ser livremente acessados e disponibilizados. Uma das interessantes aplicações do projeto é a disponibilização de material didático para os laptops escolares, como o famoso "one-laptop-per-child" e outros.

UOL - Como os autores de obras intelectuais podem registrar seus trabalhos sob as licenças do Creative Commons? Há custos por trás disso?
Lemos
- O projeto Creative Commons é totalmente sem fins lucrativos e não há qualquer custo na sua utilização. A utilização das licenças do Creative Commons é muito simples, e pode ser feita através do site do projeto no Brasil. Lá é possível escolher que tipo de licença se adapta melhor aos objetivos do autor. A partir daí, basta anexar o tipo de licença escolhido à obra.

Se for um livro, um CD ou um DVD, a informação sobre a licença geralmente vem na contracapa, no mesmo local onde encontra-se a ficha técnica da obra. Se for um Website, o próprio site do Creative Commons gera um código html para cada licença, permitindo ao autor indicar claramente que o conteúdo é licenciado pelo Creative Commons.

Há ainda outras formas mais sofisticadas de licenciamento, que envolvem os chamados metadados, voltadas para necessidades de licenciar grandes volumes de informação, sobretudo científica.

UOL - Eles podem definir sob quais condições seus materiais podem ser utilizados, certo?
Lemos -
Cabe a cada criador intelectual escolher a modalidade de licenciamento que melhor atende aos seus objetivos. Em todas as modalidades de utilização, a propriedade intelectual do autor é totalmente preservada, isto é, ele não abdica dos seus direitos sobre a obra. Ele pode inclusive licenciar a obra para outras finalidades, comerciais ou não, já que ele sempre permanece como autor e "dono" da obra quando usa o Creative Commons.

Inúmeros autores que possuem obras licenciadas pelo Creative Commons que são regularmente exploradas comercialmente. É o caso da banda pernambucana Mombojó, que licenciou seus dois discos pelo Creative Commons, mas que são também lançados por uma grande gravadora. Ou ainda, os inúmeros livros licenciados pelo Creative Commons que são regularmente lançados por uma editora e assim por diante.

UOL - A licença Creative Commons pode ser aplicada a usos comerciais? Como?
Lemos -
Certamente. Uma das possibilidades do Creative Commons é justamente permitir o desenvolvimento de novos modelos de negócio que, por exemplo, permitam o acesso à obra, ao mesmo tempo em que ela pode ser explorada comercialmente. A música é um bom exemplo. No campo musical, a licença mais utilizada do Creative Commons é a licença de "uso não-comercial".

Através dela, é permitido que a música circule, desde que isto ocorra sem finalidades comerciais. Assim, se alguém quer mandar a música para um amigo, este uso está autorizado. No entanto, se a música for inserida em um filme com fins comerciais, é preciso pagar normalmente os direitos autorais. O mesmo vale para quando a música é executada em rádio ou televisão.

É preciso recolher e pagar normalmente os valores devidos ao Ecad. Em outras palavras, essa licença representa um equilíbrio entre a disponibilização da obra e sua exploração econômica, o que pode ser bom tanto para o autor quanto para a sociedade como um todo.

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